Acórdão nº 05B484 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Maio de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA BARROS
Data da Resolução12 de Maio de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : Em 12/9/95, a A - Sociedade de Locação Financeira, S.A., depois B - Sociedade de Locação Financeira, S.A., e actualmente ..., S.A., C, intentou acção declarativa com processo comum na forma ordinária, contra a D - Comércio de Automóveis, S.A., e contra as Companhias de Seguros "E", S.A., e "F", S.A.

Pediu a condenação : - da 1ª Ré, a entregar-lhe o veículo de marca Toyota, modelo Corolla 1300, e matrícula CA, objecto de contrato de locação financeira resolvido pela demandante por falta de pagamento de renda vencida em 10/8/94 ; - de todas as demandadas, solidariamente, a primeira, na conformidade daquele contrato, e as demais, com fundamento em contrato de seguro-caução de que a A. é beneficiária, a pagar-lhe a quantia de 2.056.795$00, com juros, até integral pagamento, à taxa de desconto do Banco de Portugal, no montante já vencido de 195.255$00.

Esta acção foi distribuída à 3ª Secção do 17º Juízo (depois Vara) Cível da comarca de Lisboa.

Citadas, as Rés seguradoras chamaram à autoria G.

Admitido o incidente apesar da oposição da A., esta interpôs agravo dessa decisão, que acabou por ser julgado deserto (fls. 441-3.).

Todas as demandadas contestaram, e também o chamado o fez.

A Ré D, que litigou com benefício de apoio judiciário na modalidade da dispensa parcial de preparos e do pagamento de custas, excepcionou, antes de mais, prévia renúncia da A. à resolução do contrato accionado e, nessa base, abuso de direito, e depois, a nulidade da cláusula 11ª, nº1º, do contrato de locação financeira, em vista do disposto no art.19º, al.c), do DL 446/85, de 24/ 5.

O chamado excepcionou a sua ilegitimidade passiva por não ser parte nos contratos ajuizados. Alegou mais ter sido desapossado do veículo em causa em consequência de providência cautelar, e ter, por isso, ficado impossibilitado de cumprir o contrato de aluguer de longa duração ( ALD ), o que motivou a resolução do mesmo. Não existindo, por consequência, qualquer crédito relativo a esse contrato, não poderia haver subrogação, nem direito de regresso, a favor das Rés seguradoras.

Estas, para além de excepcionarem a nulidade, por fraude à lei, do contrato de locação financeira firmado pela A. e pela 1ª Ré com ofensa do art. 2º do DL 171/79, de 6/6, sustentaram, em síntese, que o objecto do seguro-caução accionado eram as rendas relativas ao contrato de aluguer de longa duração (ALD) celebrado entre a sua co-Ré e o chamado, e não as rendas devidas em consequência do contrato de locação financeira ( CLF ) firmado pela A. e por aquela Ré.

Houve réplica, em que, nomeadamente, se concluiu deverem as Rés seguradoras ser condenadas por litigarem de má fé, o que deu lugar a resposta destas a esse respeito.

Saneado, condensado, e instruído o processo, veio, após julgamento, a ser proferida, em 11/12/ 2002, sentença que julgou a acção parcialmente procedente e provada e, em consequência, condenou a 1ª Ré a entregar à A. o falado veículo e a pagar-lhe a quantia de 305.322$00, ou seja, € 1.522,94, da renda vencida e não paga em 10/8/94, com juros de mora desde então até integral pagamento à taxa prevista para os créditos de empresas comerciais ( art. 102º C.Com.), acrescida da sobretaxa de 2% prevista no art. 7º, nº1º, do DL 344/78, de 17/11, absolvendo-a, no entanto, do mais pedido, em vista da nulidade da cláusula 11ª, nº1º, do Contrato Multiusos de Locação Financeira junto aos autos, por violação do art. 19º, al. c) do DL 445/85, de 25/10.

As Rés seguradoras foram então absolvidas do pedido contra elas deduzido.

Mais foi declarada a inexistência de direito de regresso das mesmas sobre o chamado e de litigância de má fé.

A A.apelou dessa sentença.

A Relação de Lisboa, por acórdão de 1/6/2004, julgou esse recurso procedente em parte e condenou solidariamente todas as Rés, as seguradoras na proporção das quotas respectivas, a pagar a quantia de 305.322$00 da sobredita renda vencida, e a de 1.581.825$00 de rendas vincendas, no total de 1.887.147$00 (€ 9.413,07 ), e a 1ª Ré, ainda, no pagamento do valor residual de 156.207$00 (€ 779,16), e juros conforme determinado na sentença apelada, que manteve no mais.

É desta decisão que as Rés seguradoras pedem, agora, revista, cujo âmbito ou objecto é, conforme arts. 684, nºs 2º a 4º, e 690, nºs 1º e 3º, CPC, delimitado pelas conclusões da alegação respectiva. São as seguintes : 1ª - O contrato de seguro dos autos, como contrato formal que é, está corporizado em documento que constituí a respectiva apólice, onde a obrigação a que se reporta está claramente identificada sob o título "Objecto da Garantia", como consistindo no "Pagamento de 12 rendas trimestrais referentes ao aluguer de longa duração do veículo Renault Trafic CA" (1).

  1. - A decisão proferida vai frontalmente contra esta definição, clara e directa, da obrigação a que se reporta o seguro, violando assim a al. b) do n. 1º do art. 8º do DL 183/88, de 24/5.

  2. - Sendo embora verdade que da análise isolada dos artigos 1º e 2º das condições gerais da apólice poderíamos ser levados a concluir que a garantia prestada consiste no pagamento das importâncias que a A. tem a receber da D, não deixa de ser igualmente verdade que estamos aí na presença de definições genéricas que carecem de concretização nas condições particulares, o que aconteceu pela forma descrita na conclusão 1ª.

  3. - Seja como for, se houvesse qualquer contradição entre o objecto da garantia definido nas condições particulares e as definições genéricas e abstractas das condições gerais da apólice, sempre as primeiras prevaleceriam sobre as segundas, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, verdadeira trave mestra do direito dos contratos, de que o art. 405º C.Civ. constitui afloramento.

  4. - E no caso em apreço a conclusão tem ainda mais força por estarmos, no que respeita às Condições Gerais da apólice, claramente perante cláusulas contratuais gerais ou cláusulas de adesão, objecto de regulamentação específica através do DL nº 446/85 de 25/10, que, entre outras regras e limitações, estabelece que em caso de contradição entre as cláusulas de adesão e aquelas sujeitas a negociação entre as partes, prevalecem estas últimas sobre as primeiras ( art.7º).

  5. - Um declaratário de normal diligência e medianamente instruído, certamente não interpretaria a declaração constante das condições particulares da apólice sob o título "Objecto da Garantia" como consubstanciando uma garantia do pagamento das rendas referentes à locação financeira do veículo aí identificado.

  6. - No caso dos autos foi apurado um conjunto de factos relativos ao processo de formação da vontade das partes que precedeu e permitiu a emissão da apólice de seguro de que resulta que estas pretenderam que fosse prestada garantia do pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração do veículo de matrícula CA.

  7. - Tal vontade das partes, na medida em que encontra correspondência no texto da apólice, deve prevalecer na sua interpretação, sob pena de se concluir pela nulidade do contrato em sede interpretativa.

  8. - A decisão do processo não foi acompanhada da necessária análise crítica dos meios de prova oferecidos pelas partes, em flagrante violação da lei processual, no caso, do art. 659º CPC.

  9. - Tendo em conta o disposto no artigo 11º das condições gerais do contrato de locação financeira e no artigo 801º C.Civ., jamais pode ser reconhecido à A. o direito a receber, cumulativamente, para além das rendas vencidas, do capital das rendas vincendas, e do valor residual, antecipados à data da resolução do contrato, ainda o veículo locado.

  10. - Nas situações como a dos autos, de incumprimento seguido de resolução, o contrato de locação financeira apenas prevê o pagamento por parte do locatário da renda vencida e não paga, acrescida do valor correspondente à aplicação da cláusula penal, equivalente a 20% da soma da renda vencida com o capital das rendas vincendas e do valor residual (v. cláusula 12ª do contrato de locação financeira ).

  11. - Em qualquer caso, atendendo a que a indemnização estabelecida na cláusula 12ª do contrato de locação financeira é devida a título de cláusula penal, não coberta pela garantia prestada, a responsabilidade das seguradoras deverá limitar-se ao pagamento da renda vencida e não paga pela D.

  12. - A conclusão expressa na alínea anterior tem tanto mais força quanto é certo que os lucros cessantes não são susceptíveis de garantia através de seguro-caução - art. 12º do DL 183/88 de 24/5.

  13. - O acórdão recorrido viola os arts 8º do DL 183/88, de 24/5, 236º, 238º, 405º e 801º C. Civ., 7º do DL...

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