Acórdão nº 05S1041 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Maio de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERNANDES CADILHA
Data da Resolução11 de Maio de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório.

A, por si e em representação dos seus filhos menores B e C, intentaram, com o patrocínio do Ministério Público, a presente acção especial emergente de acidente de trabalho, contra a Companhia de Seguros D, S.A., com sede Lisboa e a "E", Lda, com sede V. N. Famalicão, peticionando o direito à reparação pelos danos sofridos em consequência de acidente de trabalho sofrido pelo seus cônjuge e pai, quando prestava a sua actividade profissional a favor da segunda ré.

A ré seguradora requereu depois a intervenção provocada da "F", S.A., com sede Viana do Castelo, a G - Companhia de Seguros, S.A., com sede em Lisboa, a Câmara Municipal de Barcelos e a "H", S.A., com sede Lisboa (fls 174-175), as quais foram citadas para os termos do processo pelo despacho proferido de fls. 196-197.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi a final proferida sentença que julgou procedente a acção, condenando a Ré Companhia de Seguros D, S.A. no pagamento das pensões e encargos especificados a fls 683-684, e absolvendo do pedido os restantes co-Réus.

Em apelação, em que a ré seguradora suscitou a questão da descaracterização do acidente por negligência grosseira do sinistrado e da responsabilidade imputável a terceiros, o Tribunal da Relação do Porto confirmou a sentença.

É desta decisão que vem agora recorrer de revista a ré seguradora, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: A. - As questões se colocam à apreciação deste Venerando Tribunal são as seguintes: a) - se o acidente ocorreu, exclusivamente, por negligência grosseira do sinistrado, hipótese que conduziria à descaracterização do acidente - cfr. art.7°, n.°1, al. b), da Lei n.°100/97, de 13.09; ou, b) - se o acidente se verificou por culpa de terceiro, hipótese em que a responsabilidade da Recorrente será inexistente.

B. - A jurisprudência e doutrina dominantes consideram que a "negligência grosseira" encerra o mesmo conceito jurídico da expressão "falta grave e indesculpável» constante da Lei n.°2127, em razão do que a verificação daquela característica deverá traduzir-se num comportamento temerário, audacioso, imprudente, inútil, em que a vitima tenha conhecimento e consciência dos riscos, e, além disso, seja indiferente aos mesmos, ou os desafie, ou seja, que estejamos, pelo menos, perante uma situação de negligência consciente do sinistrado.

C. - Face à factualidade apurada nos autos, é indúbio que o comportamento do malogrado C foi temerário, desnecessário, inútil e causa exclusiva da produção do acidente e, por consequência, integrador do conceito de "negligência grosseira", contrariamente ao entendimento perfilhado na decisão sub judice.

D. - Quanto à dinâmica do acidente e em ordem a evitar desnecessárias repetições, dá-se aqui integralmente por reproduzido o vertido na sentença do Tribunal de 1ª Instância, designadamente a fls. 676 e 677, na medida em que a mesma é eloquente acerca da forma como o mesmo se verificou.

E. - Dos factos provados resulta igualmente que o sinistrado apeou a escada na parte superior do terreno aumentando a pressão contra o lado do poste que se encontrava "descalçado", sendo que foi igualmente demonstrado que só depois da colocação de espias se deveria ter procedido ao desengate e arreamento dos cabos condutores, facto que o sinistrado não respeitou.

F. - Só a utilização daquele mecanismo - espias - sustentaria o poste em causa na posição vertical, o qual apenas se encontrava em pé devido à tensão nele exercida pelos fios condutores de electricidade, como, aliás, vem expressamente referido na decisão do Tribunal de 1ª Instância.

G. - Era ao sinistrado que competia, atenta a sua qualidade de chefe de equipa e, bem assim, de trabalhador experiente, proceder à análise exaustiva do estado de conservação, estabilidade e causas de sustentação de cada um dos postes a demolir e do local onde se encontravam situados, a fim de implementar as adequadas e necessárias medidas para a realização da operação em segurança, o que no caso concreto, manifestamente, não aconteceu.

H. - Assim, a realidade do acidente, consubstanciada na queda do poste, permite, sem qualquer margem para dúvida, retirar as seguintes conclusões: o poste carecia de base de apoio suficiente para se manter na posição vertical - por ter sido retirado o muro de contenção - após o desengate e arreamento dos cabos condutores; e, não foram implementadas as necessárias medidas de segurança, com vista à suprir tal situação.

I. - É da análise e ponderação destes pressupostos que se deve extrair a conclusão de que o comportamento do sinistrado traduz uma situação de negligência grosseira.

J. - No caso concreto, tais pressupostos não foram observados pelo falecido, como lhe competia, pelo que só assim se explica que o mesmo, para proceder ao desengate e arreamento dos cabos condutores, tenha apenas usado uma escada que, além do mais, apeou na parte superior do terreno, aumentado, assim, a pressão contra o lado do poste que se encontrava "descalçado", sem previamente implementar o sistema de espias, procedimento que contraria as mais elementares regras do senso comum, mesmo para um leigo na matéria, e consubstancia um inacreditável desprezo pelo risco.

L. - Sendo a vítima um trabalhador experiente e conhecedor, o seu comportamento é inadmissível e altamente censurável.

M. - Face ao exposto, a factualidade provada, impõe, sem sombra de dúvidas, a conclusão de que o comportamento do malogrado C integra o conceito de negligência grosseira, porquanto assumiu, voluntária, conscientemente e sem qualquer justificação, um comportamento temerário, desafiando o perigo sem que nenhuma razão existisse para tanto o que é conducente à descaracterização do acidente, enquanto sinistro laboral, nos termos do supra citado art.7°, n.°1, al. b), da Lei n.°100/97, não dando, por isso, lugar a reparação.

N. - Sem prescindir e noutra perspectiva, sempre o acidente se ficou a dever a culpa de terceiro, por inobservância de preceitos legais e regulamentares respeitantes à higiene e segurança no trabalho.

O. - Relativamente a esta questão, na decisão sub judice considerou-se que a "fonte de responsabilidade do agente do eventual ilícito extracontratual (no caso, os donos das obras) mantém-se estranha à relação jurídica trazida à acção, pelo que inexiste o elemento de conexão imprescindível para que, neste caso, se possam chamar terceiros a intervir no pleito." P. - Porém, a questão que a Recorrente suscitou perante o Tribunal "a quo" não foi a da admissibilidade, ou não, da intervenção de terceiros no processo, uma vez que tal encontra-se já decidido nos presentes autos, por virtude do douto despacho de fls. 196 e 197 - já transitado em julgado e, por consequência, com força obrigatória no processo, art. 672° do C.P.C. -, através do qual foi ordenada a citação das diversas entidades com...

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