Acórdão nº 05S1702 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Setembro de 2005

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução21 de Setembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Na presente acção, o autor A pediu que a ré B - Companhia de Seguros fosse condenada a reintegrá-lo e a pagar-lhe as retribuições que ele teria auferido desde a data do despedimento até à data da sentença e a pagar-lhe 9.241.607$00, a título de diferenças na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos (1.743.960$00) e vincendos até integral pagamento, alegando que foi admitido ao serviço da ré, em 15.6.1993, para exercer subordinadamente a sua actividade de médico cirurgião, não obstante o contrato então assinado ter sido denominado de prestação de serviços, contrato esse que a ré fez cessar em 31.12.2000, configurando essa cessação um despedimento ilícito.

A ré contestou, alegando que o contrato celebrado com o autor era de prestação de serviços e não de trabalho.

Realizado o julgamento, a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo a ré sido condenada a reintegrar o autor e a pagar-lhe a quantia de 187.226,17 euros a título de retribuições, acrescida de juros de mora até integral pagamento e a pagar a sanção pecuniária compulsória no montante de 200 euros por cada dia de atraso no cumprimento do decidido quanto à reintegração.

A ré recorreu, sem sucesso, para o Tribunal de Relação de Lisboa e, mantendo o seu inconformismo, veio interpor recurso de revista, resumindo a respectiva alegação às seguintes conclusões: 1.ª - O critério distintivo entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços é, essencialmente, o da subordinação jurídica.

  1. - Não deixa de haver contrato de prestação de serviços nos casos em que o trabalhador autónomo se encontra contratualmente obrigado a utilizar certos materiais, ou a seguir um dado modelo ou figurino.

  2. - Trata-se de condições contratualmente estabelecidas, fundadas no consenso das partes e não na autoridade directiva de uma perante a outra.

  3. - Os elementos tidos por relevantes no douto acórdão para a qualificação do contrato estão relativizados pelo enquadramento consensual em que surgiram.

  4. - Não tendo sido devidamente valorizados os elementos factuais que indicam claramente a natureza do contrato como sendo uma prestação de serviços.

  5. - Ponderados todos esses elementos, o contrato dos autos integra-se na disciplina do art.º 1154° do Código Civil, sendo um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho.

  6. - Assim, não lhe é aplicável a disciplina do Dec.-Iei n.º 64-A/89, nomeadamente a dos seus art.ºs 3°, n.º 1, 9°, 10°, 12° e 13°, pelo que podia a recorrente proceder à sua livre denúncia.

  7. - Indiciam os autos que o recorrido sempre encarou o seu vínculo como de prestação de serviços, tanto assim que foi parcialmente remunerado através da sua sociedade C - Cuidados Médicos, Lda, só possível nessa hipótese.

  8. - Pelo que não pode agora ver atendida a sua pretensão, por constituir um manifesto abuso de direito, na modalidade do «venire contra factum proprium», que o art.º 334 do Código Civil não permite.

  9. - A reintegração do recorrido é um mero efeito do trânsito em julgado da decisão final que, nesse sentido, possa vir a ser proferida, ficando as partes automaticamente vinculadas a todos os deveres e direitos emanentes da relação contratual.

  10. - Não há pois lugar à aplicação de qualquer sanção pecuniária para obter um efeito que decorre directamente da Lei.

  11. - Se assim se não entender, deverá a sanção ser reduzida para valores mais consentâneos com a equidade, alvitrando-se quantia não superior a 50.00 euros, com o que se fará Justiça.

O autor contra-alegou sustentando a confirmação do julgado, no que foi acompanhado pelo Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos A matéria de facto dada como provada nas instâncias e que este tribunal tem de acatar, por não ter sido posta em causa no recurso, é a seguinte: 1. O A. foi contratado, em 15.06.93, pelo Grupo de Seguradoras constituído pela Companhia de Seguros D, S.A., "E" Companhia de Seguros, S.A., "F", S.A. e "G", S.A.; 2. Da fusão das Seguradoras referidas em 1., ocorrida em 1995, resultou a F - Companhia de Seguros, S.A., a qual alterou a sua denominação, em 1997, para B - Companhia de Seguros, S.A., ora R.; 3. A R. é uma sociedade comercial que se dedica à Indústria de Seguros; 4. O A. é médico e exerce a sua actividade como médico-cirurgião da especialidade de Ortopedia; 5. A contratação do A. pela R. visou a prestação da actividade clínica do A. no Posto Clínico da R., sito na Av. da República, nº 50-C, em Lisboa, para tratamento de sinistrados por acidentes de que a R. é responsável e ainda a prestação pelo A. da actividade cirúrgica a que adiante se referirá; 6. A R. formalizou a contratação do A., em 15.06.93, através de um escrito denominado de "Contrato de Prestação de Serviço", de que foi junto cópia a fls. 30; 7. Em execução do contrato, cumpria ao A. prestar, nas instalações de que a R. dispunha para o efeito, a actividade de médico-cirurgião da especialidade de Ortopedia para tratamento dos sinistrados da R.; 8. Competia ao A. observar os sinistrados, mandar efectuar os convenientes exames e análises, fazer diagnósticos, prescrever o tratamento adequado, certificar da necessidade e possibilidade de proceder à intervenção cirúrgica, observar periodicamente o sinistrado, verificando se o processo de cura evoluía com normalidade, manter actualizada a ficha do sinistrado nela indicando os tratamentos prescritos, os resultados obtidos e eventualmente as operações realizadas. Para além disso, o A. elaborava relatórios médicos de situações clínicas dos sinistrados e determinava e registava, relativamente a cada sinistrado, o tipo de incapacidade temporária e a prevista incapacidade definitiva; 9. O A. era responsável pelos sinistrados que lhe eram distribuídos pelos competentes Serviços da R., cumprindo-lhe assegurar o acompanhamento de cada sinistrado desde a primeira observação até à alta; 10. No Posto Clínico de Lisboa, o A. e demais médicos ortopedistas da R. trabalhavam nos horários constantes do mapa junto a fls. 160 a 162, cujo teor se dá por devidamente reproduzido para todos os efeitos legais, em termos de cobrir, de segunda-feira a sexta-feira, o período de funcionamento do mesmo Posto, que era das 08H45 às 12H45 e das 13H45 às 16H45, sendo sábado e domingo dias de descanso; 11. Desde 15.06.93 até 19.09.99, o A. estava obrigado a cumprir, no Posto Clínico da R. em Lisboa, 7 horas de trabalho por semana, distribuídas pelo seguinte horário: terça-feira, das 8H45 às 12H45, e quinta-feira, das 13H45 às 16H45; 12. Desde 20.09.99 até 20.07.2000, a prestação do trabalho semanal do A., no dito Posto Clínico, aumentou de 7 horas para 10 horas...

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