Acórdão nº 05S3487 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Janeiro de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução18 de Janeiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 24 de Abril de 2003, no Tribunal do Trabalho de Porto, A intentou acção, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra B, S. A., pedindo que, declarada a nulidade do seu despedimento, seja a ré condenada a pagar-lhe as indemnizações e os créditos salariais que discrimina, acrescidos dos juros legais vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.

Alega, para tanto, que foi admitido ao serviço da ré, em 2 de Janeiro de 2001, para exercer a actividade de médico especialista em ortopedia, mediante o pagamento de retribuição, e sob as ordens, direcção e fiscalização da ré, não obstante o contrato assinado ter sido denominado de prestação de serviços, sendo que, em 16 de Fevereiro de 2002, a ré comunicou-lhe que não necessitava dos seus serviços a partir de 1 de Março de 2002, configurando essa cessação um despedimento ilícito.

A ré contestou, alegando, no que agora releva, que entre as partes foi celebrado um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho, pugnando pela sua absolvição do pedido.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, entendendo que o autor não logrou provar, como lhe competia, a existência do invocado contrato individual de trabalho, julgou a acção improcedente e absolveu a ré dos pedidos formulados.

  1. Inconformado, o autor apelou, tendo a Relação concluído que as relações estabelecidas entre o autor e a ré configuravam a existência de um contrato de trabalho, julgando a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogou a sentença recorrida, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de 18.375 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar de 5 de Maio de 2003 e até integral pagamento, e absolveu a ré dos restantes pedidos formulados.

    É contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, pedindo a revogação do acórdão recorrido ao abrigo das seguintes conclusões: - Os valores subjacentes à actividade médica, relevando dos direitos fundamentais à vida e protecção da saúde, estão na base da configuração sócio-jurídica típica do exercício da medicina como profissão liberal, bem como da sujeição de todos os médicos ao Código Deontológico da Ordem dos Médicos, diploma regulamentar de interesse e ordem pública; - Por força do referido Código Deontológico e dos usos da sua profissão, os médicos estabelecem normalmente entre si práticas de cooperação técnico-científica, designadamente em hospitais e unidades de saúde, constituindo usos consolidados, que todos os médicos devem observar, independentemente do tipo de contrato que cada um deles celebre com a entidade terceira a que se vinculam; - O Tribunal a quo aplicou com um sentido inconstitucional os normativos que definem o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço (artigo 1157.º do Código Civil e artigo 1.º da LCT, esta aplicável ao tempo dos factos), conjugados com o princípio da liberdade contratual, consignado no artigo 405.º do Código Civil, e, ainda, com o direito à capacidade jurídica, previsto no artigo 67.º do mesmo Código; - No caso, está provado que entre o autor e a ré foi celebrado um contrato de prestação de serviço, que as partes, precisamente, denominaram «contrato de prestação de serviços»; - Ora, tal contrato foi celebrado entre pessoas dotadas de capacidade de exercício, no lícito exercício do direito de opção pelo modelo do contrato de prestação de serviço; - Acresce que, nos termos, por exemplo, do artigo 125.º, n.º 1, do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, para o qual, aliás, as partes, expressamente remeteram no clausulado do contrato, o médico goza da liberdade de escolha dos meios de diagnóstico e tratamento, mas o n.º 2 dessa disposição salvaguarda a sujeição do acto médico ao controlo médico hierarquizado no interesse do doente; - Assim se compreenderá, designadamente, a natureza das reuniões entre médicos em que o autor participava, bem como o papel do director clínico nas suas relações com o autor, emergindo directamente de imperativos deontológicos da profissão médica; - O director clínico não se insere na estrutura organizativa da ré, que é uma sociedade comercial anónima, antes exercendo funções de interesse público, incumbindo-lhe garantir a qualidade de todo e qualquer acto médico praticado na unidade de saúde, independentemente de tal prática emergir de um contrato de prestação de serviço ou de um contrato de trabalho; - No referido quadro, as reuniões de médicos em que o autor participava não podem considerar-se reuniões entre profissionais da estrutura organizativa interna da sociedade ré, enquanto tal, sendo a ré alheia a tais reuniões, e relevando estas do normativo de uma profissão sobre a qual a ré não tem qualquer espécie de acção ou de influência; - De modo algum pode, assim, considerar-se que o director clínico fosse um superior hierárquico do autor; - De resto, não ficou provado que o autor recebesse quaisquer ordens ou instruções, nem do director clínico, nem nas reuniões entre médicos; - O facto do director clínico indicar ao autor os doentes é perfeitamente natural, num quadro contratual de prestação de serviço, visto que alguém, na unidade de saúde, haveria de indicar ao autor os doentes que beneficiariam dos seus actos médicos; - Tal como o facto do autor praticar cirurgias com os meios humanos existentes na unidade de saúde da ré é perfeitamente harmonizável com o celebrado contrato de prestação de serviço, sendo que o próprio Código Deontológico da Ordem dos Médicos previne e regula a utilização de meios alheios pelo médico (cf., v. g.

    , o artigo 127.º desse Código); - O facto do autor cumprir a sua prestação dentro de um horário resulta, também, da própria natureza...

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