Acórdão nº 447/2001.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Outubro de 2010

Data26 Outubro 2010
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADAS AMBAS AS REVISTAS Sumário : I - O tribunal deve obediência ao carácter imperativo da norma do art. 661.º, n.º 1, do CPC, que, ao impedir o juiz de condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir, constitui um claro afloramento dos princípios dispositivo e da auto responsabilidade das partes vigentes no nosso ordenamento jurídico, e suas traves mestras (cf., entre outros, os arts. 3.º, n.º 1, 264.º e 664.º do CPC).

II - O reconhecimento do direito de propriedade do autor sobre uma área do prédio reivindicado superior à indicada no pedido formulado viola o limite imperativamente enunciado no art. 661.º, n.º 1, do CPC.

III - Apurando-se em juízo na fase da instrução do processo e, posteriormente, na do julgamento, designadamente através de levantamento topográfico do prédio ajuizado e de elementos probatórios documentais, que as parcelas reivindicadas tinham, não a área que foi peticionada, de 14 600 m2, mas sim a de 17 753,61 m2, cabia ao autor usar da faculdade de ampliação do pedido, nos termos do art. 273.º, n.º 2, do CPC, se quisesse ver o seu direito de propriedade reconhecido sobre esta última área.

IV - Isto porque, em tal caso, a ampliação, autorizada pela norma indicada em III até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, seria o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

V - Estando em causa estabelecer qual o objecto mediato da venda judicial efectuada – mais precisamente, que parcela, que área do prédio reivindicado foi arrematada – não há que proceder à interpretação das declarações negociais, com a consequente necessidade de chamar à colação as regras dos arts. 236.º e segs. do CC, dado que nesse caso a vontade real do Estado – que se apresenta como vendedor, actuando no exercício dum poder de direito público, e não como representante do executado – é conhecida: ela está plasmada (e declarada) no auto de penhora que se efectuou na execução e, bem assim, nos editais e anúncios para publicitação da venda, no auto de arrematação e na sentença de adjudicação.

VI - Sendo a penhora o acto judicial de que derivam os poderes para proceder à venda, já que mediante a sua realização se transferiram para a administração fiscal os poderes de gozo que integravam o direito do executado, nela ficou desde logo expressa, em termos inequívocos, a vontade real do Estado quanto à área e composição da parcela de terreno a vender pela repartição de finanças respectiva.

VII - O apuramento da vontade real dos declarantes em matéria de interpretação dos negócios jurídicos apenas constitui matéria de direito – e sujeita, portanto, ao controle do STJ enquanto tribunal de revista – se e quando, desconhecida essa vontade, se devam seguir os critérios previstos nos arts. 236.º a 238.º do CC; sendo essa vontade conhecida, não há lugar à aplicação daquelas normas substantivas.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Síntese dos termos essenciais da causa e dos recursos

  1. No Tribunal de Torres Novas, em 20/9/01, AA e sua mulher BB propuseram uma acção declarativa contra H... – Sociedade de Leilões, Ldª, com sede em Vilamoura, Quarteira, Loulé, pedindo que: a) Se declare que os autores são legítimos donos das pastagens produzidas na parte rústica da Quinta de Carvalhais, também conhecida por Quinta das Ferrarias, de onze cantoneiras, dois chumbadores e um portão, que fazem parte da Quinta de Carvalhais descrita no artigo 1º da petição, e a posse da ré sobre tais bens insubsistente, ilegal e de má-fé; b) Se declare que os autores são os legítimos donos dos sobreiros, pinheiros e eucaliptos existentes na parte rústica da Quinta de Carvalhais, cujos limites se encontram definidos por cinco marcos indicados pelas letras A, B, C, D e E no doc. nº 1 junto aos autos, Quinta essa descrita no artigo 1º da petição inicial e a posse da ré sobre as árvores indicadas insubsistente, ilegal e de má-fé; c) Se declare que os autores são legítimos donos de um posto de transformação de energia eléctrica e anexo de gerador de rés-do-chão, com a área coberta de 85 m2, assinalados pela letra a); de um armazém e escritórios de rés-do-chão com 13 compartimentos, com a área de 562 m2, assinalados pela letra b); de uma casa de rés-do-chão, com a área coberta de 132 m2, assinalada pela letra c); dum prédio de rés-do-chão com duas habitações para caseiros, com a área total de 115 m2, e anexo, com a área de 22,5 m2, e logradouro, com a área de 82 m2, assinaladas pela letra d); de um palheiro de rés-do-chão com 3 divisões cada, com a área coberta de 200 m2 e assinalado pela letra e) na planta junta como doc. nº 5 na petição inicial, bens estes que fazem parte da Quinta de Carvalhais descrita no artigo 1º da petição inicial, e a posse da ré sobre tais bens insubsistente, ilegal e de má-fé; d) Se ordene o cancelamento de quaisquer registos que porventura tenham sido feitos a favor da ré dos bens indicados nas alíneas a), b) e c); e) Se condene a ré a reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre os bens indicados em a), b) e c) e a restituir-lhos imediatamente e à sua custa, livres e desocupados; f) Se condene a ré a retirar, imediatamente e à sua custa, o cão de guarda e a viatura BT-...-... do local onde se encontram; g) Se condene a ré a pagar aos autores os danos emergentes que se reclamam na presente acção, no valor de 1.610.100$00, e os lucros cessantes que vierem a sofrer após a sua propositura, até à restituição dos bens reivindicados. Em resumo, alegaram que: - São donos e legítimos possuidores da parte rústica de um prédio, que identificam, designado por Quinta de Carvalhais ou Quinta de Ferrarias, a qual adquiriram por venda judicial (arrematação em hasta pública) efectuada em 8/5/85 no âmbito de um processo de execução fiscal movido contra CC, proprietário da Quinta (parte rústica e urbana), tendo procedido ao registo da aquisição na CRP de Torres Novas; - Por si e seus antecessores, desde há mais de 50 anos que os autores vêm possuindo como sua a Quinta de Carvalhais - parte rústica - plantando e cortando sobreiros, pinheiros, eucaliptos e outras árvores, semeando milho, trigo, cevada e colhendo todas as utilidades produzidas no prédio à vista de toda a gente, continuamente, sem oposição de qualquer pessoa e na plena convicção de não ofender os direitos de outrem; - São, assim, donos do prédio descrito no artigo 1º da petição inicial, já por contrato, já por usucapião; - Do prédio que arremataram no âmbito da execução fiscal fazem parte todos os equipamentos agro-pecuários nele implantados, designadamente um posto de transformação de energia eléctrica e anexo de gerador de rés-do-chão, com a área coberta de 85 m2; um armazém e escritórios de rés-do-chão com 13 compartimentos e 3 sanitários e casas de banho com área coberta de 562 m2; uma casa de rés-do-chão com a área coberta de 132 m2 com seis divisões, cozinha e casa do forno; um prédio de rés-do-chão com duas habitações para caseiros, com a área total de 115 m2, anexo com a área de 22,5 m2 e logradouro com área de 82 m2, sendo cada uma delas composta por sala, cozinha, casa de banho, dois quartos; e um palheiro de rés-do-chão com 3 divisões cada, com a área coberta de 200 m2; - No dia 17/5/85 os autores e CC reuniram-se na Quinta de Carvalhais e aí acordaram em colocar cinco marcos a demarcar a parte urbana da Quinta, então pertencente a CC, da sua parte rústica, pertencente aos autores, demarcação nos termos da qual todos os equipamentos referidos ficaram na parte rústica da Quinta, ou seja, na parte arrematada pelos autores; - CC vendeu a parte urbana da Quinta de Carvalhais a DD, que entretanto a vendeu a E... - Intercâmbio Comercial e Industrial, Ldª; e esta, em 1983, vendeu-a à ré; - Todos - CC, DD e E..., Ldª, - sabiam que os equipamentos agro-pecuários pertenciam aos autores; - Em datas indeterminadas da década de 1990, mas após Junho de 1993, a Ré ocupou abusivamente, e contra a vontade dos autores, os equipamentos referidos, causando-lhes prejuízos; - Através de um seu empregado deitou ao chão, arrancou e levou cantoneiras, chumbadores e o ferro de engate de um portão que os autores haviam colocado no limite do seu prédio; tem utilizado as pastagens para apascentar dois cavalos; cortou sobreiros de pequeno porte, não obstante ser proibido o seu corte sem autorização legal; impediu com ameaças que as pessoas a quem os autores venderam a cortiça dos sobreiros a tirassem; vem cortando eucaliptos, cedros e alguns pinheiros, o que tudo tem causado prejuízos aos autores; e em frente das casas pertencentes ao prédio dos autores mantém um cão de guarda e uma viatura.

    A acção foi contestada, por excepção e por impugnação, tendo a ré concluído pela sua total absolvição do pedido.

    Houve réplica.

    Por despacho de fls 152 foi fixado o valor de 49.879,79 € à causa e determinada a sua tramitação sob a forma ordinária.

  2. CC deduziu incidente de oposição espontânea contra os autores e a ré, nos termos dos artºs 342º e seguintes do CPC, pedindo que: a) Se reconheça que o opoente é dono e legítimo proprietário e possuidor do prédio urbano da freguesia de Riachos com artigo matricial 2492º, composto por casa de habitação com 880 m2 (casa de r/c e 1º andar e sótão), sendo o r/c composto por cave, cozinha, copa, sala, escritório, capela e varanda; o 1º andar por 3 quartos, sala, varanda, escritório, salinha e 2 casas de banho; e o sótão por 4 quartos e salinha); cavalariças com área de 200 m2; arrecadações para alfaias com 15 m2; garagem com a área de 170 m2; pavilhão com a área de 495 m2, com 12 divisões; arrecadação do jardim com 9 m2; nitreira com 12 m2; picadeiro com 375 m2; pavilhão para arrecadação e palheiro com 200 m2; pavilhão com 485 m2; pavilhão misto com forno de pão, garagem, primeiro e 3 arrecadações com a área de 175 m2; casas de habitação para caseiros com 250 m2; estábulo cercado com 30 m2; tanque-piscina com 100 m2; cabine de posto de...

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