Acórdão nº 06B1644 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Maio de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução18 de Maio de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I "AA" intentou, no dia 23 de Setembro de 1999, contra Empresa-A, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe 15 600 000$ e o que se liquidasse em execução de sentença relativamente a despesas com intervenções clínicas indispensáveis à sua recuperação, com fundamento em dano patrimonial e não patrimonial derivado das lesões sofridas por via do arremesso por alguém de uma pedra contra o comboio em que seguia e na negligência da ré na segurança daquele meio de transporte.

A ré, em contestação, impugnou alguns dos factos articulados pela autora e concluiu não ser responsável pelo sucedido, designadamente no quadro da responsabilidade civil objectiva.

Foi concedido à autora o apoio judiciário na modalidade dispensa de preparos e do pagamento de custas.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 17 de Maio de 2005, que absolveu a ré do pedido, a autora apelou, e a Relação, por acórdão proferido no dia 26 de Janeiro de 2006, negou provimento ao recurso.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação.

- a recorrida sabia dos apedrejamentos noticiados com frequência pela imprensa e incumbia-lhe providenciar pela segurança dos passageiros; - por virtude da ausência de grades e de vidros reforçados, que segundo a experiência comum impediam o arremesso, eram constantes os apedrejamentos na zona do sinistro; - sofreu danos em consequência do arremesso da pedra por virtude de o comboio estar desprovido de grades e vidros reforçados, - a recorrida não observou o dever geral de cuidado na segurança, e o contrato de transporte obrigava-a a conduzir os passageiros sãos e salvos ao destino; - a recorrida deve ser condenada a indemnizar a recorrente pelos danos sofridos, nos termos dos artigos 483º, nº 1, e 503º, nº 1, do Código Civil, que o acórdão violou; - os artigos 483º e 503º, nº 1, do Código Civil são inconstitucionais por violação dos artigos 9º, alínea b), 27º, nº 1 e 84º da Constituição quando entendidos no sentido de a recorrida não dever indemnizar os passageiros em comboio atingidos por objectos arremessados apesar de ter omitido a colocação de elementos de segurança de molde a evitar o arremesso.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. No dia 18 de Outubro de 1998, adquirido o respectivo título de transporte, a autora e a sua família embarcaram no comboio nº 18 615, cujas janelas não tinham vidros reforçados nem grades, na Estação do Rossio, Lisboa, com destino ao Cacém.

  1. Entre as estações da Damaia e da Amadora, a autora foi atingida na cabeça por uma pedra que entrou pela janela do lado esquerdo do comboio, sentido Lisboa-Sintra, que se encontrava aberta do lado oposto, arremessada ou projectada do exterior da composição onde ela era transportada.

  2. Do facto mencionado sob 2 resultaram para a autora lesões e imediato traumatismo craniano, com três cortes visíveis, um na parte frontal da cabeça e dois no nariz, provocando-lhe jorro de sangue e o alarme entre os passageiros do comboio.

  3. Foi transportada ao serviço de urgência do Hospital de São Francisco Xavier, Lisboa, onde ficou internada entre 18 e 21 de Outubro de 1998, tendo-lhe resultado das referidas lesões total incapacidade para o trabalho até 17 de Novembro de 1998 e de 50% até 8 de Dezembro de 1998.

  4. Foi observada por psiquiatra e medicada com anti-depressivos, e, no que respeita às tarefas comuns e indiferenciadas da vida corrente, ficou com incapacidade permanente de 15%, e com uma cicatriz na região frontal, à direita da linha média, com um centímetro, e duas cicatrizes na vertente esquerda da pirâmide, terço próximo, uma com 1,2 centímetros e a outra com um centímetro, respectivamente.

  5. As lesões da autora têm causado enorme perturbação e dor e padece de síndroma pós-traumático, caracterizado por sintomatologia ansiosa e a sua família tem vivido momentos de grande angústia e abalo físico.

  6. Durante três meses teve a autora uma pessoa para tratar da casa, fez despesas com a assistência que lhe foi prestada e despendeu cerca de 120 000$ com medicamentos, taxas moderadoras, transporte de táxi, produtos naturais e medicamentos diversos.

  7. Foi instaurado procedimento criminal, tendo decorrido mais de oito meses sem que as investigações tenham tido sucesso na averiguação do causador do arremesso ou projecção da pedra, e, até à data, a autora nada recebeu da ré, apesar das reclamações apresentadas.

    III A questão essencial decidenda é a de saber se a recorrente tem ou não direito a ser indemnizada pela recorrida no montante de € 77 812,47 e no que vier a liquidar-se relativamente a intervenções clínicas subsequentes necessárias.

    Tendo em linha de conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação formuladas pela recorrente, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - síntese do quadro de facto essencialmente relevante declarado assente no acórdão recorrido; - pode ou não este Tribunal sindicar a decisão da Relação quanto à matéria de facto a considerar? - síntese do regime legal da responsabilidade civil, por factos ilícitos, pelo risco e por incumprimento contratual; - regime legal específico do transporte ferroviário; - está ou não a recorrida sujeita à obrigação de indemnizar a recorrente no referido quadro legal? - a interpretação das normas atinentes no caso em termos de não procedência da pretensão da recorrente está ou não afectada de inconstitucionalidade? - síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei. Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

  8. Comecemos pela síntese do quadro de facto essencialmente relevante no recurso.

    Os factos declarados assentes no acórdão recorrido que relevam essencialmente no recurso são os que...

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