Acórdão nº 071877 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Junho de 1989 (caso None)

Magistrado ResponsávelBROCHADO BRANDÃO
Data da Resolução15 de Junho de 1989
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

I - O Acordão deste Tribunal de 15 de Novembro de 1983 - agora recorrido - decidiu subsistir a autogestão dos trabalhadores da sociedade CAFER, Lda, organizados na cooperativa REFAC e, desse modo, vigorar o artigo 36 da Lei n. 68/78, de 16 de Outubro, e a suspensão dos direitos de terceiros credores - como o autor Banco Pinto & Sottomayor -, atraves da ininvocabilidade de avales a CAFER. Assim, absolveu do pedido os avalistas. Tratava-se do accionamento de livranças emitidas em 1971 pela sociedade, descontadas bancariamente e avalizadas por A, B e C, agora reus. O anterior Acordão de 25 de Janeiro de 1983 - o fundamento - considerou finda a autogestão e desaplicou o artigo 36. Cessaria a suspensão e ininvocação de garantias e condenou os reus no pedido. Em ambos houve identidade fisica de autor e reus. Mas acolheu-se diferentemente o mesmo facto do abandono em meados de 1977 do estabelecimento da CAFER pela REFAC, sem deixar patrimonio algum (resposta ao quesito 7). Ante a discrepancia, o autor pediu uniformização no sentido do acordão-fundamento, considerando violados os artigos 1, 11, 14, 36, 39, 41, 43 e 48 da Lei n. 68/78, revogando-se a decisão e condenando-se os reus. Houve contra-alegação: o Ministerio Publico e favoravel ao acordão recorrido. II - O acordão intercalar decidiu haver oposição na mesma questão fundamental de direito. E, não obstante uma particularidade de menor relevo, assim e, no essencial, como ressalta do paragrafo anterior. Na verdade, a contraposição e clara e conflui na aplicação do citado artigo 36, ou seja, naquilo a que chamamos a suspensão das garantias dos credores (no caso, o banco). A particularidade, entretanto, consiste em que no primeiro se trata de avales, e no segundo, de fiança, em sentido tecnico. Para quem entenda, e não e o nosso caso (retomaremos este ponto adiante), que aval e fiança não se diferenciam na pratica (conferir artigo 32, paragrafo 1, da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, doravante indicada por LU), nenhumas duvidas se põem ja que o acordão fundamento se debruçara, justamente, num termo de fiança. E a "particularidade" seria irrelevante. Mas, ainda entendendo-se o aval como garantia diferenciada, continua a não haver modificação sensivel. E que, como veremos, a dilucidação do problema esgota-se essencialmente na analise da Lei n. 68/78. E, mesmo extravasando para institutos como a posse, a propriedade e o usufruto, continua a ser indiferente tratar-se de fiança ou aval. A unica coisa que sucede e que da adesão a tese do aval, como obrigação cambiaria autonoma, resultam argumentos de reforço de uma das teses em presença. Mas que supõe a dilucidação de outras questões alheias a dicotomia aval-fiança. Diremos, concluindo este ponto, ser a mesma a questão fundamental na sua essencia. O que e suficiente. Revestindo-se a "particularidade" ou diversidade de simples caracter adjuvante. III - Por "uma evolução de facto não regularizada" onde os trabalhadores assumiram o controlo de empresas ou estabelecimentos comerciais entre 25 de Abril de 1974 e Outubro de 1978 nasce a situação autogestionaria (Lei n. 68/78, artigo 1, n. 1). Essa a linha historica do novo instituto. Assim, para a Lei n. 68/78, basicamente, autogestão e o assumir de um governo empresarial pelos trabalhadores (artigo 1, n. 3). E isso atraves de uma evolução de facto, mesmo não credenciada governamentalmente [em teoria, e confirmavel (artigo 3)] e revestindo qualquer forma. Particularizando, a lei caracteriza-a, agora numa perspectiva mais tecnicista, como a situação de governo onde se dissociam ou fragmentam, de um lado, "a posse util e a gestão" no colectivo de trabalhadores e, de outro, a "nua-titularidade" no proprietario, e ate nova ordem (artigos 3 e 10, n. 3, entre outros). Ou seja, os trabalhadores adquirem por uma evolução de facto, sublinhe-se, a "detenção e fruição de todos os bens", de todos os bens", como outra posse qualquer (artigos 11 e 12), ressalvados alguns efeitos, como, por exemplo, a usucapião (artigo 12, n. 2), ressalva na linha da dissociação e independencia posse-propriedade. Identicamente, alias, quanto a gestão (artigos 14 e 24). A incipiente situação autogestionaria, entretanto, tende a regularizar-se, mantendo-se, ou, como todas as coisas, a findar. A primeira modalidade e prevista no artigo 1, sob a formula "não regularizada nos termos gerais de direito", confirmada no artigo 10, n. 1, "ate a regularização definitiva", e e coroada no artigo 38, cujo capitulo e epigrafado, justamente, de "Regularização definitiva da autogestão". E são tres as modalidades ai consideradas: a) Definição (solução) quanto ao proprietario; b) Aquisição pelo Estado da "nua-titularidade"; c) Aquisição da mesma nua-titularidade da empresa ou do estabelecimento pelos trabalhadores. Não obstante a aparente taxatividade da enumeração - "dara lugar a uma das seguintes situações" (as tres referidas) -, a verdade e que ela não abrange todas as possiveis. E, desde logo, isso sucede quando o Estado, expropriando [artigo 43, alinea a)], o faça não so quanto a "nua-titularidade" [hipotese supra, alinea b), a que chamaremos "expropriação parcial" (artigo 45, n. 1), mas proceda a "expropriação total" "da empresa ou estabelecimento nos termos gerais de direito", assim pondo fim a autogestão (artigo 44, n. 1). O que significa, como se disse alem da regularização autogestionaria, tambem o seu fim [outro exemplo da segunda modalidade e a definição positiva do proprietario afectado, com a reaquisição do direito, por acordo ou acção judicial (artigo 39, n. 3)]. Logo, e e a primeira conclusão, a autogestão provisoria tanto desemboca na definitiva como na sua morte juridica. E essa morte sucede nos casos apontados, como porventura noutras situações. Outra conclusão - a segunda - e que a autogestão nasce de uma evolução de facto, em principio desaparecendo com uma evolução de sinal contrario. IV - E neste contexto de vida e morte da autogestão que surgem as disposições dos artigos 34 e seguintes, quanto aos direitos de terceiros. Em principio, ela, a autogestão, não prejudica os terceiros credores. Salvo, diz a lei, as particularidades seguintes (artigo 34), designadamente a suspensão de alguns dos seus direitos, como no artigo 36 em causa. Preve-se ai, nesse capitulo IV, que, se o dono inicial tiver um patrimonio distinto, separar-se-ão as dividas da empresa e as de outra origem, entre as quais as pessoas daquele dono (artigo 35, n. 1). Esta separação ou autonomização de patrimonios corresponde a nova realidade existente - propriedade, de um lado, e posse util gestionaria, de outro - e tem a ver com a equidade de beneficiar quem suporta os encargos; e, por outro lado, quem foi privado dos beneficios não e justo suportar os segundos. Isto no tocante ao proprietario originario. Dai, em suma, os credores da empresa so deverem pagar-se pelos bens desta, não confundiveis com os do proprietario (artigo 35, ns. 2 e 3). E dai ainda, e agora trata-se de um claro beneficio a autogestão e aos deveres "garantes" assim em moratoria, que os credores vejam suspensos ou comprimidos os seus direitos relativamente a outros devedores que não a empresa (artigo 36). Por isso, os dizeres suspensivos enquanto durar a autogestão. Pois que, finda ela, da-se a expansão normal do direito dos credores, como resulta, alias, dos principios gerais e do citado artigo 34. A excepção do artigo 36, enfim, vigora so enquanto houver a situação juridica pressuposta. Excluimos, deste modo e desde ja, o entendimento de "duramente a autogestão" significar "enquanto o proprietario estiver privado da posse e gestão" ou "dos bens que a integravam", como sugere Vasco Xavier (conferir Revista de Legislação e de Jurisprudencia, n. 117, pagina 251 e nota 25). Entendimento esse onde se implicita a ideia de regresso da propriedade originaria, o que ja vimos não ser verdade necessariamente. Pelo contrario, ha na locução "durante a autogestão" um claro sentido literal e de conteudo juridico, ja visto, de vigencia autogestionaria. Ou seja, a provisoria, a regularizada, mas não ja a finda. Excepciona-se, em todo o caso, a "adaptação" do artigo 49, segundo o qual...

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