Acórdão nº 086426 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Março de 1995 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMIRANDA GUSMÃO
Data da Resolução23 de Março de 1995
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Carrazeda de Ansiães intentou acção de condenação com processo ordinário contra Banco Fonseca & Burnay Sociedade Anónima, pedindo seja este condenado na entrega das garantias bancárias no montante de 1509930 escudos, acrescida de juros indemnizatórios vencidos no montante de 536397 escudos e 50 centavos e dos vincendos até integral pagamento. Alega para tanto, e em resumo: - ter o Réu assumido, através de garantia bancária, o depósito em dinheiro a que a firma Correia & Correia Limitada estava obrigada por virtude do contrato de empreitada, para a construção do Quartel dos Bombeiros Voluntários, celebrado entre a Autora e esta firma. - Por a Correia & Correia Limitada ter abandonado "sem justificação as obras, a Autora comunicou-lhe a rescisão do contrato por incumprimento e pediu ao Réu a entrega imediata do montante que assumiu, para concessão das obras e satisfação dos compromissos assumidos, o que o Réu recusou. - Citado, o Réu requereu o chamamento à autoria da Correia & Correia Limitada, de A e mulher B, e de C e mulher D, com o fundamento no direito de regresso que alega ter com os mesmos, direito titulado por livranças subscritas pela primeira e avalizadas pelos restantes. - A Autora notificada nada disse, e os chamados, citados, não aceitaram a autoria, requerendo a sua intervenção como assistentes. - Foi admitido o incidente de assistência. - Na contestação o Réu impugnou os factos alegados pela Autora, concluindo pela improcedência da acção. - Considerando constarem dos autos todos os elementos para uma decisão conscienciosa, foi proferido despacho saneador sentença que julgou a acção procedente e provada em parte. 2. O Réu apelou. A Relação do Porto, por acórdão de 30 de Maio de 1994, julgou improcedente a apelação, confirmando o saneador sentença recorrido. 3. O Réu pede revista, ou julgando improcedente por não provada a presente acção, ou, caso assim não venha a ser entendido, ordenado o prosseguimento dos autos com vista à elaboração de especificação e questionário. Formula, para tal, as seguintes conclusões: 1) Como, em primeira instância, reconheceu expressamente o Digno Magistrado "a quo", questão fulcral a apurar no âmbito dos presentes autos é a de saber se houve ou não incumprimento das obrigações da sociedade Correia & Correia Limitada, susceptível de conferir legitimidade à reclamação do montante da garantia que, junto da Autora, foi prestada pelo Banco Réu, aqui recorrente. 2) Decorre dos autos que o Banco recorrente, na sua contestação, pôs claramente em causa a situação creditícia invocada pela recorrida como fundamento para a reclamação da sobredita garantia - bem como a existência de efectivo incumprimento das suas obrigações, por parte de Correia & Correia Limitada. 3) Nessa medida, sendo matéria controvertida nos autos a verificação de tal incumprimento, bem como que a referida sociedade tenha aceite a rescisão contratual invocada pela Autora sem qualquer reacção juridicamente relevante - ou mesmo que aquela se tenha operado válida e eficazmente. 4) É patente que os autos não continham, aquando da prolacção do douto saneador-sentença confirmado pelo douto acórdão sob recurso, todos os elementos para uma decisão conscienciosa, no sentido que veio a ser adoptado - pelo que sempre haveriam de prosseguir, com elaboração de especificação e questionário. 5) Com efeito, seja qual for o entendimento que se adopte sobre a natureza jurídica da garantia, tal apenas relevará uma vez apurada a efectiva legitimidade da Autora para a reclamação do seu montante junto do Banco Réu, condição "sine qua non" para a sua exigibilidade. 6) Precipitadas foram, pois, as doutas decisões das instâncias ao decidir, na fase processual em que se encontravam os autos, com base na caracterização da garantia como garantia bancária autónoma, ou à primeira solicitação, mesmo à luz daquele entendimento sobre a natureza da garantia. 7) Já que só se compreenderia decisão de mérito no saneador numa perspectiva de anuência ao sustentado pelo Banco Réu, no sentido de estarmos em presença de uma fiança bancária "tout court", sujeita ao regime jurídico tipificado nos artigos 627 e seguintes do Código Civil e, como tal, imbuída da subsidariedade e acessoriedade que lhe são características. 8) O que levaria, então sim, uma vez que não se não mostre sequer afastado, no caso de garantia dos autos, o benefício da excussão prévia, a decisão de mérito conclusiva da inexigibilidade do pedido formulado pela recorrida nestes autos. 9) A douta decisão recorrenda, alicerçada apenas na liberalidade das expressões "garantia" e "garantia bancária", decidiu com base no acessório, olvidando o essencial - nomeadamente a expressa delimitação e enquadramento do objecto da garantia efectuado no texto de folha 14 dos autos: "... se a referida firma faltou ao cumprimento das suas obrigações ...". 10) Mesmo concedendo, por mera conveniência de raciocínio, que estaríamos em presença de garantia bancária autónoma, jamais deveria a presente acção ter sido julgada procedente. 11) A Autora não caracterizou o incumprimento em que terá incorrido a sociedade garantida senão alegou factos pelos quais aquele se tenha materializado, nem quantificou pecuniariamente a gravidade desse incumprimento - sendo certo que a própria garantia ajuizada prevê a possibilidade da sua reclamação parcial. 12) Não possibilitando, assim, ao Banco garante, em Juízo ou fora dele, a aferição, ainda que indiciária, da razoabilidade e razão de ser da reclamação efectuada - que assim haverá de ter-se por inidónea. 13) Tal omissão é de patente relevância, pois o Banco garante, mediante pagamento precipitado e injustificado da garantia, comprometeria, decerto, a sua legitimidade para o exercício do seu direito de regresso sobre a garantia, na medida dos montantes por si satisfeitos no âmbito da garantia. 14) Assim como a omissão compromete a possibilidade de aferição pelo Banco garante, à luz de dados objectivos, de eventual carácter abusivo da sua reclamação - em ordem à sua integração no âmbito do dolo, da má fé ou abuso de direito, excepções que tutelam o princípio da autonomia privada consagrada no artigo 405 do nosso Código Civil. 15) Aliás, a própria doutrina atribui ao Banco garante, em caso de recurso abusivo, ou de má-fé, ao accionamento da garantia, "não só o poder, mas o dever de recusar o pagamento...". 16) Por outra via, para a análise da questão dos autos traz valioso contributo a reflexão que, sobre a (in)admissibilidade dos negócios abstractos na nossa ordem jurídica, tem sido feita pela melhor doutrina. 17) Consubstanciando a figura da garantia bancária autónoma um contrato obrigatório unilateral - temos como adquirida a subsunção da figura ao regime jurídico do artigo 458 do Código Civil, com base no qual se vem inferindo a proibição, entre nós, dos negócios abstractos. 18) Ora, no entendimento unânime de todos os insignes Mestre citados acima, todas as obrigações enquadráveis no regime do referido preceito hão-de considerar-se negócios causais. 19) Como...

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