Acórdão nº 087236 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 1996 (caso NULL)

Data30 Abril 1996
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I 1. A, B, C e D, interpuseram recurso para o Tribunal Pleno do acórdão de 20 de Outubro de 1994, proferido no recurso de revista n. 84929, em que são recorrentes Aliança Seguradora, S.A., recorridos os mesmos, invocando oposição com o acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Outubro de 1988, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n. 380, páginas 469 e seguintes. - Reconhecida a existência da alegada oposição, o recurso prosseguiu. - Nas suas alegações os recorrentes pedem que se revogue o acórdão recorrido e se lavre assento no sentido de competir ao proprietário de qualquer veículo de circulação terrestre alegar e provar os factos constitutivos da transmissão, em forma legalmente válida, do poder real ou de facto, inerente ao direito de propriedade sobre o veículo para outrém, assim como lhe compete alegar e provar que esse poder lhe foi subtraído ilícita ou ilegitimamente. 2. Contra-alegando, a recorrida pugna pela manutenção do acórdão recorrido, propondo assento confirmativo do acórdão sob recusa. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto acompanha a posição da recorrida propondo assento com a seguinte redacção: "A responsabilidade por culpa presumida, consagrada na primeira parte do n. 3 do artigo 503 do Código Civil, pressupõe a alegação e a prova de factos que tipifiquem uma relação de comissão, nos termos do artigo 500 n. 1, do mesmo diploma legal". 3. Corridos os vistos, cumpre decidir, uma vez que nada temos a dizer contra a decisão da secção quanto à existência de oposição entre os acórdãos recorrido e fundamento. II A questão fundamental de direito a que respeita o presente conflito de jurisprudência consiste em saber quando é que o dono do veículo é responsável, solidariamente, pelos danos causados pelo respectivo condutor. 1. O acórdão fundamento decidiu que, no domínio da responsabilidade civil decorrente de acidente de circulação terrestre, o dono do veículo que não tenha feito a prova de não ter a sua direcção efectiva nem daquele circular no seu próprio interesse, é responsável, solidariamente, pelos danos causados pelo respectivo condutor que, por sua vez, não tenha ilidido a presunção de culpa constante do n. 3 do artigo 503 do Código Civil. - Sancionou a doutrina da existência de culpa presumida e obrigação de indemnização dos danos causados, solidariamente, com o dono do veículo (através de duas presunções sucessivas: a da direcção efectiva e interessada do proprietário e a da condução por sua conta do veículo) com base num duplo argumento: - incumbir ao dono do veículo o ónus de provar não ter a direcção efectiva nem o veículo circular no seu interesse. - não ser realista obrigar o lesado, que nada sabe de quanto fica para trás do acidente, a provar que o condutor que acaba de o atropelar não era ou era comissário do dono do carro. 2. O acórdão recorrido decidiu que, nas sobreditas circunstâncias, o dono do veículo só é responsável pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo derivados da presunção da sua direcção efectiva e interessada, conforme o disposto no artigo 503 n. 1, do Código Civil, uma vez que a existência de culpa presumida (e a consequente responsabilidade solidária) consagrada no n. 3 do artigo 503 pressupõe a demonstração de que o condutor do veículo o conduz por "conta de outrém" ou seja, a constatação de uma relação de comissão, nos termos do artigo 500 n. 1, do mesmo diploma legal. - Sancionou a doutrina de que para que funcione a culpa presumida do artigo 503 n. 3 do Código Civil não basta a prova de que o veículo é conduzido por pessoa diferente do seu proprietário, com base no argumento de a culpa presumida do condutor do veículo depender da alegação e da prova de uma relação de comissão entre o proprietário, como detentor do veículo, e o respectivo condutor. III 1. Cremos que a solução adequada do diferendo em causa está na aceitação da doutrina acolhida do acórdão recorrido. - A doutrina do acórdão fundamento só seria de acolher se correctas fossem as seguintes duas afirmações: 1- nas normas que integram o artigo 500 do Código Civil não cabe a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação. 2- as expressões de "direcção efectiva" e "próprio interesse", usadas no artigo 503 n. 1 permitem interpretar o conceito de comissário, contido no artigo 503, no sentido de ser todo aquele que conduz o veículo com o consentimento daquele que tem a sua direcção efectiva e materialmente interessada. Tais afirmações não são, porém, correctas. Por um lado, o artigo 500 do Código Civil, integrado na subsecção da "Responsabilidade pelo risco", abrange casos de responsabilidade civil emergentes de acidentes de viação, conforme a doutrina (Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 6 edição, página 631; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4. edição, 403) e Jurisprudência deste Supremo Tribunal (acórdão de 20 de Junho de 1990 - B.M.J. n. 398, 488). Por outro lado, é nos trabalhos de Vaz Serra para o Código Civil de 66 que reside a fonte imediata dos vários preceitos contidos no artigo 503 deste diploma. No que concretamente se refere à responsabilidade pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, escreve Vaz Serra: "Desde que a responsabilidade objectiva se funda na criação do risco, e este é criado por quem tem a efectiva direcção do veículo e o utiliza no seu próprio interesse". "Essa responsabilidade não tem, portanto, que recair necessariamente sobre o proprietário. "Uma vez que o que importa é a efectiva direcção da coisa e a utilização no próprio interesse, podem ser guardas o usufrutuário, o locatário, o possuidor em nome próprio, o adquirente com reserva de propriedade (salvo não lhe pertencendo o poder de utilização do veículo)" - Fundamento da Responsabilidade Civil - Boletim Ministério da Justiça n. 90, páginas 74 e 75". No que concretamente se refere à responsabilidade especial do Comissário, escreve Vaz Serra: "As pessoas a quem, nos termos expostos, incumbe a responsabilidade pelo risco, podem não ser aquelas que conduzem o veículo causador do dano. Estes simples condutores, que o fazem no exercício de funções a eles confiadas pelo proprietário, etc., do veículo, não têm que responder objectivamente, como já se observou, o condutor limita-se a exercer as funções que o proprietário, etc., lhe cometeu; mas para proveito do comitente. Portanto, não pode caber-lhe uma responsabilidade objectiva. "Mas responde pelos danos culposos que causa; e, com ele, o comitente, nos termos gerais sobre responsabilidade do comitente pelos actos dos seus comitidos (hoje artigo 2380 do Código Civil). "Sobre a culpa do condutor deve presumir-se, ver supra" (Estudo citado, no B.M.J. n. 90, páginas 86 e 87). 2. E foi precisamente no seguimento destas linhas de orientação que Vaz Serra redigiu os ns. 1 e 3 do artigo 1 no primitivo articulado do anteprojecto parcelar sobre a responsabilidade civil em matéria de acidentes de viação (vide Estudo citado, B.M.J. ano 90, páginas 306 e 307). E são nestes trechos de anteprojecto de Vaz Serra que se situa a fonte imediata quer do n. 1 do artigo 503 (responsabilidade pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo) quer do n. 3 do artigo 503 (responsabilidade do comissário (condutor) em matéria de danos provenientes de acidentes de viação), conforme vem sendo reconhecido por Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 121, página 49. 3. O artigo 503 n. 1 atribui responsabilidade pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo a quem for detentor da direcção efectiva do mesmo e o utilizar no seu próprio interesse, sendo certo que tais elementos presumem-se na utilização do veículo pelo proprietário, porque os mesmos cabem perfeitamente dentro do conteúdo do direito de propriedade, que é dado pelo artigo 1305 do Código Civil. Tais elementos (os da direcção efectiva do veículo e os da utilização no seu próprio interesse - interesse que existe, ainda que por intermédio de comissário, conforme sublinha a norma em causa) apresentam-se como balizadores do campo de aplicação do artigo 503 n. 1. Não servem senão para a delimitação da responsabilidade pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo. Por outras palavras, não servem para definir o campo de aplicação do artigo 503 n. 3, 1. parte. 4. O n. 3, 1. parte, do artigo 503...

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