Acórdão nº 98A517 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Julho de 1998

Magistrado ResponsávelFERREIRA RAMOS
Data da Resolução09 de Julho de 1998
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça. I A (e mulher) e B intentaram no Tribunal Cível do Porto, em 6 de Junho de 1991, acção com processo sumário (que passou a ordinário em virtude da reconvenção) contra: C e outros. Pedindo: a) Se reconheça aos autores o direito de haverem para si, através do exercício do direito de preferência, o prédio que identificam no artigo 6 da petição, considerando-se os autores substituídos, como compradores, às pessoas dos 9s. réus, na escritura de compra e venda realizada em 26 de Abril de 1990, em que outorgaram como vendedores os 8 primeiros réus e como compradores os indicados em 9. lugar. b) Se declare ter existido simulação do preço nessa escritura, declarando-se que o preço real foi de 600000 escudos, e reconhecendo-se aos autores o direito de preferência por esse preço. c) Que, a não se entender assim, seja reconhecido aos autores o direito de preferência pelo preço de 1575000 escudos, declarado nessa escritura. d) Se ordene, em qualquer caso, o cancelamento de qualquer registo porventura feito pelos 9s. réus, com base na mencionada escritura. e) A condenação dos 1. a 8. réus (vendedores) a pagarem à 2. autora a indemnização que vier a liquidar-se em execução de sentença, pelos prejuízos causados pelo incumprimento da proposta negocial contida na carta de 12 de Novembro de de 1989. f) Se declare, no caso de não ser reconhecido aos autores o direito de preferência, que os mesmos são titulares de um direito de servidão de passagem de carro e tractor, através do referido prédio identificado no artigo 6 da petição, em benefício da parte a bravio do prédio rústico denominado "Sobreiro de Cima", identificado no artigo 1, para acesso a este pelo caminho que descrevem e identificam, condenando-se os 9s. réus a reconhecerem e a respeitarem esse direito. 1. Todos os réus contestaram, por impugnação e excepção; os 9s. réus (compradores) deduziram ainda pedido reconvencional. Após normal processado, foi proferida sentença, a 27 de Março de 1996, que julgou: - a acção improcedente, quanto ao pedido de reconhecimento do direito de preferência, por caducidade do direito; - procedente, no respeitante ao reconhecimento do direito de servidão de passagem, com a consequente condenação dos 9s. réus nos termos deste pedido; - prejudicado o pedido reconvencional, face ao não reconhecimento do direito de preferência. 2. Inconformados, os autores e os 9s. réus interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, que por acórdão de 16 de Junho de 1997: - declarou nula a decisão recorrida, na parte em que não conheceu do pedido de indemnização formulado na transcrita alínea e), e, conhecendo do objecto da apelação nos termos do artigo 715 do CPC, julgou improcedente tal pedido, dele absolvendo os réus; - confirmou, no mais, a sentença recorrida. É deste acórdão que os recorrentes - autores e 9s. réus - trazem a presente revista. 3. Ofereceram os autores alegações, em que concluíram: "I) - Sendo os Autores, ora apelantes, proprietários de um prédio rústico, afecto a cultivo e bravio, com a área de cerca de 9000 m2 gozam do direito de preferência na venda de um prédio rústico contíguo, de lavradio e parte afecta a cultura de mato, pinheiros e eucaliptos, a quem não era proprietário confinante, nos termos do artigo 1380 n. 1 do Código Civil, como aliás não vem posto em causa; II) - Quer o preço, quer o prazo para o seu pagamento sobretudo se for curto e de montante elevado - são condições essenciais do negócio, dado o seu relevo para a decisão de exercer ou não o direito, e deles deve ser dado conhecimento preciso e rigoroso ao preferente, para que este possa decidir-se; III) - Não existe identidade entre um projecto de venda em que se refere como preço o montante de 1500000 escudos, com um pagamento inicial de um sinal de 500000 escudos e o restante no acto da escritura, a realizar no prazo máximo de dois meses, e a venda realizada e constante da escritura em que o preço é de 1575000 escudos e é realizada (e o preço, pelo menos na parte excedente ao sinal, pago) cerca de 5 meses depois; IV) - Não tendo sido oferecida a preferência relativamente à venda com as cláusulas constantes da escritura - preço de 1575000 escudos e pagamento de 5 meses depois de anunciada a venda - só a partir do conhecimento da venda com essas cláusulas se iniciou o prazo para o exercício do direito de preferência; V) - O facto de os Autores não terem respondido no prazo de 8 dias à carta em que lhes era oferecida a preferência por um preço e condições de pagamento diferentes daquelas que vieram a ser as que foram observados na escritura é assim irrelevante, e não pode ter levado à caducidade do direito de preferência dos Autores, nos termos do artigo 416 n. 2 do Código Civil, que pressupõe a fiel comunicação das cláusulas do contrato, sendo que, no caso, não só o preço como o prazo de pagamento eram essenciais para os preferentes tomarem a decisão de exercer o seu direito; VI) - Assim, não se tendo provado que os Autores tivessem tomado conhecimento daquelas cláusulas em momento diferente daquele em que obtiveram a fotocópia da escritura de compra e venda, e tendo a acção sido instaurada no prazo de 6 meses a contar dessa obtenção, é manifesto que lhes assiste o direito de preferência, por o terem exercido dentro do prazo previsto no artigo 1410 n. 1 do Código Civil e terem depositado o preço devido no prazo aí indicado; VII) - Tendo os 1. a 8. Réus, vendedores, escrito à 2. Autora e recorrente B, oferecendo-lhe a preferência na venda do citado prédio pelo preço de 600000 escudos, e tendo aquela Autora aceitado essa proposta, por carta que lhes dirigiu dentro do prazo de 8 dias, fixado na proposta, esta tornou-se irrevogável depois de recebida pela destinatária, durante o prazo fixado para a aceitação, nos termos dos artigos 230 n. 1 e 229 n. 1 alínea a) (tratar-se-á aqui de um lapso) do Código Civil; VIII) - Assim, não a tendo os proponentes cumprido, e tendo mesmo tornado impossível a prestação a que se obrigaram, por terem vendido o prédio a outrem, constituíram-se na obrigação de indemnizar pelos prejuízos causados à destinatária, nos termos dos artigos 798 e 801 n. 1 do Código Civil; IX) - Tais prejuízos resultam necessariamente do facto de a preferente, pela procedência do pedido de preferência, vir a ter que desembolsar 1575 contos pela aquisição do prédio em lugar dos 600 contos constantes da proposta que lhe foi feita e aceitou, ou, no caso de improcedência daquele pedido, ficar privada do prédio que tinha o direito de adquirir por 600 contos; X) - Tais prejuízos consistem, naturalmente, na diferença entre a situação em que estaria se aquela obrigação fosse cumprida (integrando no seu património o prédio contra o pagamento de 600 contos) e aquela em que se encontra tendo que desembolsar pelo prédio 1575 contos no caso de procedência do pedido de preferência, ou ficando privada do prédio no caso de improcedência daquele pedido); XI) - Assim, e ao contrário do entendido pelo douto acórdão recorrido, é manifesto que se encontra provada a sua existência e nexo de causalidade com o facto dos referidos Réus, apenas não sendo possível afirmar, neste momento, o seu quantitativo, porque dependente de factos que neste momento se ignoram (procedência ou improcedência do pedido de preferência); XII) - Consequentemente, deverá o seu quantitativo ser liquidado em execução de sentença, como o permite o artigo 564 n. 2 do Código Civil; XIII) - Deste modo deve, na procedência do recurso, e revogando o douto acórdão recorrido, ser atribuído aos Autores o direito de preferência invocado, dado não ter caducado, e condenados os 1. a 8. Réus a pagar à 1. Autora a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença". Os autores também apresentaram contra-alegações. 4. Por seu turno, os réus - que não deixaram igualmente de oferecer contra-alegações - remataram as alegações com as seguintes conclusões: "a) Nos presentes autos (que retratam uma "acção de preferência") os Autores - 1. Recorrente também cumulam uma (como que...) "acção de constituição de servidão" (onde eles pedem que sejam declarados "titulares de um direito de servidão de passagem..." - Cf.-. alínea f), do seu pedido), acção esta com uma causa de pedir totalmente diferente, de natureza diversa, de que, assim, resultam pedidos incompatíveis entre si, o que a Lei adjectiva não permite - artigo 470 do C.P.C.; b) O prédio vizinho, dos Autores - 1s. Recorrentes, não é um prédio encravado, tendo frente para a via pública confinante, como resulta expressamente do teor das respostas aos Quesitos 20 e 21 - Cf.: artigo 1550 n. 1 do C.C.; c) Não pode declarar-se o reconhecimento de uma servidão de passagem a favor de um prédio não encravado, como é o caso do prédio dos Autores - 1s. Recorrentes, dado que, para tal "declaração", primeiro tem sempre de se verificar a existência de um prédio encravado e só depois é que se pode reconhecer a existência de uma servidão, ainda que constituída por usucapião; ou seja, aquela primeira condição (existência, ou não, de um prédio encravado) prevalece e releva quanto à segunda (a forma ou o modo como a servidão é - ou foi... - constituída - se por contrato, testamento, usucapião, destinação do pai de família, sentença judicial ou decisão administrativa). d) Não pode haver servidão sem um prédio encravado... Do mesmo modo que, decorrentemente, também não pode declarar-se o reconhecimento de uma servidão de passagem (seja ela constituída por que modo for...) sem igualmente haver, como é por demais óbvio e líquido, um mesmo prédio encravado - o contrário seria um verdadeiro absurdo e/ou contra-senso, que a Lei não concede. Cf.: Artigos 1547 e 1550 n. 1, ambos do Código Civil. e) Também não pode decretar-se o reconhecimento de uma servidão de passagem sem se declarar e descrever convenientemente o modus da sua existência, o seu conteúdo, a maneira do seu exercício e a sua extensão - o que não vem expressa e...

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