Acórdão nº 98B1030 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Janeiro de 1999 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMIRANDA GUSMÃO
Data da Resolução20 de Janeiro de 1999
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I 1. No Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, A, B e C, intentaram acção declarativa com processo ordinário contra a D, pedindo se declarem baldios dos compartes das povoações de Póvoa e Queirela da freguesia de Bodiosa os prédios identificados nos artigos 8 e 15 da petição inicial, condenando-se a Ré a reconhecer que esses prédios não são sua propriedade e a respeitar o direito dos autores sobre tais prédios e a abster-se de praticar actos de apropriação sobre esses terrenos; pedem ainda que se declare nula a escritura de justificação notarial em que se declara ter a Ré adquirido tais prédios e nulos os registos que fizeram com base nela, com a consequente autorização de cancelamento de qualquer registo feito. Fundamentam os seus pedidos na utilização desde tempos imemoriais de acordo com os usos e costumes de terrenos de pinhal e mato, que identificam, e na apropriação deles por parte da Ré, invocando em escritura de justificação notarial a respectiva aquisição por usucapião e o registo na conservatória a seu favor. 2. A Ré Junta de Freguesia de Bodiosa contestou por impugnação - alegando não ser verdade que os moradores das povoações de Queirela e da Póvoa venham, desde tempos imemoriais, com exclusão de outrém, pacífica e ininterruptamente, apascentando nos terrenos em causa os seus gados, cortando e retirando as árvores e os matos e as lenhas -; e por excepção - alegando que tais terrenos sempre estiveram na sua posse (vendeu, arrendou, concedeu a extracção de resina, exploração de pedra), posse esta que sempre exerceu de forma pacífica, contínua e sem a menor oposição de quem quer que fosse, desde há tempos imemoriais, pelo que os adquiriu por usucapião. 3. Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença a julgar a acção procedente. 4. A Ré apelou. A Relação de Coimbra, por Acórdão de 5 de Maio de 1998, julgou a apelação improcedente. 5. A Ré pede revista, formulando as seguintes conclusões: 1) Da prova produzida nos autos resulta que, apesar de terem os habitantes de Queirela e Póvoa fruído ou utilizado, pontualmente, de tais terrenos, o certo é que tais terrenos são bens do domínio privado, prédios rústicos, não estando sujeitos à lei relativa dos Baldios. 2) São, e sempre foram, pertença da Junta de Freguesia de Bodiosa, tendo esta a posse dos mesmos desde tempos imemoriais. 3) Os actos praticados pela Junta de Bodiosa sobre os prédios rústicos em questão levaram à sua aquisição por usucapião, nos termos da lei civil. 6. O Autor Conselho Directivo de Baldios de Queirela e Póvoa apresentaram contra-alegações. Corridos os vistos, cumpre decidir. II Elementos a tomar em conta: 1) Em 25 de Junho de 1982 foi lavrado no 2. Cartório Notarial de Viseu, uma escritura de justificação notarial, onde se declara que a Ré Junta de Freguesia de Bodiosa é dona com exclusão de outrém, de 75 prédios rústicos, constantes de um documento complementar anexo, organizado nos termos do artigo 78 do Código Notariado. 2) Mais se declara nessa mesma escritura que a Ré Junta de Freguesia é dona dos referidos prédios por vir a possuir como coisa sua à vista de toda a gente, sem oposição ou embaraço de quem quer que seja, sem interrupção, tendo durado a sua posse por mais de 30 anos. 3) Na posse de tal documento a Ré Junta de Freguesia procedeu ao registo desses prédios na Conservatória do Registo Predial de Viseu. 4) Da mencionada relação constam, entre outros, os seguintes terrenos: a) um pinhal e mato com pastagem, com a área de 78176 metros quadrados sito ao Fontalinho, freguesia de Bodiosa, inscrita na matriz rústica sob o artigo 4091; b) um pinhal e mato, com a área de 12000 metros quadrados sito à Gandarinha, freguesia de Bodiosa, inscrita na matriz rústica sob o artigo 4367; c) um pinhal com mato e pastagem, com a área de 95498 metros quadrados, sito em Marinho, Curral dos Lobos, freguesia de Bodiosa, inscrita; d) um terreno de mato, com a área de 680 metros quadrados sito ao Vale, freguesia de Bodiosa, inscrito na matriz rústica sob o n. 4886; e) um terreno de pinhal e mato, com a área de 4240 metros quadrados, sito à Cuca da Póvoa, freguesia de Bodiosa, inscrito na matriz rústica sob o artigo 5042; f) um pinhal e mato, com a área de 27566 metros quadrados sito às Canadas, freguesia de Bodiosa, inscrito na matriz rústica sob o artigo 5591; 5. Desde tempos imemoriais, a generalidade dos moradores da povoação de Queirela - no que diz respeito aos prédios referidos nas alíneas a) e b) do número anterior - e os moradores do lugar de Póvoa, em relação aos identificados nas alíneas c), d) e e) do número anterior - apascentavam os seus gados - o que deixaram de fazer desde os anos 30-40, por ter caído em desuso esta actividade -, têm vindo a cortar matos e lenhas, apanhando pinhas e aproveitando substâncias vegetais que ali despontam, embora estes actos tenham vindo a diminuir progressivamente desde os anos 30-40 e desde essa altura (anos 30-40) a Junta de Freguesia de Bodiosa tenha passado a administrá-los, autorizando a exploração de pedra, vendendo pinheiros e resina, utilizando os dinheiros assim obtidos em benefício dos povos da freguesia. 6) Os habitantes dos lugares de Queirela e da Póvoa ao praticarem os actos referidos em 5), faziam na convicção de que exerciam um direito comunitário à utilização pelos habitantes de cada um dos lugares em relação aos terrenos referidos nos artigos 8 e 15 da petição inicial respectivamente, sem exclusão uns dos outros e das pessoas dos lugares limítrofes, isto mesmo depois de serem administrados pela Junta. III Questões a apreciar no presente recurso. A apreciação e a decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, passa pela análise de duas questões: a primeira, se os terrenos em causa nunca fizeram parte de baldios do povo de Queirela e da Póvoa, Freguesia de Bodiosa; a segunda, se a Ré Junta de Freguesia de Bodiosa adquiriu por usucapião os terrenos em causa. Abordemos tais questões. IV Se os terrenos em causa nunca fizeram parte dos baldios do povo de Queirela e da Póvoa da freguesia de Bodiosa. 1. Posição da Relação e das partes. 1a) A Relação de Coimbra decidiu que, por um lado, os terrenos em causa eram considerados logradouro comum dos moradores da povoação de Queirela e de Póvoa. Eram baldios aproveitados como logradouro comum pelos moradores dessas freguesias e que a lei considerava indispensáveis, sob forma de utilização, à economia local (cfr. artigo 393 do Código Administrativo). Por outro lado, o facto de a administração ter passado, a partir de certa altura, para a autarquia não lhes veio a retirar a qualidade de terrenos baldios, porque administração e domínio não se confundem e convivem perfeitamente. 1b) A Ré/recorrente Junta de Freguesia de Bodiosa sustenta que da análise do conceito de baldio, claramente resulta não ser possível...

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