Acórdão nº 0011471 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Abril de 2001 (caso None)

Magistrado ResponsávelMARQUES SALGUEIRO
Data da Resolução18 de Abril de 2001
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Relação do Porto: Na comarca de ......, o Mº Pº deduziu acusação, em processo comum e tribunal colectivo, do arguido JOÃO......, com os sinais dos autos, imputando-lhe a autoria material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artº 131º e 132º, nº 1 e 2, al. d), g) e i), do C.Penal.

O arguido contestou, invocando o merecimento dos autos e tudo o mais que, em seu benefício, viesse a resultar da discussão da causa.

E, realizado o julgamento, foi oportunamente proferido acórdão que, julgando a acusação procedente, condenou o arguido, como autor material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artº 131º e 132º, nº 1 e 2, al. g), citados, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão.

Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, que dirigiu ao STJ, tendo encerrado a sua motivação nos termos seguintes: 1. Foi o arguido condenado pela prática de homicídio qualificado. Porém, o circunstancialismo em que o crime ocorreu não permite concluir pela especial censurabilidade ou perversidade prevista no n° 1 do artº 132º do C.Penal.

  1. Aliás, no acórdão recorrido ficou provado que o circunstancialismo em que o crime ocorrera não permite concluir que o arguido tenha agido por motivo fútil nem com frieza de ânimo.

  2. O uso da foice roçadoira resultou de gesto irreflectido, praticado num momento de emoção relevante provocada pela conduta da vítima e por este objecto estar ali mesmo à mão, no local da ocorrência dos factos, 4. Circunstâncias essas às quais tem de se juntar o facto do arguido ser uma pessoa com limitações nas suas capacidades volitivas e mentais, quer pelas carências de instrução, quer pela quantidade de álcool que já havia ingerido naquele momento.

  3. Ao considerar tal circunstancialismo impeditivo da qualificação do homicídio em relação a umas alíneas do n° 2 do artº 132º e não já de outras, o douto acórdão recorrido é, em si mesmo, contraditório, violador do disposto no n° 1 e 2, al. g), do artº 132º do C.Penal e, por consequência, do disposto no artº 131º desse diploma legal.

  4. Fazendo funcionar, incorrectamente, a al. g) do nº 2 do artº 132º de forma automática, enfermando, assim, de contradição insanável entre a sua fundamentação e a decisão, incorrendo no âmbito do disposto na al. b) do nº 2 do artº 410º do C.P.Penal.

  5. Deve o arguido ser condenado apenas pela prática do homicídio p. p. no artº 131º do C.Penal, com atenuação especial da pena em virtude da sua conduta ter resultado da provocação injusta por parte da vítima ao agredir a companheira do arguido e ao tentar impedir a confecção do jantar deste - artº 72º, n° 2, al. b) -, ou, se assim se não entender, com uma pena muito próxima do limite mínimo, atendendo ao referenciado circunstancialismo em que os factos ocorreram, bastante redutor da culpa do arguido, à relevante confissão do arguido e ao seu bom comportamento anterior e posterior aos factos.

  6. Ao decidir de forma diferente, incorreu o acórdão recorrido na previsão do artº 410º, nº 2, al. c), do C.P.Penal, por erro notório na apreciação da prova.

    Na resposta, o Exmº Procurador da República sustenta a falta de razão do recorrente e conclui pela confirmação da decisão impugnada.

    Remetido o processo ao STJ, aí foi proferido acórdão (fls. 336 a 338), julgando competente esta Relação, no entendimento de que o recurso não visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.

    Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, em douto parecer, revela-se concordante com a tese recursória na parte em que se questiona a integração da conduta do arguido na figura do homicídio qualificado, pelo que se pronuncia pela sua condenação pelo crime de homicídio simples, com redução da pena para valores próximos do termo médio da respectiva pena abstracta.

    Notificado nos termos e para os fins previstos no nº 2 do artº 417º do C.P.Penal, o arguido não respondeu.

    Assim, cumpridos os vistos e realizada a audiência, cabe decidir.

    * O Tribunal Colectivo houve como provada esta matéria de facto: 1. Antes de estar preso, o arguido vivia, em economia comum, com a sua companheira, Margarida......, e com os seus irmãos, David...... e António......, na localidade de......, freguesia de ......, comarca de .......

  7. Aí, ocupavam duas pequenas e modestas casas de habitação, herdadas pelo arguido e seus irmãos por morte dos pais, situadas muito perto uma da outra. Numa delas, dormiam o arguido, a sua companheira e o António e na outra, apenas com um quarto e uma cozinha, dormia o David.

  8. Era nesta última casa que todos eles tomavam as suas refeições, as quais eram aí confeccionadas pela Margarida, única mulher deste agregado familiar.

  9. No entanto, existia um permanente clima de tensão e de conflito entre o arguido e os referidos seus irmãos, havendo discussões diárias entre eles, devido ao facto de o David e o António não trabalharem e de não contribuírem para as despesas domésticas, que eram suportadas apenas pelo arguido, com o seu magro salário de 2000$00 por dia, auferido como trabalhador por conta de outrem, numa pedreira.

  10. Acresce que, quer o David, quer o António, gastavam em vinho a totalidade da pensão por invalidez que cada um deles recebia da Segurança Social Portuguesa.

  11. No dia 10 de Setembro de 1999, cerca das 23 horas, o arguido dirigiu-se à mencionada casa onde pernoitava o David, a fim de aí jantar, como era habitual, e deparou com o seu irmão António...., surdo-mudo desde tenra idade, e a referida Margarida na cozinha dessa habitação.

  12. Apercebeu-se, então, que o António desferiu um pontapé na perna esquerda da Margarida, atingindo-a no terço médio da face antero-interna e provocando-lhe, como consequência directa e necessária da agressão, uma equimose de forma triangular com cerca de 4 cm de base por 5 cm de altura que lhe determinou doença pelo período de 12 (doze) dias, todos com incapacidade para o trabalho.

  13. Em face disto, o arguido logo acorreu em auxílio da sua companheira e começou a discutir com o seu irmão António, o qual se preparou para retirar o redutor da botija de gás que estava ligada ao fogão, onde a Margarida preparava o jantar.

  14. Foi então que o arguido pegou na foice roçadoira, constituída por uma lâmina em aço com 30 cm de comprimento e por um cabo em madeira medindo 1,05 metros, que se encontrava guardada num canto daquela cozinha, junto à lareira, segurou-a pelo cabo com ambas as mãos e, aproveitando a circunstância de o António..... estar de costas para si, ergueu essa foice e com ela desferiu uma violenta pancada na cabeça deste seu irmão...

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