Acórdão nº 0110911 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Maio de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelORLANDO GONÇALVES
Data da Resolução07 de Maio de 2003
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

Relatório Pelo -.º Juízo Criminal de....., sob pronúncia que recebeu acusação do Ministério Público foram submetidos a julgamento em processo comum e com intervenção do tribunal colectivo: «M....., Lda », com sede na Rua....., ....., .....; e Agostinho....., casado, industrial, filho de Manuel..... e de Carminda....., natural da freguesia de....., concelho de....., nascido a 13/02/1943, residente na Rua....., ....., imputando-se-lhe a autoria de dezoito crimes abuso de confiança em relação à segurança social, p. e p. no art. 27.º- B, do Decreto Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, nos termos da decisão instrutória constante de fls. 337 a 340 dos autos.

A fls. 195, o Centro Regional de Segurança Social do Norte, admitido a intervir como assistente, deduziu pedido de indemnização contra os arguidos, requerendo a condenação destes a pagarem-lhe a quantia de 5.645.910$00, acrescida de juros contados à taxa legal, até à data do trânsito em julgado da sentença, bem como os encargos legais a calcular nos termos do art.16.º do D.L. 411/91 de 17/10, a título de indemnização pelos danos que sofreu em razão da apropriação que os arguidos efectivaram sobre as quantias referentes à taxa social única que a empresa arguida descontou aos seus trabalhadores e não entregou à Segurança Social, como estava obrigada a fazer.

Após audiência de julgamento, por acórdão proferido a 28 de Janeiro de 2001, o Tribunal Colectivo decidiu: 1) julgar a acusação deduzida contra a arguida «M......, Lda», parcialmente provada e procedente, e condenar esta, como autora material de um crime p. e p. pelo art. 27.º-B do D.L. 20-A/90, de 15/1 (R.J.I.F.N.A), na forma continuada, segundo o disposto no art.30, n.º 2 do C.P., na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 5.000$00; 2) julgar a acusação deduzida contra o arguido Agostinho..... parcialmente provada e procedente, e condenar este, como autor material de um crime p. e p. pelo art. 27.º-B do D.L. 20-A/90, de 15/1 (R.J.I.F.N.A.), na forma continuada, segundo o disposto no art.30.º, n.º 2 do C.P., na pena de um ano de prisão, cuja execução se suspende pelo período de um ano, na condição de, no prazo de um ano, pagar ou fazer a lª arguida pagar ao Centro Regional da Segurança Social do Norte a quantia indemnizatória que infra se fixará; e 3) julgar o pedido de indemnização deduzido contra os arguidos provado e procedente, e condenar «M....., Lda» e Agostinho....., solidariamente, a pagar ao Centro Regional da Segurança Social do Norte a quantia de 3.255.010$00 (três milhões duzentos e cinquenta e cinco mil e dez escudos), acrescida dos encargos legais a contar sobre esse valor nos termos do DL 411/91, calculados à taxa legal em vigor, até à data do trânsito em julgado do acórdão.

Inconformados, os arguidos "M....., Lda", e Agostinho..... interpuserem recurso do douto acórdão, concluindo na sua motivação: Quanto à Matéria de Facto: 1 - Porque deveria ter sido dado como provado, por relevante, em resultado da discussão da causa, que a arguida, na sequência dos reconhecidos e provados créditos que detinha contra o Estado, deixou de poder levar a cabo a sua actividade mais importante que era a exportação no sector têxtil, 2 - Face ao que a esse propósito resulta dos depoimentos do arguido Agostinho....., quando diz que a arguida "foi obrigada em fins de 96 a deixar de laborar na actividade de exportação" - que era a sua "actividade mais rentável" sob pena de os "créditos do IVA" irem "aumentando", corroborado pelos depoimentos das testemunhas José..... que confirmou que "a empresa estava na expectativa de receber uns reembolsos do IVA, relativo à actividade exportadora que gerava altos favoráveis à M....., Ldª e Claudia....., dizendo esta que a arguida "teve de terminar com uma parte da actividade, por ventura a mais lucrativa, que era a exportação" porque a arguida era credora "e continuamos a ser, credores de IVA em valor bastante elevado.."; 3 - Tendo tal situação conduzido a arguida a uma situação económica ainda mais desastrosa.

4 - Porque deveria ter sido dado como provado que a arguida se atrasava vários meses a apagar aos seus trabalhadores, liquidando o salário destes em prestações, com o seu acordo, e garantindo, sempre que havia dinheiro, que estes levassem para casa o equivalente ao montante líquido do seu ordenado; 5 - Tendo sido relevante, para este efeito, o que o arguido disse: "... muitas vezes chegamos a acordo" com os trabalhadores... "para pagarmos a prestações, acordo que às vezes estavam com três meses de atraso..."; 6 - E que foi corroborado pela testemunhas José..... quando afirmou que.. "era chegar ao fim do mês e não pagar ao pessoal, só pagar 2, 3 ou 4 semanas, pagar parte do salário e não pagar outra"... ele próprio vítima desses atrasos; 7 - E pela testemunha Cláudia, ela própria trabalhadora conhecedora e "vítima" dos atrasos nos pagamentos do salário, que disse que lhe iam "... pagando às prestações, conforme se ia realizando o dinheiro..." adiantando que a arguida não "... teria tudo..." "Mas ia pagando o máximo possível"; 8 - Que igualmente deveria ter ficado provado que era intenção da arguida evitar a opção por uma situação de colapso financeiro que a encaminhasse para uma situação de falência e necessário desemprego de desespero dos trabalhadores e das suas famílias; 9 - Veja-se o que disse a testemunha José..... "a empresa não tem dinheiro para tudo, vai pagando aquilo que é mais urgente, só quando uma pessoa diz que já não pode trabalhar mais sem receber um ou dois meses é que a empresa..." 10 - Que deveria ter sido dado como provadas as acções desenvolvidas pela arguida no sentido de fazer valer os seus direitos contra o Estado, no que respeita à compensação a efectuar entre os débitos da arguida e os seus créditos, nomeadamente as diversas cartas dirigidas ao Ministro das Finanças solicitando a compensação débitos/créditos, com saldo a favor da arguida - mesmo com o reconhecimento daquele da sua existência - e ainda a oposição no processo de execução fiscal vertido nos autos, a estes junta, 11 - Prova da actuação daquela no sentido de liquidar as quantias devidas à segurança social, só o não tendo feito por falta de liquidez; 12 - Que foi, pois, por falta dessa liquidez que a arguida deixou de pagar, entre outras coisas, a taxa social única à Segurança Social facto que deveria ter sido dado como provado; 13 - Porque houve contradição entre o que o Tribunal "a quo" deu como provado, nomeadamente, que "a arguida teve falta de liquidez, na tesouraria, em face de uma conjuntura económica, e não entregou à Segurança Social os descontos supra descritos", 14 - E que "Foi por motivos alheios à vontade dos gerentes e sócios da "M....., Ldª" (onde se inclui o arguido) que a empresa se viu sem suporte financeiro para poder saldar todas as responsabilidades financeiras" - onde naturalmente se incluiriam as faltas de pagamento à Segurança Social 15 - E o facto de, no mesmo acórdão, se ter dado como não provado que tenha sido essa falta de liquidez que originou aquela outra falta de pagamento da TSU; 16 - E porque se deveria, isso sim, ter dado como provado que essa falta de liquidez é que originou a referida falta de pagamento às segurança social; 17 - Porque deveria ter sido dado como provado, que se os reembolsos de IVA a que se alude tivessem sido efectuados em tempo aceitável, teriam sido utilizados na liquidação dos débitos da empresa arguida e bem assim dos descontos em dívida à segurança social; 18 - Conforme resultou da prova produzida de que a arguida propôs à segurança Social compensar a sua dívida com os seus créditos sobre o Estado (e em montante superior aquela) através dos documentos juntos; 19 - E do depoimento do arguido Agostinho.... "...para mim, e tinha a vontade toda, vontade que demonstrei por várias iniciativas e por todos os esforços em liquidar estas dívidas" e que já duravam há mais de 5 anos, 20 - Do depoimento da testemunha Cláudia que disse que se o dinheiro reconhecido fosse entregue à arguida, esta pagava as dívidas da segurança social, acrescentando que... "se a empresa tivesse neste momento o dinheiro pagava, independentemente do dinheiro vir ou não"; 21 - Mais, dizendo a p.p. decisão de que se recorre que "... sempre os arguidos tiveram a convicção de que a situação iria melhorar e que haveria de vir a pagar as quantias que ia aplicando na manutenção do funcionamento da empresa..." entre outras coisas, o que não pagaram a título de salário e que se destinava à TSU; 22 - Deve ser revogado o acórdão em apreço no sentido que vai exposto, decidindo-se pela absolvição dos arguidos; Sem prescindir...

23 - Dos factos que foram dados e dos que deveriam ter sido dados como provados, sempre se teria de concluir não terem os arguidos feito qualquer apropriação do que lhes não pertencia, antes não tendo dinheiro suficiente para pagarem o salário na sua totalidade, por falta de liquidez resultante não só da crise dos têxteis, como fundamentalmente, do crédito que tinha do Estado relativamente aos reembolsos do IVA; 24 - Nessa conformidade as suas condutas não preencheram o tipo legal de crime do artigo 27.º-A que, por remissão para o artigo 24.º do mesmo diploma, pressupõe aquela apropriação ilícita das quantias devidas à Segurança Social, 25 - Como tal, devendo o acórdão recorrido ser revogado absolvendo-se os arguidos.

Sem prescindir...

26 - Por se verificar que a actuação dos arguidos resultou da única opção possível - entre garantir o sustento mínimo dos trabalhadores e suas famílias ou liquidar à segurança social o montante de desconto da TSU e reduzir o salário daqueles, já que a arguida não tinha dinheiro que chegasse para pagar a totalidade do que lhes era devido, sendo certo que com salários mais reduzidos, os trabalhadores abandonavam a arguida - e que foi a que resultou no não pagamento aos trabalhadores da totalidade do seus salários, por falta...

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