Acórdão nº 0111568 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Fevereiro de 2002 (caso NULL)

Data20 Fevereiro 2002
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Na comarca de....., julgado em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, mediante acusação do Ministério Público, o arguido Manuel....., com os sinais dos autos, foi condenado pela autoria material de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos, 131º e 132º, nºs 1º e 2º, al.h), na pena de 15 anos de prisão, e pela autoria material de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143º, nº 1º, todos do CP, na pena de 240 dias de multa à taxa diária de 1.000$00.

Mais foi condenado, na parcial procedência do pedido de indemnização civil contra ele formulado pela assistente Irene....., viúva da vítima, Manuel A....., por si, e como representante legal de seus filhos menores, Ricardo..... e Luísa....., e por Fátima..... e Ana....., filhas da vítima, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a pagar aos requerentes o montante global de 36.350.000$00, e juros devidos.

Foi, ainda, condenado a pagar ao Hospital de..... a quantia de 5.200$00.

As armas foram declaradas perdidas a favor do Estado.

A decisão observou os pertinentes preceitos tributários.

*Inconformado o arguido interpôs recurso.

Na motivação apresentada formula as seguintes conclusões: 1. Ao condenar o recorrente António.....

(sic), na pena de (15) quinze anos de prisão, com base nos depoimentos das testemunhas identificadas no acórdão e nos documentos juntos aos autos, verifica-se existir não só insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, como também erro notório na apreciação da prova, face a razão de ciência e conteúdo de tais depoimentos e documentos juntos aos autos, de que resultou a convicção do Tribunal - artigo 410º, nº 2 alíneas a) e c) do CPP.

  1. Enferma, assim, o acórdão recorrido dos vícios mencionados no artigo 410º, nº 2, alíneas a) e c) do CPP, devendo nessa medida ser anulado, e ser excluída a ilicitude do recorrente, por ter agido em legítima defesa, ou então se assim não se entender, ser aplicada uma pena dentro da aplicável para o crime de homicídio simples, ou se assim não se decidir, ser ordenada por consequência, a repetição da audiência de discussão e julgamento, com vista ao suprimento da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e ainda com vista ao suprimento do erro notório havido na apreciação da prova.

  2. Considerar que o Manuel....., agiu em legítima defesa nos termos do artigo 32º do CP.

  3. Caso assim não venha a entender-se, a decisão recorrida deverá ser revogada e, consequentemente, substituída por outra, que fixe a pena de prisão a aplicar ao recorrente, que atento ao disposto no artigo 131º do CP, não deverá exceder o limite mínimo aí fixado.

  4. Com a consequente diminuição, das quantias que o recorrente foi condenado a pagar a título de danos patrimoniais e morais aos assistentes.

  5. Pelo que, ao assim não decidir, violou o acórdão recorrido os aludidos normativos legais.

*Respondeu o Ministério Público pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.

*Nesta Instância o Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer, nele concluindo que, atentas as circunstâncias atenuantes - nomeadamente a confissão, o arrependimento, o bom comportamento anterior e posterior -, a medida concreta da pena no tocante ao homicídio qualificado deve ser reduzida para mais próximo do seu limite mínimo abstractamente aplicável, assim se concedendo, só nesta parte, parcial provimento ao recurso.

*Foi observado o disposto no artigo 417º, nº 2º, correram os "visto" legais, e teve lugar a audiência designada no artigo 423º, ambos do CPP.

*É a seguinte a matéria de facto dada como PROVADA no acórdão recorrido: Desde há vários anos a esta parte que os pais do arguido se encontravam de relações cortadas com a vítima Manuel A..... e esposa Irene....., por questões relacionadas com a divisão de águas de rega entre o ofendidos e os progenitores do arguido.

No dia 18 de Agosto de 2000, entre as 19 e as 20 horas, no Largo defronte do estabelecimento de café do arguido, sito em....., freguesia de....., a ofendida Irene, esposa da vítima Manuel A...... e a Maria....., companheira do arguido, travaram-se de razões, discutindo em voz alta. Em face dessa discussão acorreram ao local, quer o arguido, que se encontrava na varanda do seu estabelecimento, quer a vítima Manuel A..... que se encontrava no estabelecimento de café....., sito no mesmo Largo. Então envolveram-se em luta, corpo corpo, por um lado a Irene e a Maria..... e por outro o arguido e a vítima Manuel A......

Durante essa contenda o arguido agarrou o Manuel A...... O Manuel A....., com o objectivo de se libertar do arguido, mordeu-o, por duas vezes, na região posterior do ombro esquerdo, não conseguindo, contudo libertar-se do arguido.

Acto contínuo, o arguido, movido pelo propósito de tirar a vida ao Manuel A...... retirou do bolso das calças do lado direito uma navalha, com cerca de 10 cm de lâmina e 12,4 cm de cabo, provida de mola de aço para fixar a lâmina, de que previamente, e para tal efeito se havia munido, a qual abriu com ambas as mãos atrás das costas da vítima que de nada se apercebeu, e de seguida, empunhando aquela navalha na mão direita, espetou-a por três vezes no corpo do Manuel A....., atingindo-o duas vezes na região dorsal esquerda e uma vez na face lateral do hemitorax esquerdo.

Logo de seguida e enquanto o Manuel A...... cambaleava e tentava pôr-se em fuga do local, o arguido, regressava a casa e ao verificar que a Irene continuava envolvida corpo a corpo com a sua companheira Maria....., continuando a empunhar supra referida navalha, aproximou-se da Irene pelo seu lado esquerdo e golpeou-a em dois locais na extremidade superior da face posterior do braço esquerdo.

Em acto contínuo o arguido fugiu do local.

Com tais condutas provocou o arguido directa e necessariamente: Na vítima Manuel A..... duas feridas incisas com cerca de 25mm de comprimento na região posterior do hemitorax esquerdo e uma ferida incisa com o mesmo comprimento na região lateral do hemitorax esquerdo, feridas essas que laceraram o pulmão esquerdo no lobo inferior, sendo que uma teve trajecto na caixa toráxica através do espaço inter-costal e outra com trajecto intra-abdominal, tudo conforme resulta do elementos clínicos e do relatório de autópsia, lesões estas que foram causa adequada da morte imediata de Manuel A......

Na Irene duas feridas corto-contusas na extremidade superior da face posterior do braço esquerdo, com cerca de 2 cm cada uma, lesões essas que foram causa adequada de doze dias de doença, oito dos quais com incapacidade para o trabalho.

Em todas as suas descritas condutas agiu o arguido de vontade livre e determinada no propósito de tirar a vida à vitima procurando atingi-la em zonas vitais do corpo, e de ofender corporalmente a Irene. Agiu o arguido com manifesto desprezo pela vida da vítima, que não hesitou em sacrificar, utilizando para o efeito uma arma, cujas características bem conhecia e da qual, atendendo ao modo como foi utilizada, bem sabia que não podia, o Manuel A....., defender-se, dada a natureza da mesma e a rapidez com que foi utilizada.

Sabia que as suas condutas eram penalmente censuráveis.

O arguido empenhou-se na pacificação das más relações existentes entre a sua família e a do Manuel A..... e esposa a Irene...... Constatou o arguido, em 17 de Agosto de 2000, que as relações entre a sua mãe e Irene se mantinham tensas apesar das desistências de queixa anteriores.

No dia 17 de Agosto de 2000, por volta das 22 horas e 30 minutos dirigiram-se a casa do arguido elementos da G. N. R.

As agressões praticadas pelo Manuel A....., deixaram marcas no arguido, ainda visíveis no dia 29 de Agosto de 2000, quando o arguido foi submetido a auto de exame directo.

O arguido, apesar de após a ocorrência dos factos se ter ausentado do local, depois apresentou-se e entregou-se voluntariamente às autoridades. É pessoa pacata, ordeira trabalhadora, nunca tendo tido anteriormente qualquer problema com a justiça.

É respeitado, reconhecido e querido por todas as pessoas que com ele lidam trabalham.

Apresenta no membro superior esquerdo alterações que são causa de um incapacidade parcial permanente de 10%.

É de condição social humilde. Frequentou a escola primária, tendo feito apenas a 4ª. classe. Começou a trabalhar após a escola primária na agricultura e ultimamente como calceteiro.

No estabelecimento prisional trabalha na Copa. Frequenta o 5º e 6º ano de escolaridade O arguido confessou, com relevância, os factos na sua objectividade e verbalizou arrependimento. Sente-se amargurado com o resultado da sua conduta.

A requerente Irene, era casada com a vítima Manuel A....., no regime de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT