Acórdão nº 0131949 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Fevereiro de 2002 (caso NULL)

Data07 Fevereiro 2002
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Indústria de C....., Lda intentou a presente acção com processo ordinário contra a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Área Metropolitana do Porto CRL, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 6 000 000$00, acrescida de juros de mora à taxa legal, bem como na indemnização a liquidar em execução de sentença pelos danos decorrentes da presente acção, mormente as despesas com a cobrança dos títulos de crédito em questão.

Alegou, resumidamente, que forneceu à sociedade Av....., Lda, representada pelos sócios gerentes Maria Manuela ..... e Avelino ....., produtos do seu comércio de carnes verdes, contra a entrega de cheques como meio de pagamento do preço respectivo, no valor peticionado de 16 000 000$00. Tais cheques diziam respeito à conta n.º ........, aberta na Ré à ordem de Av....., Lda. A Ré entregou aos mencionados representantes desta sociedade os módulos de cheques de que saíram os entregues à A., emitidos e preenchidos pelos representantes da titular da conta, os quais não foram pagos por falta de provisão. A mencionada entrega dos ditos módulos teve lugar quando Maria Manuela ..... e Avelino ...... já havia sido objecto de rescisão da convenção de cheque por má utilização, estando inibido do uso de cheque, o que a Ré bem sabia.

A Ré contestou, dizendo que Av....., Lda nunca constou da listagem de utilizadores de cheques que oferecem riscos até às datas referidas pela A., havendo listagens específicas difundidas pelo Banco de Portugal para empresas, além de que a Ré não facultou cheques a Maria Manuela .....nem a Avelino ....., mas sim à sociedade atrás mencionada, que teve outros gerentes ao longo da sua existência e sempre gozou de crédito na praça, sendo detentora de personalidade jurídica autónoma.

Mal a Ré teve conhecimento de que a sua cliente, a quem entregou os cheques, Av....., Lda tinha violado o espírito de confiança que deve presidir à circulação dos cheques rescindiu com ela a convenção do uso de cheques.

A A. replicou, reafirmando a sua posição inicial.

Procedeu-se ao saneamento e condensação do processo.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

A A. recorreu, concluindo desta forma a sua alegação: 1.º. A sociedade Av....., Lda não integrava a listagem de utilizadores de cheque que ofereciam risco nem tinha da mesma constar, pois que apenas constam dessa lista as pessoas singulares, isto é, no caso de se tratar de sociedades, os respectivos representantes legais.

  1. A rescisão da convenção que atribua o direito de emissão de cheques é feita individualmente e não à sociedade.

  2. É essa não só a prática do Banco de Portugal como, igualmente, o próprio sentido do n.º 1 do art. 1.º do DL n.º 454/91, de 28-12.

  3. Tendo a apelada fornecido a Maria Manuela ..... e a Avelino ..... os impressos de cheques que estes, posteriormente, vieram a emitir e entregar à apelante, cheques esses que, apresentados a pagamento, vieram a ser devolvidos por falta de provisão, não poderão deixar de se considerar preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil previstos no art. 9.º do DL n.º 454/91, de 28.12 (na redacção anterior ao DL n.º 316/97, de 19.11).

  4. A não se entender assim sempre se estaria em face de uma típica situação de desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade comercial: "o desrespeito pelo princípio da separação entre pessoa colectiva e os seus membros ou, dito de outro modo, derrogar o princípio da separação entre a pessoa colectiva e aqueles que por detrás dela actuam".

  5. No caso sub judice impõe-se a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, sob pena de se frustrarem os fins legítimos que a ordem jurídica visa tutelar.

  6. Não é aceitável que a pretexto de serem entes jurídicos distintos e com personalidades jurídicas autónomas, se pretenda considerar normal e absolutamente legal a entrega de cheques a Maria Manuela ..... e a Avelino ..... quando estes faziam o giro comercial da sociedade Av....., Lda.

  7. Além do conhecimento por parte da apelada que não podia nem devia, durante o período de inibição, facultar cheques à Maria Manuela ..... e ao Avelino ....., por se encontrarem inibidos, devendo, por isso, desde logo, proceder à rescisão da convenção de cheque com estes, o que tão pouco fez, aquela não desconhecia que a gerência da sociedade pertencia aos sócios Maria Manuela ..... e Avelino....., que estes eram detentores da maioria do capital social e que eram as únicas pessoas com poderes para movimentar a conta da sociedade e aí efectuavam movimentos bancários, saques e emissão de cheques.

  8. "Importa não hipervalorizar o instituto da personalidade colectiva, aceitando cega e indiscriminadamente, sem atender aos fins que impuseram a sua criação, todas as consequências que dele decorrem por via lógico dedutiva".

  9. A emissão e entrega dos cheques emitidos pela Maria Manuela ..... e por Avelino ..... foi condição essencial para que a apelante se convencesse da seriedade dos negócios celebrados com aqueles em nome e representação da sociedade Av....., Lda e para a determinar, como determinou, a investi-los na posse material da mercadoria transaccionada sem o recebimento imediato do respectivo preço em numerário.

  10. Houve violação do disposto no n.º 2 do art. 3.º do DL n.º 454/91, de 28-12 (na redacção anterior ao DL n.º 316/97, de 19-11) por parte do banco, ora apelado, ao proceder à entrega dos módulos de cheques apurada nos autos, pelo que deverá a apelada ser obrigada a pagar, tendo em conta a sua falta ou insuficiência de provisão, os cheques fornecidos a Maria Manuela ..... e Avelino ..... e emitidos por estes a favor da apelante.

  11. Trata-se, pois, de uma responsabilidade específica que tem como pressupostos a ilicitude (traduzida na entrega de módulos de cheques a quem está inibido do seu uso) e o dano (a falta de pagamento do cheque, quando apresentado a...

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