Acórdão nº 0210289 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Março de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelJORGE ARCANJO
Data da Resolução12 de Março de 2003
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do PORTO I - RELATÓRIO O Ministério Público requereu na Comarca de....., o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, dos arguidos: 1) - C....., Lda, com sede na Rua....., ....., ......

2) - ÓSCAR....., filho de Joaquim..... e de Maria....., natural de....., ....., nascido a 26 de Junho de 1943, casado, comerciante e residente na Rua....., ....., ......

3) - JOAQUIM....., filho de José..... e de Olívia....., natural da freguesia de....., ....., nascido a 3 de Dezembro de 1956, casado, industrial e residente na Travessa......, ....., ......

Com fundamento nos factos alegados na acusação (fls. 217 a 220), imputou aos arguidos a prática em co-autoria e sob a forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelos artigos 24º, nº 1 e 5 e 27º, -B, do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 140/95, de 14 de Junho, sendo a primeira arguida responsável por força do disposto do artigo 7º e 9º, nº 2, do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, diplomas vigentes à data dos factos.

O CENTRO REGIONAL DA SEGURANÇA SOCIAL DO NORTE deduziu pedido de indemnização cível, contra os demandados-arguidos, pedido a sua condenação no pagamento da quantia de Esc. 9.834.254$00, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.

Por sentença de 13/12/2001 (fls.265 a 277), além do mais, decidiu-se: a) - Absolver a arguida "C....., Ldª", da prática em co-autoria e sob a forma consumada de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelo artigo 24º, nº 1e 5 e 27º-B, do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 /01, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 140/95, de 14 de Junho.

  1. - Absolver o arguido Óscar..... da prática em autoria e sob a forma consumada de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelo artigo 24º, nº 1 e 5 e 27º - B, do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 /01, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 140/95, de 14 de Junho de que vem acusado.

  2. - Absolver o arguido Joaquim..... da prática em autoria e sob a forma consumada de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelo artigo 24º, nº 1 e 5 e 27º - B, do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 /01, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 140/95, de 14 de Junho de que vem acusado.

  3. - Julgar improcedente por não provado o pedido de indemnização civil deduzido pelo Centro Regional da Segurança Social do Norte e em consequência absolver os arguidos Óscar....., Joaquim..... e "C....., Ldª", do pagamento da quantia peticionada.

    O assistente - INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE DA SEGURANÇA SOCIAL - inconformado com a sentença absolutória, dela interpôs recurso ordinário de facto e de direito, em cuja motivação (fls.285) concluiu, em resumo: 1º) - Ficou provado que os demandados/arguidos pagaram os salários pontualmente aos trabalhadores, neles deduzindo percentagens devidas a título de cotizações para a Segurança Social, quantias essas que não chegavam a ser entregues na instituição competente, nem no prazo de 90 dias, nem até hoje; 2º) - Foi política da empresa, por opção dos demandados, proceder aos pagamentos dos salários e aos fornecedores, e de não entregar na Segurança Social as quantias retidas, sendo estas usadas para fazer face às despesas correntes da actividade, tais como, água, luz e outras despesas normais da actividade; 3º) - Os gerentes ou administradores que utilizem voluntariamente, na sua empresa, valores recebidos, apurados ou liquidados a título de cotizações que descontaram sobre os salários dos trabalhadores, estão necessariamente a apropriar-se dos mesmos, ainda que não retirem benefícios pessoais directos desse acto; 4º) - A apropriação por parte da sociedade arguida dá-se no momento em que os representantes deveriam ter entregue as quantias devidas e não o fizeram, realizando-se uma indevida retenção; 5º) - Resulta que, em 1996, a sociedade sofreu dificuldades económicas, mas nada que a impedisse de satisfazer os seus compromissos legais, tendo inclusive lucro tributável no ano de 1996 e 1997, e só em 1998 e 1999 é que a situação se alterou; 6º) - As dificuldades económicas provocadas pela falta de pagamento da AC....., só começaram em meados de 1999, e tal situação não pode ser considerada como causa justificativa de não entrega das quantias retidas; 7º) - No regime dos trabalhadores por conta de outrem, a obrigação de cumprimento da relação jurídica contributiva é da exclusiva responsabilidade da entidade empregadora, nos termos do art.5º nº1 e 2 do DL 103/80 de 9/5, ficando esta obrigada a efectuar o pagamento às instituições de segurança social através da retenção na fonte; 8º) - Tendo em conta o mecanismo de desconto sobre remunerações de trabalhadores, o dinheiro referente a esses montantes nunca pertence à entidade patronal, nunca integra o seu património, apesar de contabilisticamente, ele dar entrada nos seus cofres, mas tão só porque a mesma entidade patronal encontra-se legalmente obrigada ao procedimento do desconto e subsequente entrega; 9º) - Não pode existir o pagamento de salários líquidos até porque a tal se opõe a lei, pelo que o tribunal ao considerar que os salários foram pagos "líquidos" está a contradizer-se ao referir que não houve "deduções de contribuições"; 10º) - Não se verifica qualquer conflito de deveres, na medidas em que a obrigação de entrega de impostos deduzidos, e de que dica fiel depositário, constitui uma obrigação legal superior ao dever funcional de manter a empresa em laboração e mesmo o de manter os empregos dos trabalhadores; 11º) - Estão verificados os elementos constitutivos do crime de abuso de confiança contra a segurança social, por que foram acusados os arguidos; 12º) - A sentença recorrida violou os arts.27-B e 24 nº1 e nº5 do DL 20-A/90 de 15/1, na redacção dada pelo DL 394/93 de 24/11 e DL 140/95 de 14/7.

    Respondeu o Ministério Público na 1ª instância (fls.335), pugnando pela manutenção da sentença absolutória.

    Os arguidos responderam (fls.343), sustentando, em síntese: Não houve apropriação, nem retenção material e efectiva das quantias a entregas à segurança social, e o valor retido aos trabalhadores não passou de um mero cálculo contabilístico, pelo que não está comprovado o requisito da apropriação.

    Na Relação, o Ex.mo Procurador Geral Adjunto, emitiu parecer (fls.359 e 360) concordante com a recorrente, preconizando a alteração da sentença recorrida, quer ao nível da matéria de facto, quer na parte dispositiva.

    Realizou-se a audiência, mantendo-se a instância válida e regular.

    II - FUNDAMENTAÇÃO 2.1. - Delimitação do objecto do recurso: É entendimento uniforme que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso.

    A recorrente insurge-se na motivação contra o erro na apreciação da prova pelo tribunal a quo, que passou a justificar, especificando os factos que, em seu entender, foram incorrectamente julgados, bem como as provas que impõem decisão diversa.

    Ou seja, para o recorrente os factos que na sentença se deram como não provados, foram incorrectamente julgados (deveriam considerar-se provados) e indicou como prova, as declarações dos arguidos em audiência, bem como os depoimentos das testemunhas Manuel..... o e Mário..... (os quais transcreveu).

    É certo que não o fez nas conclusões do recurso, o que, segundo determinada perspectiva, implicaria o convite ao aperfeiçoamento, mas sendo inteligível a pretensão da recorrente, desnecessário se torna tal desiderato.

    Sendo assim, as questões essenciais que importa decidir, são as seguintes: a) - Se houve erro na valoração da prova quanto aos factos julgados não provados; b) - Se os arguidos praticaram o crime de abuso de confiança contra a segurança social, pelo qual foram acusados.

    2.2. - O julgamento dos factos pelo tribunal da 1ª instância: 2.2.1. - Os factos provados: 1) - A primeira arguida, sociedade "C....., Ldª" pessoa colectiva número ......, contribuinte da Segurança Social número....., foi constituída no ano de 19.., tendo por objecto a serralharia civil, pichelaria e afins, localizando-se a sua sede na Rua....., .......

    2) - Os arguidos Óscar..... e Joaquim...... são sócios gerentes dessa sociedade, função que efectivamente exerciam à data dos factos e desde a constituição da sociedade.

    3) - Nessa qualidade, à data dos factos exerciam efectivamente as funções de gerentes, sendo eles que geriam e administravam a firma arguida e, em nome e no interesse da mesma, decidiam da afectação dos meios financeiros ao cumprimento das respectivas obrigações correntes, sendo responsáveis pelo desconto das contribuições devidas à Segurança Social no montante dos salários pagos aos trabalhadores e, bem assim, pelo preenchimento e entrega das respectivas folhas de remuneração no Centro Regional da Segurança Social do Porto.

    4) - A sociedade "C....., Ldª" começou a sofrer a partir do início de 1995 a crise generalizada no sector da indústria, devida à forte concorrência de empresas com capacidade técnica mais rentável apresentando alternativas de produtos com preços mais baixos, sendo que tal situação se agravou com o mercado único europeu, o que levou a que os clientes da arguida deixaram de pagar as dívidas à mesma, a qual simultaneamente deixou de ter trabalho para efectuar, diminuindo, assim, a disponibilidade de caixa.

    5) - Perante tal situação, os arguidos, pretendendo fazer face ao surgimento de resultados negativos, empenharam-se, em manter a sociedade a laborar, tentando pagar aos fornecedores, aos trabalhadores, bem como a renda e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT