Acórdão nº 0251491 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Dezembro de 2002

Magistrado ResponsávelPINTO FERREIRA
Data da Resolução02 de Dezembro de 2002
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - Relatório Maria ..........., residente na ........, veio requerer a realização de inquérito judicial à sociedade, M.........., Lda, com sede na Rua ........., alegando que é, juntamente com seu ex-marido, sócia e gerente desta firma, que exerceu até final de 1998, altura em que foi proibida, por desavenças conjugais, de entrar nos seus escritórios, encontrando-se, assim e na prática, impedida de exercer as suas funções.

Desde Janeiro de 1999 que a requerente desconhece a situação da sociedade, pelo que, em 26-3-2001 enviou à ré uma carta na qual solicitava informação escrita de vários actos de gestão e comunicava que se deslocaria à empresa no dia 4 de Abril para consultar todos os documentos da sociedade, no uso dos direitos concedidos pelo art. 214º do C.S.C.

Deslocando-se aí duas vezes, com dois contabilistas, foi-lhe negada toda e qualquer informação e nem tão pouco foi permitida a consulta dos elementos contabilísticos da sociedade.

Concluiu pedindo que o presente inquérito seja ordenado e que sejam ordenadas e decretadas as providências que se entenda necessárias à garantia dos sócios, dos credores e da própria sociedade.

Profere-se então e desde logo decisão pela qual se indefere liminarmente a petição inicial com o fundamento, no essencial, de que sendo a requerente sócia e gerente à data da propositura do inquérito judicial, não lhe assiste legitimidade para o pedir.

Inconformada recorre a requerente, recurso que foi recebido como de agravo e efeito suspensivo, confirmada quer a espécie quer o efeito por este tribunal.

Apresentou a recorrente alegações e sustentou-se o despacho recorrido.

Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso.

* II - Fundamentos do recurso É sabido que as conclusões das alegações delimitam e demarcam o âmbito do respectivo recurso - artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC -.

Esta circunstância justifica a transcrição dessas mesmas conclusões que, no caso concreto, foram do seguinte teor: 1º - O despacho recorrido fundamenta-se exclusivamente no facto de a agravante ser gerente da requerida.

  1. - Acontece que a agravante, para além de gerente, também é sócia.

  2. - Sendo que se encontra impedida de exercer as suas funções de gerente e de entrar nos escritórios da requerida.

  3. - A agravante não é, assim, gerente de facto.

  4. - A interpretação do art. 214º do C.S.C constante do despacho recorrido viola a letra e o espírito da lei.

  5. - E traduz-se, na prática, na eliminação do direito à informação do sócio que também seja gerente.

  6. - O despacho violou, assim, o disposto nos artigos 1479º do CPC, 214º, 216º e 292º do C. S. C.

    Deve ser revogado o despacho e ordenado o prosseguimento dos autos.

    * III - Os factos e o direito A questão essencial aqui posta em discussão e que cumpre responder resume-se em se saber se um sócio, que é, cumulativamente, gerente, então, sócio-gerente, pode lançar mão do inquérito judicial do art. 216º do C. S. Comerciais.

    O problema terá, em última análise, de ser inserido e apreciado tendo em atenção o caso concreto, do qual resulta, após leitura do requerimento inicial, que a requerente é sócia-gerente de uma sociedade por quotas, formando, conjuntamente com seu ex-marido, os seus únicos sócios, que estão em desavenças conjugais, alegando que tem sido recusada a sua entrada na sociedade e a possibilidade de exercício de gerência, para além de ver negado o acesso à informação de vários actos de gestão realizados desde Janeiro de 1999.

    Não é nova a interrogação, tendo obtido sentido e decisão diversa e oposta na doutrina e na jurisprudência.

    Para uns, o uso do art. 216º do C.S.C. apenas é consentido a quem seja apenas sócio, portanto, não gerente - Raúl Ventura, Sociedade por Quotas, Comentário ao C.S. Comerciais, Vol. I,, , 1987, pág. 286, Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Vol. II. Das Sociedades, Almedina, págs. 260 e segts., Ac. STJ de 1-7-97, BMJ 469-570, Ac. STJ de 23-5-96, CJ, Tomo II, pág. 86 e...

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