Acórdão nº 0324487 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Outubro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAMÕES
Data da Resolução21 de Outubro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório Associação "T............", com sede na Rua ............, n.º ..., em ........., intentou no Tribunal Judicial dessa Comarca, onde foi distribuída ao .. Juízo, acção declarativa com processo sumário, contra "P..........., L.DA", com sede na Rua ........, ........, EN n.º .., .........., pedindo que: a) a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia correspondente a 25% sobre o preço de venda ao público de cada exemplar, no caso de ter produzido um número inferior a 2000 exemplares; b) se o número produzido for superior a 2.000 exemplares, seja a ré condenada a pagar à autora uma quantia correspondente a 25% sobre o preço de venda ao público de cada exemplar, bem como a perder o custo dos exemplares excedentes, cuja apreensão judicial desde já requer; c) a ré seja condenada a restituir o original utilizado para reprodução da obra; d) e que a ré seja condenada a pagar à autora uma indemnização nunca inferior a 1.300.000$00 (€ 6484.37).

Para tanto, alegou, em síntese, que celebrou com a ré um contrato de edição, encarregando-a da produção de diversos exemplares da sua obra e ficando esta ainda com a obrigação de proceder à sua distribuição e venda; que jamais teve conhecimento do número de exemplares produzidos porquanto aquela nunca lhe prestou contas e que não foi zelosa na sua promoção e colocação no mercado, o que lhe acarretou inúmeros prejuízos quer sob o prisma de volume de vendas quer sob o da projecção pública.

A ré contestou, impugnando os factos alegados pela A. e recusando a qualificação jurídica por esta efectuada, defendendo que se trata antes de um contrato de fixação fonográfica, concluindo pela improcedência da acção.

Foi proferido o despacho saneador e seleccionada a matéria de facto, de que reclamou, sem êxito, a autora.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, finda a qual foi decidida a matéria de facto controvertida como consta do despacho de fls. 173 a 176, de que não houve reclamações.

Seguiu-se douta sentença que, na procedência parcial da acção, decidiu declarar nulo o contrato identificado na alínea e) da factualidade assente e condenar a ré a restituir o original da obra nele mencionada à autora, absolvendo-a dos restantes pedidos.

Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso para este Tribunal e apresentou a sua alegação com as seguintes extensas conclusões:

  1. A primacial questão centra-se na qualificação do contrato - a A. qualifica como contrato de edição; a Demandada como contrato de fixação fonográfica; B) No caso em apreço encontram-se reunidos os elementos cuja verificação o artigo 83º do CDA exige para que possamos qualificar o contrato como de edição, porquanto resultaram provados os seguintes factos: - no âmbito da actividade de cariz cultural que desenvolve, a A. procedeu à selecção de algumas das mais marcantes obras do espólio da canção de Coimbra, transformando-as e introduzindo significativas alterações ao seu formato original (alínea c) da fundamentação de facto da sentença); - a A. encarregou a Demandada da criação de diversos exemplares da sua obra e do encargo de proceder à sua distribuição e venda (alínea d) da fundamentação de facto da sentença); C) O artigo 83º oferece uma noção de contrato de edição, definindo os requisitos que obrigatoriamente o preenchem, ao passo que o artigo 86º limita-se a enunciar no seu n.º 1 as menções que deverão figurar no mesmo (sem que da sua ausência possa resultar uma recusa de qualificação do contrato como de edição), designadamente o número de edições, o número de exemplares que cada edição compreende e o preço de venda ao público de cada exemplar; D) A douta sentença recorrida entende, porém, que, por não se encontrarem previstos no contrato estes elementos, o mesmo não poderia configurar um contrato de edição; E) Tal entendimento não se nos afigura correcto, na medida em que: quanto ao número de edições, o n.º 2 do citado artigo 86º prescreve que, se este número não tiver sido fixado contratualmente, o editor apenas está autorizado a fazer uma; no que tange ao número de exemplares, determina o n.º 3 do mesmo normativo que, se o contrato for omisso, o editor fica obrigado a produzir, pelo menos, dois mil exemplares da obra; no que concerne ao preço de venda, rege o artigo 91.º do CDA, de acordo com o qual, na falta de estipulação quanto à retribuição do autor, este tem direito a 25% sobre o preço de venda ao público de cada exemplar, encontrando-se este preço plenamente provado quer testemunhal quer documentalmente; F) No que se refere ao preço de venda ao público, foi produzida prova testemunhal e documental bastante de molde a aquele poder ser determinado com precisão: G) Assim, dos documentos n.ºs 3 e 4 juntos à P.I., nos quais se lê claramente "3 CD T........, ao preço unitário de 2.000$00, total de 6.000$00 (documento n.º 3) e 3 cassetes T.........., ao preço unitário de 750$00, num total de 2.250$00 (documento n.º 4)". Saliente-se que a ora recorrida jamais contestou a veracidade ou validade de tais documentos, aceitando-os tal como foram juntos aos presentes autos; H) Ademais, face à prova produzida em sede de audiência, designadamente a constante da gravação realizada, impunha-se decisão oposta à preconizada na sentença, referenciando-se o depoimento das testemunhas Joaquim ........., cujo depoimento ficou gravado na cassete n.º 2, lado A, do n.º 0 ao 143, e Hernâni ........., cujo depoimento ficou gravado na cassete n.º 1, lado A, do n.º 0 ao 237, supra transcritos e para os quais se remete; I) No que se reporta à retribuição, dado que o n.º 3 do artigo 86º do CDA determina que, se o contrato for omisso quanto ao número de exemplares, o editor fica obrigado a produzir, pelo menos, dois mil exemplares da obra, a ora recorrente teria direito a uma retribuição no montante de 687.500$00 (€ 3.429,24); J) Porém, caso assim não se entenda, terá a ora recorrente direito a uma retribuição correspondente a 25% dos exemplares que foram considerados já vendidos, a saber: - N.........., L.da - 500 CDs e 500 cassetes = 187.500$00 - Câmara Municipal de .......... - 250 CDs = 75.000$00 - B.........., L.da - 300 cassetes = 22.500$00 num total de 285.000$00 (€ 1.421,57).

  2. Ademais, tem ainda a recorrente direito à retribuição sobre 150 CDs e 312 cassetes, cuja venda não foi declarada, mas que resulta do relatório pericial de fls., no total de 133.500$00 (€ 665,90); L) Tudo num total de 418.500$00 (€ 2.087,47), cfr. cálculos supra descritos e para os quais se remete; M) Afigura-se-nos não poder ser considerado o enquadramento operado pelo douto tribunal a quo, quando refere que estamos perante uma transmissão dos direitos de autor, regulada pelos artigos 40º a 55º do CDA, na medida em que consta do texto do contrato a "cedência de direitos totais fonográficos para terceiros e todo o mundo", cláusula alegadamente incompaginável com o regime do contrato de edição, designadamente com o previsto no n.º 1 do artigo 88º do CDA; N) Recorre, assim, ao preceituado no artigo 236º do Código Civil, por forma a ser apurado o sentido normal da declaração. Ora, escalpelizando o texto do contrato, revela-se uma tarefa complexa descortinar o português nele ínsito, pelo que mais penoso se torna determinar o sentido que um declaratário normal possa deduzir do comportamento do declarante.

    Logo, teríamos de recorrer ao artigo 237º do mesmo diploma, sendo que a qualificação do contrato como de edição é, indubitavelmente, aquela que conduz a um maior equilíbrio entre as prestações, porquanto gera obrigações e direitos correspectivamente proporcionais para ambas as partes.

  3. Reunindo-se no caso em apreço todos os requisitos constantes dos artigos 83º e 86º do CDA, revelar-se-ia mais coerente considerar a tal "cedência de direitos totais fonográficos" como consentimento do autor para que o editor pudesse transferir para terceiros os seus direitos emergentes do contrato de edição, tal como prevê o n.º 1 do artigo 100º do CDA; P) Quanto à indemnização peticionada pela recorrida, dispõe n.º 1 do artigo 90º do CDA, que ao editor é acometida a obrigação de fomentar, com zelo e diligência, a promoção e a colocação no mercado dos exemplares produzidos, devendo indemnizar o autor em caso de incumprimento; Q) O douto tribunal a quo entendeu que não se provou que a recorrida tenha agido sem o zelo ou diligência...

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