Acórdão nº 0326079 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Maio de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMARQUES DE CASTILHO
Data da Resolução03 de Maio de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto RELATÓRIO B..... e mulher C....., intentaram procedimento cautelar comum contra Câmara Municipal de..... e Associação Desportiva....., pedindo que as requeridas sejam condenadas: a) A absterem-se de pôr em funcionamento as torres de iluminação referidas nos nºs 41 a 42, mormente ligando os respectivos projectores; b) A absterem-se de fazer qualquer utilização do ringue referido no nº 12, para além das 18 horas e nos fins-de-semana; c) A absterem-se de colocar música ou provocar ruídos, mesmo até às 18 horas, acima do limiar máximo previsto na lei; d) A absterem-se de praticar qualquer desporto enquanto não fizerem a vedação da parte do recinto que contigua com os requerentes de forma a impedir que as bolas caiam na propriedade dos mesmos requerentes.

Após citação houve oposição da 1ª e 2ª requeridas que concluem pelo pedido de indeferimento da providencia tendo sido designado dia para a realização de audiência a que se procedeu com o formalismo próprio conforme na acta se exara após o que foi proferida decisão nos seguintes termos que passamos a reproduzir: "… de harmonia com o disposto nos arts 381 ° e ss. do C.P.C.

defere-se parcialmente a requerida providência e, em consequência, decide-se: a) Condenar as requeridas a absterem-se de exercer no recinto desportivo quaisquer actividades ruidosas temporárias, designadamente, competições desportivas, para além do disposto no artigo 9° n.º 1 do D.L. 292/2000, de 14.11, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 5 do mesmo preceito legal; b) Condenar as requeridas a absterem-se de utilizar o recinto desportivo para a realização de jogos de futebol aos fins-de-semana; c) Condenar as requeridas a absterem-se de utilizar o recinto desportivo para a realização de treinos de futebol durante a semana, para além das 22 horas; d) Absolver as requeridas dos restantes pedidos.

Inconformadas com o teor da decisão vieram oportunamente as requeridas interpor o presente recurso qualificado como de agravo a subir imediatamente e nos próprios autos tendo nas alegações para o efeito apresentadas aduzido a seguinte matéria conclusiva que passamos a reproduzir nos seus precisos termos e respectivamente, pese embora a sua extensão e prolixidade: Da Câmara Municipal de.....

1 - Na situação em análise, o objecto do presente recurso prende-se com a questão de determinar se a sentença recorrida ao decidir pela concreta proibição de utilização do recinto desportivo em causa ao fim de semana para realização de jogos de futebol, se baseia ou não numa defesa desproporcionada dos direitos de personalidade em questão, face aos outros direitos, que no caso, com eles entram em conflito.

2 - Ora, como seguidamente se demonstrará, tal questão não pode deixar de ter uma resposta positiva.

3 - Efectivamente, refere e bem o MM Juiz a quo, face aos direitos dos Recorridos, quais sejam, o direito ao descanso, tranquilidade e sossego, que os mesmos são abrangidos pela tutela geral dada aos direitos de personalidade no âmbito do disposto no art. 70º do Código Civil.

4 - "O direito ao sono e ao repouso inserem-se nos direitos de personalidade, de protecção da saúde e a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado" - Vd. Ac. da Relação do Porto de 22.02.1999, in Bol. do Min. da Justiça, 484,440.

5 - Sendo certo que, e atendendo ao circunstancialismo envolvente da providência requerida pelos ora Recorridos, que o ruído influí evidentemente na necessidade de protecção de tais direitos de personalidade.

6 - A este respeito, é pois insusceptível de qualquer reparo a sentença em recurso ao referir a fls. 12, "Ora, o ruído constitui uma ofensa ecológica com repercussões psicológicas e fisiológicas graves, podendo implicar, além do mais, distúrbios no sono e problemas psicológicos como a irritabilidade, fadiga e diminuição da capacidade de concentração (são informações da Organização Mundial de Saúde)." 7 - Contudo, e não obstante tais direitos ao sossego, repouso e tranquilidade, gozem de garantia constitucional, isto é, da plenitude do regime dos direitos, liberdades e garantias, devendo prevalecer em relação a outros que com eles entrem em conflito, na verdade, a sua tutela não pode ser ilimitada, em detrimento constante de outros direitos igualmente merecedores de tutela jurídica, sob pena de nunca se atingir a justa composição dos interesses em jogo.

8 - Ora, como seguidamente se demonstrará, tal ocorre no caso sub judice.

9 - É que, face aos direitos em conflito, não pode a Recorrente deixar de achar excessiva a total limitação de utilização do recinto desportivo em apreço para a realização de jogos de futebol durante o fim-de-semana.

10 - Isto porque, ao lado dos concretos direitos dos Recorridos, já acima direitos concretamente enumerados, encontram-se os direitos de toda uma colectividade, no caso os moradores da Urbanização....., quanto à possibilidade de utilização e fruição do seu recinto desportivo, aí praticando as mais diversas actividades desportivas que tal espaço se destina a proporcionar.

11 - Direitos que, tal como refere a douta decisão recorrida, igualmente se encontram consagrados na Constituição da República Portuguesa nos seus arts. 70º e 73°, no âmbito dos direitos culturais.

12- Tal significa que, pese embora a circunstância de perante um conflito de interesses desiguais prevalece o que se deva considerar superior, atendendo à análise dos factos concretos, ocorreu uma defesa desproporcional e excessiva dos direitos dos Recorridos em detrimento do direito de uso e fruição do recinto desportivo em questão, que igualmente goza de tutela por parte da nossa lei fundamental.

13 - Efectivamente, no caso em apreço, não se verifica a ocorrência de circunstâncias que pela sua reiteração e gravidade, justifiquem a primazia de tais direitos de personalidade.

14 - Assim sendo, considera a Recorrente, inversamente ao entendimento plasmado na douta decisão recorrida, que não devem prevalecer os alegados direitos de personalidade dos Recorridos, sob pena de, tal protecção ser levada, no caso concreto, a uma situação desequilibrada e desproporcionada, impedindo a justa composição dos interesses em jogo.

15 - Isto porque, o direito que assiste aos moradores da Urbanização..... quanto à utilização do recinto para a prática desportiva, envolve, não apenas o direito ao lazer e aos tempos livres dessas pessoas, mas também outros interesses sociais de elevada importância, que ao não serem tidos em consideração, acabaram por conduzir ao seu sacrifício desproporcional.

16 - De facto, não nos podemos esquecer que estamos perante um recinto desportivo integrado na construção de habitação social, no âmbito do P.E.R., que permitiu a possibilidade de aproximadamente 250 famílias, passarem a viver num lar condigno, abandonando as precárias condições de existência em que anteriormente viviam.

17- Deste modo, torna-se evidente o escopo social subjacente ao funcionamento de tal recinto, integrado no Conjunto Habitacional das....., nomeadamente no que diz respeito à necessidade de ocupação dos tempos livres de jovens pertencentes a famílias carenciadas, e que por tal motivo, não tem disponibilidade de ocupar os seus filhos através de outro tipo de actividades, que necessariamente implicariam custos elevados que as mesmas não tem possibilidade de suportar.

18 - Ocupação essa de tempos livres, tão essencial aos jovens dos nossos dias, quanto necessária, para permitir o seu afastamento da denominada delinquência juvenil, com especial incidência, no famigerado "mundo" da droga, em cuja "teia", infelizmente, e cada vez mais, é apanhada a juventude dos tempos modernos.

19 - Ou seja, sendo evidente e inegável a elevada importância do escopo social subjacente à criação de tal recinto desportivo, o seu sacrifício, face aos interesses dos Recorridos, não pode deixar de se considerar como desproporcional e excessivo, face à limitação total da realização de jogos de futebol ao fim de semana, altura em que tais jovens sentem uma maior necessidade de ocupação dos seus tempos livres.

20 - Tanto mais que, não se compreende a condenação na abstenção de utilização de tal recinto desportivo, durante o fim-de-semana, apenas quanto a jogos de futebol quando se permite a sua utilização em relação a outras actividades.

21 - Assim, e atendendo à circunstância de igualmente ser admitida a utilização do espaço em questão, para a realização de treinos de futebol durante a semana, até às 22 horas, o natural seria, que após os treinos semanais, os jogos se realizassem precisamente durante os fins-de-semana, altura em que os utilizadores do recinto, tem uma maior disponibilidade horária proporcionada por tal período de tempo, permitindo não só a prática desportiva mas...

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