Acórdão nº 0336435 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Janeiro de 2004 (caso NULL)
Magistrado Responsável | GONÇALO SILVANO |
Data da Resolução | 08 de Janeiro de 2004 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: I- Relatório Município de ..........., com sede na Praça ............., em ........., intentou a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra, A..............., Ldª., com sede em .............., ........., pedindo que seja declarado extinto o contrato de concessão celebrado com a ré, e que esta seja condenada a reconhecer que é dono e legítimo proprietário do prédio identificado nos artigos 1 ° e 2° da petição inicial, a despejar o local objecto da concessão, e no pagamento de sanção pecuniária compulsória não inferior a 150.000$00 por dia.
Alegou, para tanto e em síntese, que: - é dono e legítimo proprietário de um prédio urbano, por si construído há mais de 35 anos e adquirido por usucapião, no qual se encontra instalado um estabelecimento de restaurante e um bar na zona envolvente, cuja exploração cedeu à ré, nos termos que constam do contrato com ela celebrado por escritura pública e com início em 01/10/89, o qual se extinguiu por decurso do respectivo prazo em 01/10/99, sendo que a ré se recusa a proceder à sua entrega mantendo-se na sua fruição sem consentimento do autor.
Em contestação a ré excepcionou a ilegitimidade do autor e deduziu a intervenção principal provocada da Administração do Porto de ......... com fundamento no seu eventual direito de propriedade sobre o prédio em questão, e impugna parcialmente a factualidade invocada pelo autor, alegando que não existia no prédio, estabelecimento comercial sendo de arrendamento o contrato celebrado, o qual, não tendo sido válida e oportunamente denunciado por nenhuma das partes, se renovou no termo do seu prazo inicial, ou terá, pelo menos, de se considerar prorrogado no seu prazo de vigência, até que o autor crie as condições necessárias ao exercício do acordado direito de preferência na celebração de novo contrato, acusando-o de agir de má fé ao publicitar a abertura do concurso público para a exploração do estabelecimento comercial após o termo prazo do contrato e ao dá-lo sem efeito depois, e ainda de pretender furtar-se ao pagamento da indemnização devida, conforme acordado, pelo material e equipamento adquirido e pelas benfeitorias realizadas pela ré no estabelecimento durante a concessão.
Deduziu também a ré reconvenção, pedindo a condenação do autor no pagamento da aludida indemnização, que computou na quantia global de 25.956.280$00, e, bem assim, no reconhecimento do seu direito de retenção sobre o estabelecimento até ao pagamento dessa indemnização.
O autor apresentou réplica, na qual impugna a factualidade alegada pela ré como fundamento das invocadas excepções, má fé e pedido reconvencional, e conclui pugnando pela sua total improcedência.
Foi proferido despacho, onde se indeferiu o incidente de intervenção principal provocada da Administração do Porto de Aveiro, a que se seguiu a prolação de despacho saneador, julgando-se aí improcedente o pedido de condenação da ré no pagamento de sanção pecuniária compulsória, e efectuou-se em seguida a selecção dos factos assentes e organizou-se a base instrutória.
Após julgamento a acção foi julgada parcialmente procedente, por provada, e, consequentemente, 1-Declarou-se : a) Que o autor Município de ..........., é dono e legítimo proprietário do prédio e estabelecimento identificado na matéria de facto acima descrita; b) Que se encontra extinto, por caducidade, desde 01/10/99, o contrato de concessão de exploração que incidiu sobre essa mesmo estabelecimento.
e condenou-se a ré "A................, Lda.": a) A reconhecer o que aqui se declarou em 1.1., a) e b); b) A entregar ao autor o identificado estabelecimento comercial objecto do contrato aqui em causa, com todos os seus elementos; 2. Julgou-se a reconvenção parcialmente procedente, por provada, e, consequentemente, condenou-se o reconvindo Município de ...........: a)a pagar à reconvinte A................, Ldª, a indemnização no montante global de 121.328,17€ (cento e vinte e um trezentos e vinte e oito euros e dezassete cêntimos), acrescido dos correspondentes juros de mora, calculados à taxa legal de 7%, vincendos desde o trânsito em julgado da presente sentença e até efectivo e integral pagamento; b)a reconhecer à reconvinte o direito de retenção do estabelecimento comercial que é obrigada a restituir ao reconvindo, até ao pagamento da indemnização acima referida.
Discordando desta decisão dela recorreu o autor, tendo no final das respectivas alegações, formulado as seguintes conclusões: 1) Na esteira do Ac. do STJ de 03/05/90, proferido no âmbito do processo n.° 077854, em que foi relator o Juiz Conselheiro Solano Viana, «é indispensável alegar, como fundamento de indemnização por benfeitorias necessárias e benfeitorias úteis, quais as obras correspondentes a cada uma das espécies e ainda, quanto às necessárias, que elas se destinaram a evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa e, quanto às úteis, que a valorizaram, que o levantamento a deterioraria e quais o respectivo custo e actual valor » - também neste sentido, Ac. da RP, de 20/07/1978 (CJ, 1978, 4.° - 1214) e Ac. do STJ, de 26/02/1992 (BMJ, 414.° - 556).
2) Ora, não só dos presentes autos não constam elementos suficientes para se decidir a natureza das benfeitorias realizadas, como, por outro lado, a recorrida não alegou, como legalmente lhe incumbia, que o levantamento dessas benfeitorias iria provocar detrimento na coisa, objecto de exploração.
3) Porque não nos compete, naturalmente, qualificar as benfeitorias ou alegar que as mesmas não se destinaram a evitar a perda ou deterioração do imóvel, a verdade é que não se compreende como é que a aquisição de um grelhador de, frangos ou a construção de um pavilhão de gelados poderão ser consideradas como indispensáveis para a conservação da coisa...
4) Acresce, ademais, que as benfeitorias efectuadas consistem em obras de natureza estética ou de equipamentos que podem ser perfeitamente levantadas, sem detrimento da coisa: é o caso, por exemplo, da instalação de um exaustor e de dois caloríferos, da colocação de um reclamo luminoso, da instalação de um parque infantil com baloiços, da instalação de quatro mastros para bandeiras, de seis prateleiras para o bar...
5) Nestes moldes, e de acordo com a jurisprudência esmagadoramente aceite, não tendo a recorrida alegado e provado que do levantamento das benfeitorias resultaria detrimento para a coisa, não pode reconhecer-se-lhe o direito de exigir o valor daquelas benfeitorias - vide, neste sentido, o Ac. da RL, de 30/1/1992 (CJ, 1992, 1.1 - 150), Ac da RP, de 02/05/1996 (CJ, 1996, 3.0 - 106), Ac. da RC, de 24/06/1997 (BMJ, 468.° - 484), Ac. da RL, de 30101/1992 (CJ, 1992, 1.0 - 150).
6) Nos termos do art. 64.°, n.° 2, al. b) da Lei n.° 169/99, de -18 de Setembro e do art. 21.° n.° 1 Lei n.° 159/99, de 14 de Setembro, compete aos municípios, respectivamente apoiar actividades de natureza cultural, desportiva e recreativa e proceder à gestão e à realização de investimentos públicos em matéria recreativa de interesse municipal.
7) Ora, foi precisamente o que sucedeu no caso vertente, em que não foi apenas a cessão da exploração do estabelecimento que foi objecto do contrato, mas também o espaço envolvente, por forma a tornar o local mais aprazível e atractivo, tendo, assim, o bem em causa como função satisfazer necessidades colectivas inerentes à sua existência e utilidade pública.
8) De acordo com o concluído supra, facilmente se constata que o Município não concessionou a exploração do restaurante-bar e da zona envolvente em ordem a obter apenas e tão somente rendimentos, sendo a sua principal finalidade, isso sim, promover a satisfação das necessidades públicas e colectivas.
9) Estamos, naturalmente, perante o exercício de um serviço público ou de utilidade pública, na medida em que o recorrente, ao conceder a exploração do espaço e estabelecimento em apreço, age com o intuito de assegurar a prestação de utilidades concretas à colectividade, ao interesse público geral.
10) Assim, sendo o bem pertencente ao Município e estando afectado a fins de utilidade pública, o mesmo é indisponível, pelo que não pode ser objecto do direito de retenção - cfr. art. 822.°, al. b) do CPC e 756.°, al. c) do CC. e Marcello Caetano, op.cit.
11) O direito de retenção destina-se, como resulta de forma clara da letra da lei, a atribuir a faculdade de reter ou não, restituir uma coisa alheia que possui ou detém até ser pago do que lhe é devido, por causa dessa coisa, pelo respectivo proprietário - hoc sensu, entre outros, Ac. do STJ, de 18/12/1970, BMJ.
12) É, pois, um verdadeiro direito real de garantia, e não de gozo, e, como tal, o titular do direito de retenção não possui a faculdade de utilizar a coisa retida, precisamente porque não é função do aludido direito proporcionar o gozo ou fruição da coisa.
13) Nestes moldes, importa concluir que o juízo decisório levado a efeito pelo Meritíssimo Juiz a quo padece de erro de julgamento, na medida em que o direito de retenção sendo um direito real de garantia e não de gozo, não confere jamais a faculdade de fruição da coisa como a sentença decidiu e como sucede na realidade.
14) Finalmente, verificando-se, como se verificam, os pressupostos de que depende o enriquecimento sem causa, é por demais evidente que a recorrida se está injustamente a locupletar à custa do recorrente e que, assim, ao contrário do que em erro de julgamento foi decidido, não deve ser admitida a fruir a coisa concessionada.
Houve contra-alegações onde se defende a sentença na parte recorrida.
Corridos os vistos, cumpre decidir: II- Fundamentos a)- A matéria de facto provada.
1.3.Por escritura pública de 20/03/91, outorgada no Departamento Administrativo e Financeiro da Câmara Municipal de ..........., foi celebrado um contrato intitulado "concessão de exploração", no qual intervieram como 1° outorgante José ............, outorgando em nome da referida Câmara e como segundos outorgantes...
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