Acórdão nº 0341618 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Janeiro de 2004 (caso NULL)
Magistrado Responsável | CONCEIÇÃO GOMES |
Data da Resolução | 07 de Janeiro de 2004 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam em Audiência na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1.
RELATÓRIO 1.1. No Tribunal Judicial da Maia 2º Juízo Criminal o Ministério Público deduziu acusação em processo comum com intervenção de tribunal singular contra Carlos..., identificado nos autos, imputando-lhe a prática de factos integradores, como autor material, de um crime continuado de abuso de confiança em relação à Segurança Social, p. e p., à data dos factos, pelas disposições combinadas dos arts. 27º-B e 24º, nºs 1 e 3 do DL nº 20-A/90, de 15.1., na redacção dada pelo DL 140/95, de 14.06. e, actualmente p. e p. pelo art. 107º da Lei nº 15/2001, de 5.6.
1.2. O Assistente I.G.F.S.S. deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, peticionando a sua condenação ao pagamento da quantia de 7.336.088$00, acrescida dos juros vincendos, calculados à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento (fls. 190 a 192).
1.3. Efectuado o julgamento foi julgada a acusação procedente, por provada, e, em consequência, foi o arguido Carlos... condenado pela prática, como autor material, de um crime continuado de abuso de confiança em relação à Segurança Social, p. e p. pelo art.27º-B do DL 20-A/90, de 15.1., na redacção dada pelo DL 140/95, de 14.06, por referência ao art. 24º, nº1 do DL 20-A/90, na redacção do DL 394/93, de 24.11 e ainda ao art. 30º, nº2 do CP, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 119,71 Euros - o que perfaz o valor de 21.548,07 Euros ou, subsidiariamente, nos termos do art. 11º, nº5 do DL 20-A/90, em 120 dias de prisão.
Quanto ao pedido civil, foi julgada improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva do demandado Carlos..., e julgado procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo I.G.F.S.S. e, consequentemente, foi o demandado Carlos... condenado a pagar ao demandante a quantia de 36.592,25 Euros, acrescida de juros de mora vincendos desde a data de formulação do pedido, calculados à taxa legal e nos termos previstos para as dívidas de impostos ao Estado, até efectivo e integral pagamento.
1.4. Inconformado com a sentença dela interpôs recurso o arguido, que motivou, concluindo nos seguintes termos: "1. O recorrente foi constituído arguido com a notificação da acusação pública, nos termos do art. 57º, nº1, do CPP.
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Porém, com a constituição de arguido, não lhe foram comunicados e, tão pouco, explicados, os direitos e deveres inerentes a essa qualidade, em violação do art. 58º, nºs 2 e 3 do CPP.
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A omissão de tais formalidades, tem por consequência que não possa ser levada em conta, para efeitos de condenação, a confissão que o arguido fez, em audiência de julgamento, dos factos que lhe eram imputados na acusação.
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Tendo o Tribunal recorrido fundado a condenação em tal confissão, violou o disposto no art. 58º, nº 4, do CPP.
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Assim, afastada que está a possibilidade de condenação com base naquela confissão, e na falta de outra prova suficiente e convincente, terá a acusação que improceder, improcedendo também, por consequência, o pedido de indemnização civil.
Sem prescindir 6. Os arts. 24º, nº1 e 6º, ambos do DL nº 20-A/90, de 25JAN, são inconstitucionais, por violação grave do preceitos e princípios basilares da CRP, mormente do art. 1º (dignidade da pessoa humana) 2º (princípio do Estado de Direito Democrático), 9º, al. d), 18º, nº2 (princípio da proporcionalidade) e 13º (princípio da igualdade).
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Deverá ser declarada a inconstitucionalidade de tais preceitos, com as legais consequências.
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Encontra-se prescrita a responsabilidade civil do recorrente, porque já decorridos mais de 3 anos desde a prática do facto e da data em que era exigível o pagamento, nos termos do previsto no art. 498º/1, do C. Civil, prescrição que se invoca para todos os efeitos legais.
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O tribunal recorrido violou, por omissão, o art. 498º, nº1, do c. Civil e o art. 496º, do CPC, na medida em que devia ter conhecido oficiosamente de tal excepção peremptória.
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Embora a douta decisão recorrida o não refira expressamente, a responsabilidade do recorrente é fundada no que dispõe o art. 13º, do DL nº 103/80.
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Porém, tal diploma legal não foi objecto de referenda governamental como impõe o art. 197º/1 e o art. 140/1, ambos da CRP e, como tal, é juridicamente inexistente, nos termos do nº2 deste preceito.
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A responsabilidade do recorrente é meramente subsidiária, na medida em que o DL nº 68/87, de 09FEV, estabelece que à responsabilidade dos gerentes a que se refere o art. 13º, do DL nº 103/80, é aplicável o art. 78º do C. S. Comerciais.
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Deste modo, o demandante apenas poderia responsabilizar o demandado acaso tivesse alegado e provado que o património da sociedade é insuficiente para pagamento da dívida e que tal se ficou a dever a culpa efectiva ou subjectiva do demandado/gerente, nomeadamente motivada por má gestão ou gestão dolosa.
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Ora, a demandante não alegou tais factos e, por isso, também não provou.
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Aliás, ao invés, o que resultou provado foi que a falta de pagamento das contribuições se ficou a dever a manifesta crise financeira da empresa, motivada por conjunturas de mercado, exógenas.
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Assim sendo, violou o Tribunal recorrido, por omissão, o artigo único do DL nº 68/87, de 09FEV e bem assim o art. 78º, do C. S. Comerciais, marginalizando a natureza subsidiária da responsabilidade do recorrente».
Termina pelo provimento do recurso.
1.5. Na 1ª Instância houve Resposta do Ministério Público, quanto à parte criminal da decisão recorrido, concluindo pela improcedência do recurso.
1.6. O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se pelo não provimento do recurso, concordando com a resposta do MºPº em 1ª Instância.
1.7. Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP.
1.8. Procedeu à documentação dos actos da audiência.
1.9. Foram colhidos os vistos legais.
1.10. Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo.
***2.
FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos: 2.1.1. "Carlos André... & Cª, Lda." era uma sociedade por quotas devidamente matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Santo Tirso sob o nº..., tendo como objecto social a indústria metalomecânica e serralharia civil; 2.1.2. Tinha ao seu serviço nove trabalhadores e aderiu ao acordo para pagamento das dívidas à segurança social ao abrigo do DL 124/96, de 10.08, o qual foi rescindido por incumprimento; 2.1.3. O arguido Carlos... o único responsável de facto pela administração da sociedade; 2.1.4. A firma, através do seu representante, não efectuou o pagamento das quotizações devidas por retenção da percentagem legal sobre as remunerações dos trabalhadores relativamente aos meses decorridos entre Julho de 1995 a Janeiro de 1998 (no total de 31 meses), no valor global de 4.276.911$00; 2.1.5. O arguido, actuando em nome e no interesse da arguida, não procedeu à entrega dos valores em causa no cofre da Segurança Social no dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam, nem nos noventa dias posteriores às datas em que foram efectuadas cada um das retenções, e até à presente data, o arguido não procedeu à entrega na instituição de segurança social competente da quantia referida; 2.1.6. Tais obrigações retidas, pertença da segurança social, foram apropriadas pelo arguido e diluídas na sociedade; 2.1.7. O arguido sabia que as contribuições legalmente retiradas dos salários dos trabalhadores ao serviço da firma era pertença e se destinavam a serem entregues à Segurança Social e não procedeu a tal entrega, delas se apropriando a favor dessa sociedade, integrando-as no normal giro económico da mesma, como era sua intenção; 2.1.8. O arguido reiterou sucessivamente o desígnio de apropriação, cometendo de forma homogénea os repetidos actos criminosos, favorecidos pelas mesmas circunstâncias exteriores e servindo-se dos mesmos métodos que, sucessiva e repetidamente, se foram revelando aptos para atingir os seus fins; 2.1.9. O arguido actuou sempre num cenário de oportunidades com que se ia confrontando no exercício da sua actividade e das quais se foi sucessivamente aproveitando; 2.1.10. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era passível de censura penal; 2.1.11. O Demandante Civil reclamou no processo de falência da sociedade "Carlos André... & Cª, Lda.", que corre termos pelo 2º Juízo do Tribunal judicial da Comarca de Santo Tirso com o nº .../98, as contribuições em falta, devidas de Julho de 1995 até Janeiro de 1998; 2.1.12. Tal processo de falência aguarda a liquidação do activo da falida; 2.1.13. A sociedade "Carlos André... & Cª, Lda.", de que o demandado foi gerente, começou a enfrentar dificuldades económicas a partir de 1994; 2.1.14. A partir dessa altura, as encomendas dos clientes sofreram uma descida acentuada, que se reflectiu na diminuição dos lucros; 2.1.15. Foi ainda a empresa vítima de créditos que não conseguiu cobrar; 2.1.16. O demandado sempre pagou os salários aos seus trabalhadores; 2.1.17. O arguido Carlos..., actualmente gerente comercial de uma firma de pré-fabricados, aufere o ordenado base de 500 Euros, sendo que a dita firma obteve no ano transacto um lucro anual aproximado de 15.000 Euros; 2.1.18. A sua esposa é também gerente da mesma sociedade, auferindo igual retribuição mensal; 2.1.19. O arguido tem um filho de 6 anos a seu cargo; 2.1.20. Habita em casa própria, pagando ao Banco, a título de contraprestação mensal por empréstimo contraído para aquisição daquela, a quantia mensal de 350 Euros; 2.1 21.O arguido não tem antecedentes criminais.
2.2. Na sentença recorrida deram-se como não provados os seguintes factos: Não se apurou, com relevo para a decisão final, que : 2.2.1. O arguido apropriou-se das quantias mencionadas no nº 4 do ponto 3.1 em benefício próprio integrando-as no seu património; 2.2.2. A sociedade da qual o arguido era o gerente não teve outra solução que não fosse ela própria se tornar devedora à segurança social das quantias em apreço nos autos.
2.3.Na motivação...
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