Acórdão nº 0345554 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Dezembro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERREIRA DA COSTA
Data da Resolução10 de Dezembro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Helder... deduziu contra a hoje denominada Companhia de Seguros..., S.A. e contra António..., Ld.ª acção emergente de acidente de trabalho, pedindo que se condene as RR., na medida das suas responsabilidades, a pagarem-lhe a pensão, indemnização por incapacidade temporária e despesas com transportes, tudo acrescido dos juros legais ou, para a hipótese de não se provar a culpa da entidade empregadora, pede que se condene a 1.ª co-R. a pagar-lhe a pensão e indemnização que lhe cabe, bem como as despesas com transportes.

Alegou, em síntese, que no dia 14 de Novembro de 1994, pelas 14:30 horas, quando trabalhava subordinadamente para a 2.ª co-R. como aprendiz, mediante a retribuição equiparada de 36.975$00 x 14 + 15.150$00 x 11 + 505$00 x 22 x 11, por ano, estando transferida a responsabilidade para a seguradora, o A. deu uma queda em altura de cerca de 9 metros quando passava de um andaime para outro, desprotegidos por guarda-corpos e guarda-cabeças. Que por isso sofreu traumatismo crâneo-encefálico do parieto-occipital esquerdo, contusão cerebral e hematoma extradual, com epilepsia pós-traumática, do que lhe resultou ITA até 30-09-95, ITP de 30% até 18-09-96, data em que lhe foi dada alta, tendo ficado afectado com uma IPP de 12,5%.

Contestou a co-R. Empregadora alegando que o acidente ocorreu por culpa grave e indesculpável e exclusiva do sinistrado, concluindo, pois, pela sua absolvição do pedido.

Contestou a co-R. Seguradora, alegado em síntese que o A. tinha, à data do acidente, apenas 14 anos de idade e não tinha a escolaridade obrigatória e que a 2.ª co-R. o omitiu das "folhas de férias" desde Maio a Outubro de 1994, apenas constando o seu nome da "folha" de Novembro e enviada à contestante em Janeiro/95. Conclui ter o acidente sido causado por culpa exclusiva do A. ou por culpa da 2.ª co-R. e assim ser absolvida do pedido ou condenada apenas subsidiariamente.

Proferida sentença, foi a 2.ª co-R. absolvida do pedido e a 1.ª co-R. foi condenada nos termos do deduzido pedido subsidiário, na consideração de que o contrato de seguro cobre o sinistrado e de que na produção do acidente não ocorreu culpa nem do A. nem da 2.ª co-R.

Inconformada com o assim decidido, veio a 1.ª co-R. interpor o presente recurso de apelação, em cujo requerimento alegou a nulidade da sentença, pedindo que esta seja revogada e substituída por outra que a absolva do pedido, tendo formulado a final as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida encontra-se maculada pela manifesta oposição entre os fundamentos e a decisão, o que integra a previsão do Art.º 668°, n.° 1, alínea c) do Cód. Proc. Civil, verificando-se uma das causas de nulidade da sentença, o que, desde já, se argui para os devidos e legais efeitos.

  1. Tendo o Meritíssimo Juiz "a quo" considerado a existência de culpa grave do trabalhador na produção do acidente, teria necessariamente de extrair a conclusão óbvia, qual seja a de que o acidente se encontrava descaracterizado, face ao disposto na Base VI, n.° 1, alínea b) da Lei n.° 2.127, o que, todavia, não aconteceu; tanto mais que os argumentos invocados para considerar perfeitamente desculpável a conduta do sinistrado - "eficácia do trabalho" e "jovialidade inerente à sua pouca idade (14 anos)" - são manifestamente inócuos e irrelevantes para afastar a verificação daquele pressuposto (culpa grave).

  2. A decisão de condenar a Recorrente como principal responsável pelas consequências do mesmo, em virtude de ter considerado que o acidente não se encontra descaracterizado, encontra-se em inequívoca oposição com a fundamentação acerca da conduta do sinistrado, o que é conducente à nulidade da sentença, nos termos do Art.º 668.°, n.°1, al. c) do Cód. Proc. Civil.

  3. Relativamente à apelação, as questões que se colocam à apreciação deste Venerando Tribunal são as seguintes: a) Se o acidente ocorreu, exclusivamente por falta grave e indesculpável do trabalhador, hipótese em que estaríamos perante uma situação de descaracterização do acidente - cfr. Base VI, n.° 1, alínea b), da Lei n.° 2.127; e, b) Se o sinistrado se encontrava abrangido pelo contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado entre a Recorrente e a co-Ré "António..., L.da".

  4. Relativamente à primeira questão - descaracterização do acidente - a jurisprudência e doutrina dominantes consideram que a "falta grave e indesculpável" se deverá traduzir num comportamento temerário, desnecessário, inútil e causa exclusiva da produção do acidente, em que a vitima tenha conhecimento e consciência dos riscos, e, além disso, seja indiferente aos mesmos, ou os desafie.

  5. Tal equivale a dizer que não basta uma mera imprudência, descuido, falta de atenção, exigindo-se, ao invés, um incumprimento da elementar diligência usada pela generalidade das pessoas, segundo um padrão objectivo, fornecido pelo procedimento habitual de um homem de sensatez média, muito embora não possa desligar-se esse plano abstracto da avaliação casuística do comportamento do sinistrado, de acordo com as circunstâncias do caso concreto - neste sentido A. do S.T.J., de 12.05.89, in B.M.J., n.° 387, pág.400.

  6. Face à factualidade apurada nos autos, designadamente a constante dos Pontos 1.° a 6.° dos Factos Assentes, é indúbio que o comportamento do sinistrado Helder... integra o conceito de "falta grave e indesculpável", pelo que é conducente à descaracterização do acidente, nos termos do disposto na Base VI, n.°1, alínea b) da Lei n.° 2.127.

  7. Quanto à temeridade do comportamento do sinistrado, vem expressamente referido na decisão sob censura que "o sinistrado teve um comportamento temerário e muito arriscado ao persistir em saltar de uma varanda para a outra, apesar de ter sido advertido para o não fazer. Tal comportamento é revelador de culpa grave...

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