Acórdão nº 0352666 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Junho de 2003

Magistrado ResponsávelPAIVA GONÇALVES
Data da Resolução23 de Junho de 2003
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: MANUEL... e mulher PALMIRA..., MANUEL FERNANDO... e mulher MARIA... instauraram, no Tribunal de Círculo da comarca de Paredes, acção ordinária, contra J...,LDA, pedindo a condenação desta sociedade a demolir a ampliação do edifício de rés-do-chão destinado a instalações fabris de marcenaria, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado, a retirar o silo e o depósito de gasóleo do local onde se encontram e a pagar-lhes a quantia de 1.000.000$00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, com fundamento nos seguintes factos: São comproprietários, na proporção de metade cada um, de um prédio urbano, sito na Avenida das..., em..., Rebordosa, constituído por casa para habitação e comércio, com cave, rés-do-chão e andar para dois fogos, inscrito na matriz urbana sob o artigo...

Desde 1990 que residem na parte destinada à habitação do referido prédio, sendo aí que fazem as refeições, dormem, passam as horas de lazer e recebem familiares e amigos.

A ré é proprietária de um edifício destinado a instalações fabris de marcenaria que confina a norte com o prédio dos autores.

Este edifício inicialmente distava cerca de 15 metros da parede sul do prédio dos autores.

Em 1994, a ré deu início a obras de ampliação do seu edifício, prolongando-o em toda a extensão norte do seu terreno até à linha divisória do prédio dos autores, de molde que entre o mesmo e a parede sul do prédio destes ficaram a distar apenas 4,80 metros, tendo alterado toda a parede norte, que ficou paralela à parede sul, para 8 metros, o que acarretou uma diminuição acentuada da exposição solar e do arejamento do prédio dos demandantes, provocando o aparecimento de humidade na cave e na parede sul.

Nessa altura, o pai dos autores, então proprietário do prédio hoje destes, apresentou queixa na Câmara Municipal de Paredes, tendo tais obras sido objecto de embargo administrativo.

No entanto, apesar do embargo, as obras foram concluídas em 1995.

Na construção levada a cabo, a ré instalou, além de outras máquinas, um silo para aspiração de vernizes que se encontra encostado à parede norte do prédio da ré e está em funcionamento desde meados de 1995, durante a semana, diariamente das 8 às 12 horas e das 13 às 19 horas, produzindo ruídos contínuos e intensos que ultrapassam o limite legalmente estabelecido.

O funcionamento desse silo vem afectando a qualidade de vida dos autores e respectivos agregados familiares que, durante a semana, suportam diariamente os ruídos que o mesmo produz e, às sextas-feiras, dia em que a ré procede à limpeza e substituição dos filtros, expele para a atmosfera grandes quantidades de pó branco, constituído por resíduos de vernizes que vai depositar-se no prédio dos demandantes, sujando pátios, terraços e roupas que, por vezes, se encontram a secar.

Também, a cerca de 4,80 metros do prédio dos autores a ré instalou um depósito de gasóleo com capacidade para centenas de litros, criando uma situação de perigo iminente para aquele prédio e para quem nele habita.

Contestou a ré que, além de suscitar a incompetência material do Tribunal para conhecer das questões administrativas invocadas pelos autores, alegou o seguinte: As obras por si levadas a cabo foram-no no exercício do seu legítimo direito de propriedade e não violam quaisquer direitos dos autores.

A construção erigida é uma cobertura destinada ao armazenamento de madeiras secas e não alberga quaisquer máquinas ou equipamentos industriais que provoquem os danos reclamados.

Pelo contrário, até impede a propagação para a sua propriedade de poeiras e outros resíduos emanados das madeiras que sempre ali estiveram parqueadas.

Tal cobertura inicialmente possuía uma extensão de 12 metros e, por acordo entre a ré e os autores, foi reduzida para a sua configuração actual.

Houve réplica.

No saneador, o Mmo Juiz a quo julgou incompetente o Tribunal em razão da matéria para apreciar o pedido de demolição e, por falta de causa de pedir, declarou inepta a petição inicial relativamente ao pedido de condenação a retirar o depósito de gasóleo, absolvendo a ré, nessa parte, da instância.

Desta decisão foi logo interposto recurso de agravo com subida diferida, tendo os autores oferecido as seguintes conclusões: 1- O douto despacho recorrido decidiu julgar o tribunal incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de demolição do prédio da agravada, com base na violação das normas de carácter administrativo e no incumprimento da ordem camarária da demolição.

2- Fê-lo com fundamento de que aos tribunais comuns não compete decidir sobre a aplicação das regras do direito administrativo relativas à construção, edificação, competências essas que incumbe à administração pública e aos tribunais administrativos.

3- Porém, nos presentes autos discute-se o direito de propriedade dos agravantes e o poder dos mesmos de gozarem de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição do seu prédio.

4- O que é da competência dos Tribunais comuns, mesmo que a decisão implique a aplicação das normas de direito administrativo nos termos do disposto no artigo 96º do C.P.Civil.

5- Decidindo em contrário, violou o douto despacho recorrido os artigos 66º e 96º do C.P.Civil.

Por outro lado, 6- O despacho recorrido decidiu julgar verificada a excepção dilatória da nulidade da acção no que concerne ao pedido de condenação da ré a retirar do local onde se encontrava o depósito de gasóleo.

7- Fê-lo por entender que os agravantes não alegaram factos suficientes para suportarem tal pedido.

8- Porém, e a admitir-se a configurada situação, deveria o Mmo Juiz "a quo", nos termos do disposto no artigo 508º do C. P. Civil convidar os aqui agravantes a suprirem as consideradas deficiências fácticas da sua alegação.

9- Decidindo em contrário, violou o douto despacho recorrido, por erro de interpretação, o disposto no artigo 508º do C. P. Civil.

Não houve resposta.

O Ex.mo Juiz manteve o despacho em crise.

Condensado e instruído o processo, vieram os autores ampliar o pedido indemnizatório, reclamando 3.000.000$00 pelos prejuízos sofridos até à propositura da acção, 3.000.000$00 pelos danos patrimoniais e não patrimoniais ocorridos desde a propositura da acção até à sentença e a quantia a liquidar em sede de execução pelos danos verificados após a decisão, ampliação que acabou que foi admitida com o consequente aditamento dos pertinentes factos à base instrutória.

Por seu turno, os autores, na qualidade de legais representantes dos seus filhos, requereram a intervenção principal espontânea destes, o que foi indeferido.

Procedeu-se a julgamento e, por fim, sentenciou-se no sentido da procedência parcial da acção, condenando-se a ré a cessar a laboração do silo de aspiração de...

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