Acórdão nº 0355987 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Dezembro de 2003 (caso NULL)
Magistrado Responsável | FONSECA RAMOS |
Data da Resolução | 15 de Dezembro de 2003 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação do Porto "S................, Ldª.", intentou, em 20.10.1997, pelos Juízos Cíveis do ..........., actualmente .. Vara Cível, acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra: Adriano ................
Pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 10.000.000$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até efectivo reembolso.
Para o efeito, alegou ter o Réu assentido que na fracção sua propriedade fosse instalada a sede da Autora que, por isso, lhe pagava, em média 100.000$00 por mês, sem que tivesse sido celebrado, formalmente, um contrato de arrendamento.
Assim, ao longo do tempo em que ocupou as instalações, com o assentimento do Réu, edificou, a expensas suas, um pavilhão de 130 m2 no terreno que faz parte da referida fracção e no qual gastou 10.000.000$00, na perspectiva de aí prosseguir a sua actividade social, como veio a acontecer.
Tendo a Autora, no âmbito de uma providência cautelar, instaurada pelo Réu, sido forçada a sair do local, dada a inexistência de um contrato de arrendamento, quando o Réu sempre lhe assegurou utilização do mesmo e não exigiu formalização do contrato, causou-lhe os prejuízos decorrente da realização da referida edificação sem que tivesse retirado os benefícios que esperava.
De qualquer forma, o património do Réu saiu aumentado pelo valor da referida edificação e à custa do seu empobrecimento.
O Réu contestou, dizendo ser verdade que consentiu que a Autora tivesse assento social nas suas instalações, mas que tal foi feito sem qualquer contrapartida.
Diz que o pavilhão em causa, sendo uma construção amovível e clandestina, foi por ele custeado e por uma outra empresa de que é sócio, sendo certo que o preço é inferior ao atribuído pelo Autor.
Por fim pede a condenação da Autora como litigante de má fé, em multa e indemnização que contemplem, designadamente, os custos do patrocínio do Réu.
Na réplica, a Autora mantém ter sido ela quem custeou a construção do pavilhão, que entregou ao Réu quantias para pagamento de renda, sendo que a clandestinidade da construção tem a ver com o facto de a mesmo ter sido levada a cabo sem licença camarária, mas que o Réu se comprometeu a requerer e obter tal licenciamento que, como proprietário, da fracção só a ele cabia.
Concluiu, pedindo, ainda, a condenação do Réu como litigante de má-fé, em multa e indemnização, incluindo nesta as despesas do patrocínio.
**** Foi proferido despacho saneador - tabelar (fls. 197), determinada a matéria assente e fixada a base instrutória da causa (fls. 197-199), que motivaram as reclamações de fls. 202-203 e 204-205, decididas nos termos do despacho de fls. 214-215.
Realizou-se a audiência de julgamento, dentro do formalismo legal, tendo sido decidida a matéria de facto controvertida pela forma exarada no despacho de fls. 657-658.
*** A final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu o Réu do pedido.
*** Inconformada recorreu a Autora que, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1ª- A Autora peticionou que o Réu fosse condenado a indemnizá-la pela quantia que desembolsou ao custear a construção de um pavilhão numa fracção propriedade dele Réu, onde tinha a sua sede com o assentimento deste, enquanto, também com o assentimento deste, a ocupou para nela exercer o seu objecto social - até ter sido judicialmente forçada a sair da fracção.
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- Fê-lo com dois fundamentos de direito: responsabilidade civil pré-contratual e, subsidiariamente, com base em enriquecimento sem causa.
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- A aliás douta sentença recorrida rejeitou o mencionado primeiro fundamento "de jure", com o argumento de que, não se tendo provado que o Réu assegurara à Autora que formalizaria um contrato de arrendamento, "cairia por terra" a pretensão de o Réu ser responsabilizado perante a Autora, a título de "responsabilidade pré-contratual".
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- Trata-se porém, de um raciocínio inexacto, salvo o devido respeito: é que a Autora não imputa ao Réu o incumprimento de uma promessa de celebrar um contrato, pretende, sim, a sua responsabilização por falta da celebração de um contrato que legitimasse formalmente a permanência da Autora na fracção, por esta aí ter feito uma edificação baseada numa relação de confiança que tinha com o Réu.
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- Com efeito, para subsistir responsabilidade civil pré-contratual, não é por forma alguma necessário que se verifique o incumprimento de um compromisso ou de uma promessa: basta a existência de uma conduta de um agente que, pela confiança que implica, gera em outrem expectativas quanto à futura conduta desse agente, levando esse outrem a fazer dispêndios baseado nessa confiança que de outra forma não teria feito e de que se vê desembolsado quando o agente trai essas expectativas.
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- A questão subjacente à diferença entre as duas situações é sobejamente explicada pelo Prof. Baptista Machado na sua obra "Tutela da Confiança e Venire Contra Factum Proprium", como se explanou na presente alegação.
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- Encontrando-se, além do mais, provado que nunca se procedeu, pelo menos formalmente, à celebração de um contrato de arrendamento relativo a tal fracção ente ambos (Factos Assentes, al. E), e que a formalização de um contrato entre Autora e Réu nunca se deu por existir uma relação de confiança entre os gerentes da Autora e o Réu (resposta ao ponto 3° da Base Instrutória), 8ª- Segue-se que toda a "conduta comunicativa" do Réu - assentindo na instalação da sede, recebendo dinheiro, assentindo na construção, não formalizando qualquer acordo dada a existência de uma relação de confiança - pela sua pretensão de verdade ou de autenticidade, criou, como é de molde a criar, na Autora, a expectativa de que futuramente ele Réu não a "despejaria".
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- É nesses factos que se traduz a responsabilidade pré-contratual dele Réu perante a Autora, pelos prejuízos que para ela resultaram de o Réu ter traído essa confiança, ao provocar a saída forçada da Autora da sua fracção (cfr. al. E) dos Factos Assentes).
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- Ao contrário do afirmado na decisão recorrida, na culpa in contrahendo, as expectativas suscitadas na contraparte não resultam de uma promessa, ou de uma garantia assegurada, mas de uma actuação desconforme a actuações anteriores de um agente, actuação essa violadora de uma confiança que tais actuações legitimamente causaram - podendo afoitamente falar-se de uma responsabilidade "quase negocial" (ob. cit., pág. 366).
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- Ao quebrar a "fides" subjacente à ocupação e construção, quebrando o que o que se denomina por "autovinculação que origina a confiança" incorreu perante a Autora em responsabilidade civil pré-contratual, e como tal deverá a esse título ser condenado a ressarcir a Autora pelas quantias que esta despendeu na construção do pavilhão Cód. Civil, art. 227º, n°1.
Sem prescindir: 12ª- Para rejeitar o segundo fundamento da Autora - enriquecimento sem causa - a sentença recorrida sustentou que a Autora poderia ter lançado mão do instituto da indemnização por benfeitorias, pelo que, tendo aquele instituto carácter residual, estar-lhe-ia vedado invocá-lo.
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- Porém, sempre com todo o respeito, não se trata de uma focagem correcta nem rigorosa da situação: é que - desde logo -...
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