Acórdão nº 0411496 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Março de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelÉLIA SÃO PEDRO
Data da Resolução09 de Março de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório No -º Juízo do Tribunal Judicial de....., foi julgado em processo comum e perante tribunal singular o arguido B....., tendo sido proferida a seguinte decisão: "Neste termos e pelos fundamentos expostos, decide-se julgar totalmente procedente a acusação e, em consequência: a) condenar o arguido B..... como autor material de um crime de maus tratos a cônjuge p. e p. pelo artigo 152°, nos 1 e 2 do CP, na pena de 20 ( vinte meses) de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 2 (dois) anos.

  1. condenar o arguido B..... pela prática de dois crimes de ameaça p. e p. pelo artigo 153°, nºs 1 e 2, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa cada um, fixando-se a pena única em 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 4 (quatro) euros, num total de 1120 euros.

Mais se decide condenar o arguido no pagamento da taxa de justiça que se fixa em 2 UC, acrescida de 10/0, nos termos do art. 13°, n.3 do DL 423/91, de 30/10, bem como no pagamento das custas, sendo a procuradoria mínima.

Decide-se ainda julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido e, em conformidade, condenar o demandado B..... a pagar à demandante C..... a quantia de € 1.250 (mil duzentos e cinquenta) euros a título de danos não patrimoniais, absolvendo-se o demandado quanto ao restante peticionado.

Custas do pedido de indemnização civil por demandante e demandado, na proporção do respectivo decaimento".

Inconformado com tal decisão, o arguido recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões: 1- A acusação era obrigada a alegar factos, nomeadamente o circunstancialismo de tempo, modo e lugar capazes de caracterizar o crime de maus-tratos a cônjuge; ao não o fazer, não podia a sentença recorrida condenar o arguido pela prática de tal crime; 2- Não podia o arguido impugná-los especificadamente e daí a sua irrelevância jurídica, por serem conclusivos e desenquadrados do tempo, modo e lugar em que terão ocorrido e portanto incapazes de ser subsumidos no art. 152º do CP; 3- Para além disso, estes factos nunca foram impeditivos da vida em comum, até o arguido resolver abandonar a casa; 4- Os únicos factos concretos alegados pela acusação e dados como provados pela Ex.ª juíza recorrida foram tão só os ocorridos no dia 27 de Agosto de 2002; 5- Ora, o Tribunal recorrido omitiu quer declarações do arguido, quer declarações da testemunha D....., ou mesmo da ofendida, que como acima já transcrevemos da gravação áudio, afirmaram no decorrer da audiência que, nesta data, o casal encontrava-se separado de facto e, se se desse este facto como provado, também ele não seria integrador do crime de maus-tratos conjugais; 6- O art. 152º, 2 do CP não se basta com uma mera existência formal do casamento. O cônjuge só pode necessitar desta protecção especial quando a relação conjugal assenta numa vida familiar efectiva, "quando ambos viverem dentro das mesmas quatro paredes". Só assim se justifica uma punição autónoma mais grave. Logo, quando esta vivência familiar desaparece e a eventual subordinação de facto deixa de existir, não faz qualquer sentido a punição do cônjuge agressor; 7- Relativamente ao crime de ameaças, foi dado como provado apenas que "O arguido costumava ameaçar a esposa e o filho, dizendo que os havia de matar a tiro e incendiar a casa onde habitam"; "ao mesmo tempo que praticava as agressões (…) o arguido ameaçava a esposa e os filhos, dizendo que os matava a tiro e incendiava a casa"; ora, relativamente à primeira parte, falta o circunstancialismo de tempo e lugar, o que impede a defesa cabal do arguido, porque desconhece de que factos se há-de defender; 8- Relativamente à segunda parte, a ameaça refere-se ao presente "Ao mesmo tempo… o arguido ameaçava a esposa e os filhos, dizendo que os matava a tiro…", surge no contexto de uma discussão em que o arguido agride a ofendida. Logo não se trata de uma ameaça, de um mal futuro, mas antes da execução do próprio acto ameaçado, pelo que não configura o crime que vimos analisando, pelo que dele deve o arguido ser absolvido. A este propósito, veja-se, entre outros, o Ac. Rel. Porto, de 25/09/02, proc.0240259 e Anotação ao art. 153CP, Comentário Conimbricense, Tomo I; 9- Entre o crime de maus-tratos p. e p. pelo art. 152 e o crime de ameaças p. e p. pelo art. 153 do CP, há relação de especialidade, dado que toda a matéria de facto integradora do art. 152 consome inteiramente a matéria da norma geral; 10- Assim, exclui-se a aplicabilidade da norma geral devido a uma outra concorrente que agarra a situação com maior proximidade, prevalecendo a norma especial sobre a norma geral, logo, nunca o arguido poderia ser condenado pela prática de ambos os crimes; 11- Dado o que acima se disse, sob as conclusões 1 a 4, o arguido só poderá ser condenado pela prática do crime de ofensas à integridade física, p. e p. pelo art. 143 CP; 12- Ao fundamentar a decisão em sentido contrário ao das conclusões anteriores, a sentença recorrida está ferida de erro notório na apreciação da prova, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410, als. a) e c) do CPP; 13- Ao condenar o arguido pelos crimes de maus-tratos a cônjuge e ameaças, quer ao cônjuge quer ao E....., violou os arts. 127º do CPP, 152º e 153º do CP; 14- A decisão recorrida deve por isso ser anulada e substituída por outra que absolva o arguido dos crimes de maus-tratos a cônjuge e ameaças e do pedido de indemnização civil.

O MP junto do tribunal "a quo" respondeu à motivação, defendendo a improcedência do recurso e a consequente manutenção da decisão recorrida.

Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-geral-adjunto emitiu parecer referindo "haver um ponto em que o recorrente tem razão de modo claro. Diz respeito à qualificação jurídica dos factos: maus-tratos a cônjuge ou ofensa à integridade física. (…) De modo que, e em consequência, se deve, nesta parte, dar provimento ao recurso, condenando-se o recorrente, mas pelo crime p. e p. pelo art. 143 CP, em pena que deve ser de multa. Quanto aos crimes de ameaças (…) deve manter-se o decidido, subscrevendo-se aqui a reposta do MP em 1ª instância" Cumprido o disposto no art. 417, 2 do CPP, não houve resposta.

Colhidos os vistos, realizou-se a audiência de julgamento com observância de todo o formalismo legal 2. Fundamentação 2.1 Matéria de facto A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos: - O arguido foi casado com a ofendida C....., desde 31.12.1977, sendo pai do menor E....., nascido a 10.12.1990.

- De há cerca de 4 anos a esta parte o arguido vem agredindo a esposa na casa de residência de família, em....., ....., ....., agressões essas que se intensificaram a partir de Maio de 2002, altura em que o mesmo iniciou uma relação extra-conjugal.

- Para além disso, o arguido costuma ameaçar a esposa e o filho, dizendo que os há-de matar a tiro e incendiar a casa onde habitam.

- Assim, entre muitas outras vezes, no dia 27 de Agosto de 2002, pelas 21 horas e 30 minutos, na casa de residência da família, em....., ....., ....., o arguido...

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