Acórdão nº 0426863 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Dezembro de 2004 (caso NULL)
Magistrado Responsável | EMÍDIO COSTA |
Data da Resolução | 21 de Dezembro de 2004 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO B....., na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de seus pais, C..... e D....., intentou, no Tribunal Cível da Comarca do....., onde foi distribuída à respectiva -.ª Vara, a presente acção com processo ordinário contra: - "E....., L.da", pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento com esta celebrado, condenando-se a Ré a entregar imediatamente o arrendado, livre de pessoas e bens.
Alegou, para tanto, em resumo, que os autores da herança por si representada deram de arrendamento um prédio urbano sito na Rua....., ....., para o exercício do comércio de peixaria, a F..... e G....., que o vieram a trespassar a H..... e esta, por sua vez, à Ré; sucede que há mais de um ano consecutivo a Ré vem mantendo o estabelecimento encerrado, não lhe dando qualquer utilização.
Contestou a Ré, alegando, também em resumo, que o arrendado não oferecia as condições de salubridade e higiene necessárias ao exercício da sua actividade e isto apesar das obras por si aí levadas a efeito; pede, por isso, a improcedência da acção e, em via reconvencional, pede a condenação da Autora a reparar o edifício, quer na sua estrutura interna quer externa, por forma a evitar as infiltrações de humidade, bem como a reparação do interior da loja e do equipamento estragado; pede, ainda, a condenação da Autora a pagar a quantia provisória a título de prejuízos pela indisponibilidade do arrendado, desde Outubro de 1999 até à reparação integral dos danos referidos que, até ao presente, perfazem a quantia de Esc. 7.750.000$00; no caso se a acção proceder, pede a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de Esc. 6.460.00, referentes às obras por si realizadas no arrendado.
Na resposta, a Autora impugnou os factos relativos à reconvenção, concluindo como na petição inicial.
Proferiu-se o despacho saneador, consignaram-se os factos tidos como assentes e organizou-se a base instrutória, sem reclamações.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual se respondeu à matéria da base instrutória, também sem reclamações.
Finalmente, verteu-se nos autos sentença que julgando a acção totalmente improcedente e a reconvenção procedente, condenou a Autora a realizar as obras necessárias a assegurar o gozo do prédio para o fim a que se destina, ou seja, o comércio de peixe, a proceder à reparação da arca frigorífica na qual se verificaram problemas de funcionamento e a pagar à Ré a quantia a liquidar em execução de sentença relativa aos prejuízos decorrentes da indisponibilidade do locado desde Outubro de 1999 até à efectiva reparação deste.
Inconformada com o assim decidido, interpôs a Autora recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação e efeito meramente devolutivo.
Alegou, oportunamente, a apelante, a qual finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1.ª - "Face à matéria de facto dada como provada, resulta de forma inequívoca e dúvidas não subsistem, até porque existe reconhecimento da Apelada, que esta desde Outubro de 1999 mantém o locado encerrado e sem qualquer tipo de actividade comercial; 2.ª - Face à matéria de facto dada como provada, e mesmo sem cuidar ainda da reapreciação da prova produzida, nunca poderia o Tribunal concluir que o encerramento do estabelecimento derivou de condições para o exercício da actividade a que se destinava o locado; 3.ª - Não foi demonstrada a culpa ou incumprimento da Apelante na sua obrigação de assegurar o gozo do locado e da qual derive a obrigação de indemnizar a Apelada pelos lucros cessantes desde a data em que esta encerrou o estabelecimento e decorrente da inactividade; 4.ª - Ficou provado que a Apelada não denunciou a existência de anomalias no locado à Apelante, e muito menos que tais anomalias a impediam de manter o exercício do comércio; 5.ª - Não foi alegado e muito menos provado que a Apelante tinha conhecimento do estado do locado e da necessidade de proceder a obras; 6.ª - A obrigação do senhorio proceder a obras que garantam o gozo do locado só nasce após o cumprimento da obrigação do inquilino de avisar imediatamente o locador (Cód. Civil, art.º 1038.º al. h)); 7.ª - Inexistindo responsabilidade do locador se o inquilino não avisou o defeito ao locador (Cód. Civil, art.º 1033.º al. d)); 8.ª - Face à prova produzida, não poderia o douto Tribunal responder afirmativamente ao quesito 14 da Base Instrutória, já que nenhuma testemunha referiu a existência de infiltrações de água, nem destruição do tecto, nem tal poderá ser retirado de qualquer outro elemento de prova; 9.ª - Face ao confronto do depoimento das testemunhas I..... e L..... terá de se concluir que as fotografias juntas aos autos na douta petição inicial foram registadas em data posterior a Março de 2001, isto é, sempre mais de 18 meses após o encerramento do estabelecimento, sendo as mesmas insusceptíveis de criar no Tribunal a convicção de que era esse o estado do imóvel à data em que a Apelada procedeu ao seu encerramento; 10.ª - Não há nexo de causalidade entre o encerramento do estabelecimento e a actual falta de condições de gozo do locado e, mesmo que tal nexo seja extraível, face à resposta negativa ao quesito 18 da Base Instrutória, não é possível responsabilizar a Apelante pelos prejuízos decorrentes da indisponibilidade do locado desde Outubro de 1999 até à efectiva reparação deste (Cód. Civil 1038 al. h), 1033 al. d)); 11.ª - Sem a prova de que aquela denúncia por parte do inquilino foi efectuada à senhoria, não poderia o Douto Tribunal "a quo" estribar a condenação da Apelada nos prejuízos decorrentes da indisponibilidade do locado, seja eles em que montante forem; 12.ª - A douta Sentença recorrida procede a uma nítida inversão de direitos e obrigações das partes; 13.ª - Se a Apelada não fez a denúncia, e provado está que não a fez, obviamente que o encerramento do estabelecimento desde Outubro de 1999 até Abril de 2002, data em que em sede de contestação/reconvenção denunciou aquela impossibilidade, não pode constituir excepção ao direito de resolução do contrato por parte do senhorio, com fundamento na al. h) do art.º 64 da RAU; 14.ª - Pelo que deverá reconhecer-se verificado o pressuposto de que depende a resolução do contrato de arrendamento por parte da Apelante com aquele fundamento e, consequentemente, ser julgado procedente o pedido desta; 15.ª - Não existe ainda qualquer nexo de causalidade entre a possível avaria da arca frigorífica e as infiltrações de humidade decorrente do mau estado geral do edifício, nem mesmo a Apelada sustenta tal relação de causalidade; 16.ª - A apelada sustentou que a falta de funcionamento decorria de avaria na instalação eléctrica do imóvel (cfr. 1 2 e 13 da douta petição inicial), e a avaria desta é que terá provocado avaria na arca frigorífica; 17.ª - Ao quesito 16 da Base Instrutória, o douto Tribunal respondeu de forma negativa, isto é, não foi provado avarias na instalação eléctrica; 18.ª - Consequentemente, também não poderá ser dado como assente que a avaria da arca frigorífica decorreu das deficiências na instalação eléctrica do imóvel e, tanto assim é, que ao quesito 17 da Base Instrutória, o douto Tribunal apenas respondeu: "Houve problemas no funcionamento de uma arca frigorífica da Ré"; 19.ª - Sem nexo de causalidade, não pode o Douto Tribunal "a quo" condenar a Apelante na reparação da arca frigorífica".
Contra-alegou a apelada, pugnando pela manutenção do julgado.
...............
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684º, n.º3, e 690º, n.º 1, do C. de Proc. Civil.
De acordo com as apresentadas conclusões, as questões a decidir por este Tribunal são as de saber se deve ser alterada a decisão da matéria de facto da 1.ª instância e se, perante os factos provados, deve a acção proceder e a reconvenção improceder.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
II - OS FACTOS Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos: 1.º - A 22 de Julho de 1994, M....., N..... e P..... declararam que C..... faleceu, no estado de casado com D....., deixando como únicas herdeiras, a referida esposa e as filhas de ambos, B....., Q..... e R....., nos termos constantes do documento junto a fls. 5 a 7; 2.º - Aqueles deixaram bens; 3.º - A herança encontra-se indivisa, por partilhar; 4.º - Os autores da herança eram donos e legítimos possuidores do imóvel sito à Rua ....., n.º 1008/1010, ....., e por sucessão também o são os herdeiros representados pela cabeça de casal B.....; 5.º - Os autores da herança, em data não apurada, deram de arrendamento a F..... e G....., para o exercício do comércio de peixaria, o rés-do-chão do prédio referido no item 4.º, a que corresponde o número de polícia 1010; 6.º - A 29 de Abril de 1981, F..... e G..... declararam trespassar a H....., casada com S....., que declararam aceitar, o estabelecimento de peixaria instalado no rés-do-chão do prédio urbano situado na Rua ....., n.º 1008/1010, freguesia de ....., ....., tudo nos termos constantes do documento junto a fls. 12 a 14; 7.º - A 28 de Outubro de 1982, H..... e marido S..... declararam trespassar a E....., L.da, que declarou aceitar, o estabelecimento de peixaria instalado no rés-do-chão do prédio urbano situado na Rua ....., n.º 1008/1010, freguesia de ....., ....., tudo nos termos constantes do documento de fls. 16 a 20; 8.º - Pelo prazo de um ano, renovável por iguais e sucessivos períodos; 9.º - Actualmente, a renda mensal cifra-se em Esc. 18.575$00; 10.º - O exercício da actividade relativa a peixaria implica condições de salubridade e higiene; 11.º - B..... intentou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária contra E....., L.da, acção que corre os seus termos na -.ª Secção, da -.ª Vara Cível da Comarca do....., pedindo que se declare resolvido o contrato de arrendamento celebrado, condenando-se a Ré a entregar o locado livre de pessoas e bens, alegando a existência...
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