Acórdão nº 0436750 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Janeiro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução13 de Janeiro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na Secção Cível do tribunal da Relação do Porto RELATÓRIO No ...ª Vara de Competência Mista e Comarca de Vila Nova de Gaia veio a Companhia de Seguros B................., S A , instaurar contra C.......................... acção declarativa de condenação sob a forma ordinária.

Pede: A condenação do réu a pagar-lhe a quantia de 22.445,91 € acrescida de juros de mora desde a citação.

Alega: Que, na sequência de acidente de viação ocorrido por veículo automóvel conduzido pelo réu, foram causados danos a terceiros, os quais indemnizou, vindo agora exercer o direito de regresso pela quantias despendidas, em virtude de o réu, à data do acidente, não se encontrar devidamente habilitado a conduzir o veículo interveniente no sinistro que deu origem a tais danos.

O réu contestou, alegando que tal acidente não ocorreu pelo facto de não dispor da carta de condução, pelo que deve a acção ser julgada improcedente com a sua absolvição do pedido.

Foi proferido despacho saneador e organizada a relação da matéria assente e a base instrutória.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu o réu do pedido.

Inconformada com o assim sentenciado, veio a autora recorrer, apresentando as pertinentes alegações que termina com as seguintes CONCLUSÕES: "

  1. O fundamento da presente acção é o direito de regresso da seguradora contra o condutor não legalmente habilitado com a respectiva carta de condução, nos termos do artº 19º, início da alínea c) do Dec.-Lei nº 522/85, de 31.12.

  2. E não a condução sob a influência do álcool motivador do Douto Acórdão Uniformizador do S.T.J.

  3. A douta sentença ora recorrida enferma de um vício insanável, na medida em que a sua fundamentação de direito se destina a outro tipo de situação de facto, que não a trazida à sindicância do Meretíssimo Senhor Juiz a quo.

  4. O Apelado, no momento do acidente, não estava legalmente habilitado a conduzir com a respectiva carta de condução.

  5. Quando o condutor se coloca voluntariamente fora da normalidade dos fenómenos, incumprindo um preceito legal imperativo e potenciando a produção de um acidente faz com que o ónus da prova se inverta.

  6. Cabia-lhe o ónus de ilidir a presunção de que a falta de habilitação legal para conduzir nada teve de determinante para a produção do acidente dos autos.

  7. O que não aconteceu.

Assim, revogando a douta sentença ora recorrida, farão os VENERANDOS SENHORES JUIZES DESEMBARGADORES INTEIRA E SÃ JUSTIÇA".

O apelado contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

  1. FUNDAMENTAÇÃO.

    II.1. AS QUESTÕES: Tendo presente que: --O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil); -- Nos recursos se apreciam questões e não razões; -- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões a resolver são as seguintes: 1ª- Para a procedência do direito de regresso contra o condutor sem habilitação legal, previsto na al. c) do artº 19º do Dec.-Lei nº 522/85, de 31.12, tem a seguradora que provar o nexo de causalidade adequada entre a falta de habilitação legal e o acidente (o facto culposo) - isto é, que o sinistro foi causado por esta situação? 2ª- Qual o conteúdo do ónus da prova a cargo da seguradora? 3ª- Para se eximir à responsabilidade, assiste ao réu/condutor o direito de fazer a prova de que a eclosão do facto danoso (o acidente) em nada teve a ver com a ausência daquela habilitação? II.2. OS FACTOS: Na 1ª instância deram-se como provados os seguintes factos: A Autora tem por objecto a actividade seguradora e, por virtude desta actividade e por força do contrato de seguro celebrado com D................, aceitou a transferência da circulação do veículo automóvel de matrícula VL-..-.., dentro dos limites legais, pela apólice nº 60/5.996.211.

    Tal contrato de seguro estava em vigor em 1.4.97.

    De acordo com as condições gerais da apólice, no caso de o veículo ser conduzido por pessoa que não esteja legalmente habilitada para o efeito, a responsabilidade civil da seguradora não fica excluída perante terceiros, lesados, conferindo-lhe, porém, o direito de regresso contra o condutor pelas importâncias despendidas em consequência do acidente.

    No dia 1.4.97, pelas zero horas e quinze minutos, na E.N. 1, ao Km 291,2, na Comarca de Vila Nova de Gaia, verificou-se um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo seguro pela Autora, matrícula VL-..-.., propriedade da sociedade de D.................. e conduzido no momento do acidente pelo Réu sem que este estivesse legalmente habilitado a fazê-lo, dado que não possuía licença de condução, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-BI, propriedade de E................. e por ele conduzido.

    Naquele dia e hora e nos momentos que precederam o acidente, circulava o BI na E.N. 1, no sentido Norte-Sul, em Seixezelo, pela sua hemi-faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, e a velocidade por demais adequada às condições da via e do trânsito já que nunca superior a 50 Km/hora.

    A E.N. 1 no local do acidente desenvolve-se em recta.

    Em sentido contrário ao seu, ou seja, Sul-Norte, pela mesma E.N. circulava o Réu no VL, a velocidade superior a 80 Km/hora.

    Sem que nada o fizesse prever, o réu invadiu a hemi-faixa esquerda de rodagem, por onde circulava o B.I.

    Tendo ido embater violentamente com a sua frente na frente do BI.

    Cujo condutor nada pôde fazer para evitar o acidente, dado a manobra repentina e brusca do Réu.

    O acidente ocorreu totalmente na mão de trânsito do BI.

    O qual, por virtude do acidente, foi violentamente projectado para a berma direita, atento o seu sentido de marcha.

    O acidente deu origem a uma acção declarativa de condenação, que correu termos na 1ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia sob o nº 115/2000, e no qual eram partes E................... e mulher F................... e companhia de Seguros B............, S A , autores e ré, respectivamente, sendo que tais autos findaram por transacção, tendo a ora Autora, então Ré, liquidado a quantia de € 22.445,91.

    O Réu não possuía, na data do acidente, carta de condução que o habilitasse a conduzir.

  2. O DIREITO Não tendo sido impugnada a matéria de facto apurada e não havendo motivos para a alterar ao abrigo do estatuído no artº 712º do CPC, tem-se a mesma por definitivamente assente, sendo, por isso, com ela que se laborará.

    Vejamos, então, das questões suscitada nas conclusões das alegações do recurso, quais sejam, saber: a)-Se para a procedência do direito de regresso[Sobre o que deve entender-se por direito de regresso, pode ver-se, v.g., Antunes Varela, Obrigações em Geral, vol. II, pág. 334; Vaz Serra, Rev. Leg. Jur., ano 110º, a pág. 339 e Aníbal de Castro, A Caducidade, pág. 93.

    Diz-se a fls. 326 do livro "Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil", 2ª ed., Petrony, 1994, que "prescindir da accção de regresso, apesar de tudo, parece-me um luxo.

    Porque a nossa economia não se poderá permitir tanta generosidade.

    E sobretudo por uma questão, diríamos, ética ou de moralização social.

    Quem provoca um acidente, sobretudo se com culpa grave e, com mais razão ainda, se se trata de um indivíduo economicamente poderoso, deve pagar, ou pelo menos ajudar a pagar a Segurança Social, o Fundo de Garantia ou outra entidade semelhante que, em primeira mão, adiantou a indemnização devida ao sinistrado.

    Há ainda razões psicológicas que se prendem com a prevenção do acidente." E acrescenta-se: "A acção de regresso é, pois, hoje uma salutar realidade, não tendo nós ainda chegado ao extremo referido por Weyers que a responsabilidade civil é hoje e em larga medida o «direito dos pressupostos de regresso», com tendência a acentuar-se (Cit. por Sinde Monteiro, [....])"] contra o condutor sem habilitação legal, previsto na al. c) do artº 19º do Dec.-Lei nº 522/85, de 31.12, tem a seguradora que provar o nexo de causalidade adequada entre a falta de habilitação legal e o acidente (o facto culposo) - isto é, que o sinistro foi causado por esta situação.

    1. - Qual o conteúdo do ónus da prova a cargo da seguradora? 3ª- Se para se eximir à responsabilidade, assiste ao réu/condutor o direito de fazer a prova de que a eclosão do facto danoso (o acidente) em nada teve a ver com a ausência daquela habilitação.

    Vejamos.

    A sentença recorrida, num surpreendente trato do problema como se de simples condução sob a influência do álcool se tratasse, julgou improcedente a acção com a consequente absolvição do réu do pedido por mera remissão para a posição vertida no Ac. de Uniformização de Jurisprudência nº 6/2002, de 28.05 - que determinou que o a procedência do direito de regresso da seguradora contra o condutor que tenha agido sob influência do álcool, previsto na citada al. c) do artº 19º do DL 522/85, de 31.12., exige o ónus da prova, por banda da seguradora, do nexo de causalidade adequada entre a aludida condução sob o efeito do álcool e o acidente.

    É curioso que, não se tratando no caso sub judice de situação de condução sob influência de álcool-- e só a esta se refere o citado Acórdão Uniformizador do...

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