Acórdão nº 0456410 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Dezembro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução13 de Dezembro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto O Ministério Público instaurou, em 20.1.2004, pelas Varas Cíveis da Comarca do ......... - .. Vara - acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra: B..........

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Pedindo que sejam serem declaradas nulos de nenhum efeito o artigo 19°, o artigo 22°, n°2, o artigo 26°, n°1, o artigo 27°, alínea b), o artigo 28°, os artigos 29°, alínea a) e 34°, os artigos 31°, n°1, e 36°, o n°2 do artigo 31°, o artigo 32°, o artigo 35°, n°2, o artigo 39°, n°1, os artigos 41° a 43°, o artigo 47° e o artigo 48° dos estatutos da ré, determinando-se que passe a vigorar, em substituição dos mesmos, o disposto nas normas correspondentes do Decreto-Lei n° 119/83, de 25 de Fevereiro.

Alegou que as disposições dos estatutos da ré referidos no pedido violam as disposições imperativas do Decreto-Lei n°119/83, de 25 de Fevereiro, e são por isso nulas, devendo ser substituídas pelas normas correspondentes deste diploma.

A Ré contestou, alegando que nenhuma das disposições dos estatutos referidas na acção viola as disposições do Decreto-Lei n°119/83, de 25 de Fevereiro, porque não repelem estas disposições, são compatíveis com elas ou pressupõem tais disposições para o preenchimento dos aspectos não previstos directamente nos estatutos.

Foi junto douto Parecer - fls. 57 a 79 - sustentando tal tese.

*** Foi proferido saneador-sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a Ré do pedido.

*** Inconformado recorreu o Autor que, alegando, formulou a seguintes conclusões: 1º - B.......... é uma associação de solidariedade social.

  1. - O Decreto-Lei n°119/83, de 25 de Fevereiro constitui o núcleo fundamental das normas porque se hão-de reger os estatutos das instituições de solidariedade social.

  2. - Os art°s 52°, nº3, e 10°, ambos do DL. n°119/83, de 23 de Fevereiro, preceituam que dos estatutos das associações de solidariedade social deve constar obrigatoriamente e bem assim que devem especificar a forma do seu funcionamento, o que, a nosso ver, afasta desde logo a possibilidade de regular as omissões com recurso a qualquer norma remissiva geral, técnica utilizada pela apelada.

  3. - Não basta pois o clausulado no artigo 1°, n°1, dos estatutos da apelada regulamentar que a apelada se rege pelas disposições legais e pelos estatutos, enquanto que no desenvolvimento deste normativo estatutário, venha mais adiante estatuir que os casos omissos sejam resolvidos pela assembleia geral, sem que se especifique o modo.

  4. - O artigo 22, n°2, dos estatutos, viola o preceituado nas disposições conjugadas dos art. 17°, n°2, e 52°, n°3, e 10º, na medida em que, caso a vacatura abranja a maioria dos lugares de qualquer órgão, o seu preenchimento deverá efectuar-se em prazo máximo de trinta dias, prazo este ou outro inferior, o que aí é omitido ao não prever qualquer prazo.

  5. - Não basta pois sentenciar, como se fez na decisão judicial ora em crise, que os casos omissos se preenchem pelas disposições legais aplicáveis, na medida em que o associado, na posse dos estatutos, pode acontecer que inclusive ignore qual a legislação aplicável ao caso concreto, (Código Civil, Decreto-Lei n°594/74, de 07/11) por isso é que o legislador impõe que dos estatutos deva constar a forma de designar os seus membros, pelo que resulta assim violado o disposto no art. 17°, n°2, e bem assim as normas dos arts. 52°, n°3 e 10°.

  6. - Impõe o art. 10º, n°2, al. e) que dos estatutos deve constar obrigatoriamente a forma de designar os seus membros, para além de que o art. 52°, n°3, al. c) preceitua que os estatutos devem especificar a forma do seu funcionamento e, sendo aqueles omissos quanto ao prazo para preenchimento da maioria dos lugares vagos, o qual deverá ter lugar no prazo máximo de 30 dias, resultam violados aqueles preceitos legais.

  7. - Porque os estatutos prevêem o voto por procuração, cfr. artigo 26, nº3, há lugar a votos presentes e votos expressos, o que desde logo é susceptível de violar o disposto no art. 16°, n°1, que impõe que as deliberações sejam tomadas por maioria de votos dos titulares presentes e não dos votos expressos.

  8. - Pode ocorrer a que haja maioria de votos expressos, sem que haja necessidade do voto de desempate do presidente e minoria ou empate dos votos dos associados presentes, o que desde logo impõe, nesta última situação, o uso do voto de qualidade do presidente, o que os estatutos não acautelam, nem pelo apelo a normas remissivas, assim não regulando integralmente a forma do funcionamentos dos seus órgãos.

  9. - Assim, ao decidir-se que o artigo 26º, nº1, dos estatutos nada tem a ver com o voto da qualidade do presidente, mas apenas a natureza da maioria, simples, ou absoluta necessária para aprovação das deliberações, foi violado, no nosso entendimento, o preceituado no art. 16°, n°1, e 52°, n°3, al. c), na medida em que os estatutos são omissos no que concerne ao voto de qualidade do presidente dos órgãos de administração e do conselho fiscal, que para além do seu voto, gozam de voto de desempate.

  10. - O artigo 28º dos estatutos, ao prevenir que a associação reúne, em assembleia geral ordinária, para apreciação do relatório e contas da gerência e para apreciação e votação do orçamento e do programa de acção, na medida em que não estatui um tempo limite para reunião da assembleia geral ordinária para aqueles fins, preceito legal esse que impõe que a assembleia reúna obrigatoriamente duas vezes em cada ano, sendo obrigatoriamente, uma até 31 de Março, para aprovação do relatório e contas da gerência e outra até 15 de Novembro, para apreciação e votação do orçamento e do programa de acção, viola, na nossa modesta opinião, o disposto no art.59º, n°2.

  11. - Na medida em que sentenciou que não regulando os estatutos as datas limite em que devem ter lugar as duas apontadas reuniões ordinárias da assembleia geral, se aplica, no silêncio, as disposições legais o que não é posto em causa pelos estatutos, violou-se, por erro de julgamento, o disposto no citado art. 59°, n°2, porquanto que os estatutos devem especificar (sublinhado nosso) o modo do seu funcionamento, cfr. art. 52°, n°3, al. c).

  12. - Ao não se especificar nos estatutos o modo de funcionamento, tal como o prevê o art. 52°, n°3, al. c), resulta também violado este preceito legal, tal como se pode ver pelo próprio documento junto aos autos, no que concerne à convocatória da assembleia geral ordinária para apreciação e votação do orçamento e programa de acção para o ano de 2004, esta só ocorreu no dia 29 de Novembro de 2003, quando por força do preceituado no art. 59°, n°2, deveria ter ocorrido, obrigatoriamente até ao dia 15 de Novembro.

  13. - A sentença ora em recurso ao considerar que a convocatória a que se reportam artigos 31, n°1 e 36 dos estatutos, se basta com envio de aviso postal para cada um dos associados, ou pela publicação num dos jornais mais lidos, errou na interpretação do preceituado no art. 60°, n°2, na medida em que a convocatória deverá, em qualquer dos casos, ser igualmente afixada na sede e noutros locais de acesso público, dela constando obrigatoriamente, o dia, a hora, o local e ordem de trabalhos, o que os estatutos omitem.

  14. - As instituições de solidariedade social prestam relevante serviço público no âmbito da solidariedade e segurança social e, sendo nesse âmbito, apoiadas pelo Estado, é normal que se lhes fixe um estatuto mais apertado e que se desvie do regime geral do Código Civil.

  15. - Não faria sentido que dentro dessas preocupações do Estado ao regulamentar o regime regra das associações de solidariedade social não prevenisse a possibilidade de prevenir quórum deliberativo artificialmente obtido através de regras estatutárias que não acautelassem os fins da instituição.

  16. - É de ajuizar como temerário um período mínimo de quinze minutos previsto nos estatutos da apelada para que possa haver quórum deliberativo em segunda convocatória da assembleia-geral, na medida em que permite a existência de quórum deliberativo manipulado.

  17. - Quinze minutos são um período de tempo tão curto em relação à primeira convocatória que, a segunda a ter lugar naquele período de tempo, não passa de um quórum deliberativo em primeira convocatória, com desrespeito do preceituado no n°1 do citado art. 61°. Com efeito, e porque quinze e não cinco minutos, ou até ainda período mais curto o que a interpretação do senhor juiz permite, ao fazer apelo ao elemento literário " se os estatutos não dispuserem de outro modo"? 19° - O art. 9° do C. Civil elege como critério de interpretação da lei, que o interprete não deve cingir-se à sua letra, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, 20° - Sendo certo que também não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

  18. - Por outro lado, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

  19. - É de todos conhecido que a assembleias-gerais de qualquer associação, pese embora marcadas para uma determinada hora, nunca funcionam exactamente à hora marcada, regra geral, nunca menos de um quarto de hora depois.

  20. - Fazendo apelo ao elemento teleológico da norma interpretada pelo senhor juiz, foi preocupação do legislador impor que aquele período de uma hora foi o que ele considerou como o mínimo para que possa haver quórum deliberativo em segunda convocatória, com vista a acautelar a relativa facilidade ou a eventual possibilidade de manipulação, permitindo que nesse período e de acordo com o espectro dos associados abrangido, os benefícios sociais que concede, a magnitude das verbas que movimenta e a complexidade da sua organização, possa haver um período mais...

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