Acórdão nº 0457275 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Abril de 2005

Magistrado ResponsávelCUNHA BARBOSA
Data da Resolução04 de Abril de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam neste Tribunal da relação do Porto: 1. Relatório: No .. Juízo Cível/.. Secção do Tribunal Judicial da Comarca do Porto (.. Secção), sob o nº ../04. TJPRT, foi instaurada acção com processo sumário por B.......... contra C.........., Ldª, pedindo que fosse «…declarada a resolução do contrato de arrendamento mencionado no número 1, supra, e a Ré condenada a entregar à Autora, na qualidade de cabeça-de-casal da herança de D.........., o arrendado, inteiramente livre de pessoas e de coisas, com as legais consequências».

Fundamenta o pedido em que: - Por escritura pública de 17 de Março de 1964, lavrada no .. Cartório da Secretaria Notarial de .........., D.......... cedeu, mediante retribuição, a E.........., o rés-do-chão, com entrada pelo nº .. da Rua ......... e pelo nº . da Travessa da Rua .........., do prédio urbano sito naquelas Rua e Travessa, da freguesia da .........., .........., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 779º; - A cedência teve início em 1 de Abril de 1964, pelo prazo de um ano renovável por períodos sucessivos de igual tempo, com a renda anual de 15.200$00, a pagar em duodécimos mensais, no primeiro dia útil de cada mês a que respeitar e em casa do senhorio, no ..........; - Actualmente e desde Setembro de 2002, a renda é de € 104,98; - O local arrendado destinou-se, contratualmente, a casa de pasto, vinhos e solas e cabedais, ou a qualquer ramo de comércio, excluindo carvoaria, oficina de metalurgia, drogaria e produtos explosivos ou inflamáveis; - O referido E.......... instalou no arrendado, após a cedência, um estabelecimento comercial de venda a retalho de solas, cabedais e materiais próprios da indústria do calçado e retrosaria; - Sem oposição da cedente, a posição contratual detida por E.........., passou a sê-lo, há mais de vinte e cinco anos, pela sociedade ‘F.........., Ldª; - Por documento particular de 14 de Junho de 2002, ‘F.........., Ldª declarou trespassar à Ré o ‘estabelecimento comercial instalado na Rua .........., nº .. e Travessa da mesma Rua, nº ., da freguesia da .........., concelho do .........., actualmente destinado à venda a retalho de solas, cabedais e materiais próprios da indústria do calçado e retrosaria'; - ‘F.........., Ldª' declarou incluir no trespasse o direito ao arrendamento; - A Ré declarou aceitar o trespasse do estabelecimento comercial; - No dia imediato aquele em que foi outorgado o documento mencionado, a Ré encerrou o estabelecimento nele aludido, assim permanecendo até 22 de Abril de 2003; - Depois dessa data e até hoje, a Ré passou a usar o respectivo local para nele exercer, como exerce, de forma exclusiva ou praticamente exclusiva, o comércio a retalho de vestuário pronto a vestir, com carácter de habitualidade e de permanência.

Conclui pela procedência da acção.

*Na sua contestação, a Ré defende-se por impugnação, alegando, em essência e síntese, que não houve qualquer encerramento do estabelecimento em causa ou qualquer interrupção da actividade comercial, tendo decorrido alguns meses em que manteve o espaço comercial no estado em que o tomou de arrendamento, ainda que sem grande promoção comercial.

Mais alega que, atento o estado deplorável e pobre em que o estabelecimento se encontrava, sem qualquer elemento atractivo de captação de nova clientela, a Ré pretendeu efectuar obras de reparação dos soalhos, paredes e tectos, potenciando dessa forma um maior aviamento, tendo solicitado por escrito autorização à A..

Alega, ainda, que não procedeu a alteração do ramo, porquanto, à venda a retalho de solas, cabedais e produtos de retrosaria que constituía o cerne do negócio trespassado, passou também a comercializar produtos em pele e de marroquinaria, tais como casacos, carteiras e igualmente produtos de pronto-a-vestir e malhas, como calças, camisas, saias, t-shirts, top's e meias.

Por fim alega que o contrato refere que o arrendado se destina e tem por fim a exploração de casa de pasto, vinhos, solas e cabedais, ou qualquer ramo do comércio, excluindo carvoaria, oficina de metalurgia, drogaria e produtos explosivos ou inflamáveis.

Conclui pela improcedência da acção.

*Elaborou-se despacho saneador/sentença, em que se verificou a regularidade da instância e se proferiu a seguinte decisão: "… Nestes termos o único fundamento para a resolução desse contrato seria a alteração do fim do locado.

Ora, nos termos do art. 64º, nº 1, alínea b) do RAU tala alteração só existirá se o inquilino explorar no estabelecimento uma actividade diversa da fixada no contrato de arrendamento que não possa ser considerada acessória da actividade principal.

In casu porém o contrato de arrendamento autoriza o inquilino a explorar no locado "qualquer ramo de comércio, excluindo carvoaria, oficina de metalurgia, drogaria e produtos explosivos ou inflamáveis".

Ora, mesmo que a ré explore esse estabelecimento apenas e só para a actividade de venda de produtos de pronto a vestir é evidente que a mesma actividade constitui ramos de comércio e por isso, só por isso, a mesma nunca poderia ser considerada algo diverso do estabelecido no contrato o qual recorde-se limita os direitos e deveres das partes (art. 406, do CC) incluindo a autora, herdeira, da parte original.

É pois manifesta a improcedência da pretensão da autora pelo que é manifestamente desnecessário instruir a causa já que os factos assentes por acordo das partes permitem a supra referida conclusão.

… Face ao exposto o Tribunal decide julgar a presente acção improcedente por não provada.

…".

*Não se conformando com tal decisão, dela a A. interpôs o presente recurso de apelação e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões: 1ª - O presente recurso vem interposto do, aliás respeitável, despacho saneador/sentença de folhas 61 a 63 que julgou a acção improcedente por não provada; 2ª - A questão que se coloca é a de saber se a Apelada, ao abrigo da cláusula do contrato de arrendamento que permitia a ‘F.........., Ldª' destinar a coisa locada a qualquer ramo de comércio, excluindo carvoaria, oficina de metalurgia, drogaria e produtos explosivos ou inflamáveis, pode no caso de trespasse, aplicar o arrendado, total ou parcialmente, a ramo diverso daquele a que se encontrava adstrito; 3ª - A resposta é negativa; 4ª - Com efeito, a faculdade atribuída ao arrendatário inicial (comercial ou industrial) não se transfere para o trespassário ou trespassários desde logo porque ela é concedida intuitus personae; 5ª - Exercida, pelo primitivo arrendatário, a faculdade de escolha do fim e do ramo de negócio, então há que respeitar a capacidade da organização em funcionamento no momento do trespasse, o seu dinamismo económico transmissível e transmitido através desse mesmo trespasse; 6ª - É de resto, em relação a essa específica organização - e não a outra qualquer, diversa, que com base nela ou a partir dela venha a nascer - que o artigo 116º, nº 1, do RAU, confere ao senhorio o direito de preferência no caso de trespasse do respectivo estabelecimento; 7ª - Aquele direito é facultado ao senhorio em relação a um estabelecimento determinado - nomeadamente, e para o que ora interessa analisar, considerando o seu fim e ramo -, sendo em relação a esse estabelecimento que o senhorio decide ou não exercitá-lo; 8ª - Esgotado, pelo primitivo arrendatário, o exercício da faculdade de modificar o escopo negocial dentro do quadro contratualmente consentido, há que respeitar, no caso de trespasse, a organização económica em funcionamento com o seu dinamismo económico próprio; 9ª - O senhorio seria e sairia defraudado se, não tendo querido exercer o direito de preferência em relação a um determinado estabelecimento atento o fim e o ramo de negócios nele exercidos - v.g. venda a retalho de solas, cabedais e materiais próprios...

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