Acórdão nº 0511069 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Março de 2005
Magistrado Responsável | ÉLIA SÃO PEDRO |
Data da Resolução | 16 de Março de 2005 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório No Tribunal Judicial de Miranda do Douro (proc. ../02), em processo comum e com intervenção do tribunal colectivo, procedeu-se a nova audiência de julgamento do arguido B....., em cumprimento do Acórdão do STJ de fls. 460 a 467 (que, em recurso da decisão anteriormente proferida, entendeu verificar-se o vício de insuficiência da matéria de facto, previsto no art. 410º, 2 al. a) CPP e, consequentemente, determinou o reenvio para novo julgamento), tendo-se decidido, além do mais: "Manter as anteriores absolvições e condenações, relativamente aos restantes crimes, isto é: a) Absolver o arguido B..... da prática das contra-ordenações, do crime de dano, p. e p. pelo art. 212º, nº 1, do C.P. e de um dos crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 202º, al. d), 203º, e 204º, nº2, al. e), do C.P., de que vinha acusado; b) Condenar o arguido B....., na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos três crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 202º/d), 203º e 204º/2-e) do CP; c) Condenar o arguido na pena de 1 (um) ano de prisão, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. e pelo art. 6º da Lei 22/97, de 27/06, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 98/2001, de 25/08 e, nos termos do presente julgamento, a) Condenar o Arguido na pena de cinco anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado tentado, p. e p. pelos arts 22º, nºs 1 e 2, al. b), 131º e 132º do CP; b) Efectuando o cúmulo jurídico das penas anteriormente aplicadas com a que agora se aplicou, condenar o Arguido na pena única de seis anos e seis meses de prisão; c) Condenar o Arguido a pagar ao ofendido C..... a indemnização de € 2.000,00 (dois mil euros), pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe causou, acrescida de juros de mora, às taxas e desde as datas supra referidas (…) Inconformado com tal decisão, o arguido recorreu novamente para esta Relação, formulando as seguintes conclusões (transcrição): 1. O arguido não estava a dormir quando o ofendido chegou, pois este não o viu a dormir. A mãe do ofendido até chegou a dizer que o queixoso não viu o arguido, então também não o podia ter visto a dormir.
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A testemunha D..... disse no seu depoimento, tal como dita o bom senso, que uma pessoa que faz uma espera a alguém para a matar, não adormece.
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O ofendido deduziu que o arguido estava a dormir, de contrário, quando tirou o pau da estrada, tê-lo-ia matado.
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Pode-se partir doutro pressuposto: se o arguido, vendo o queixoso tirar o pau da estrada, não desferiu qualquer tiro, foi porque não quis.
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Se o primeiro tiro foi atirado para a traseira do carro, a cerca de 5/10 m do ofendido, isso significa precisamente que não há intenção de matar.
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A existência de apenas danos na parte traseira do carro, na mala, o achamento de apenas um bago de zagalote na mala nos confirma o supra referido no item anterior.
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Com aquela iluminação, na rua e àquela distância, o B..... teria matado o C....., se essa fosse a sua vontade.
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O arguido deixou fugir o ofendido para casa de seus pais, e só após deu um tiro, que estilhaçou o vidro do condutor.
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Tal conclusão é confirmada pelas declarações do ofendido.
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Se o recorrente quisesse matar o ofendido quando atingiu o vidro da porta do condutor, tê-lo-ia atingido a ele também.
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O tenente da GNR, E..... é pouco credível, pois entra em contradições.
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A versão desta testemunha, como aliás das outras, resulta daquilo que o ofendido lhes contou.
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Não são testemunhas oculares, cujo valor probatório é diminuto.
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Se o recorrente apontasse a arma em direcção do ofendido certamente encontrariam chumbos no interior do veículo.
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A fundamentação de facto baseada na prova produzida em julgamento, nomeadamente prova testemunhal, não está em consonância com a decisão condenatória. Analisem-se, pois, os vários depoimentos.
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O ofendido afirma que viu o B....., a sua mãe contraria-o.
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Os danos no carro (parte traseira do carro) não revelam que o B..... atirou para matar.
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O ofendido percorreu 80/90 m em direcção a casa de seus pais, sem que arguido disparasse.
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A prova da intenção de matar consubstancia um erro notório na apreciação da prova e um ponto de facto incorrectamente julgado.
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Não se verificam os elementos típicos do crime de homicídio qualificado tentado, mas os do dano com violência (cfr. artigo 214°, do C.P.).
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O alegante declarou-se arrependido.
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Pediu uma oportunidade.
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É a primeira vez que está preso 24. Tinha apenas 18 anos no momento da prática dos factos.
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Apresenta um Quociente de Inteligência (QI) situado entre 50 e 70, indicador de deficiência mental.
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Não nos parece que seja deficiência mental ligeira, porquanto, o homem médio terá de ter um QI de 110, ora o QI do recorrente é muito baixo, apresentando, por isso, uma grande deficiência mental, tendo por isso uma imputabilidade diminuída.
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Em consequência, no momento da prática do acto o indivíduo neste estado não tem consciência da ilicitude do mesmo.
28 Mas mais grave ainda, esta imputabilidade diminuída associada, como bem refere o douto Acórdão do Tribunal a quo, a uma certa influência ambiental e experiências de vida nada gratificantes, originam áreas disfuncionais e disruptivas na componente afectiva, familiar e social e desencadeia comportamentos nada adaptados na vivência em sociedade.
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Ora, como tais vias de controle cognitivo e afectivo são insuficientes, o recorrente, perante situações geradoras de frustração, revolta e injustiça social, apresenta comportamentos agressivos e perigosos, devido à incapacidade dos seus actos.
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Mas ainda mais grave, o ofendido vizinho do arguido na aldeia, sendo certo que, nessa aldeia todos se conhecem, de certeza absoluta que todos os habitantes dessa aldeia, sem excepção, designadamente, o queixoso, tinham conhecimento do facto de que o recorrente apresentava uma deficiência mental, sendo público na aldeia o facto de o alegante andar a ser tratado desde os 14 anos na Psiquiatria de......
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E nem esse facto deixou o ofendido de importunar, ameaçar e agredir o recorrente.
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Sabendo o ofendido que o B..... tinha uma determinada deficiência mental, melhor, um determinado atraso cognitivo, tinha obrigação de seguir a sua vida e não importunar aquele.
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O recorrente é de condição social e económica muito humilde, oriundo de um ambiente familiar problemático, devido ao alcoolismo do pai, só tem três anos de frequência escolar, encontrando-se agora a frequentar a escola no Estabelecimento Prisional.
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O mandatário judicial ora signatário tem solicitado informações aos guardas do Estabelecimento Prisional Regional de....., acerca do comportamento do recorrente, tendo obtido boas informações, que tem tido bom comportamento, que é humilde, respeitador, que frequenta o ensino, e que quer trabalhar.
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Além disso, o próprio recorrente refere que o facto de ter sido preso lhe deu uma grande lição de vida, pedindo uma oportunidade para refazer a sua vida no exterior.
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Normas jurídicas violadas (para cumprimento da alínea a), do n.º2 do artigo 412, do C.P.P.): - Artigo 22°, n.º 1 e 2, alíneas a) e h); - Artigo 40°, do C.P.; - Artigo 41°, n.º 1, do C.P.; - Artigo 43°, do C.P.; - Artigo 70°, do C.P.; - Artigo 71°, do C.P.; - Artigo 72°, do C.P.; - Artigo 73°, do C.P.; - Artigo 131°, do C.P.; - Artigo 132°, do C.P.; - Artigo 214°, do C.P.; - Artigo 412°, n.º 2, alínea a), do C.P.P.; - Artigo 13°, da C.R.P.; 37. (Para cumprimento da al. b), do n.º 2, do art. 412°, do C.P.P.) O Tribunal recorrido aplicou normas jurídicas, sem ter observado, obrigatoriamente, no caso em apreço, o disposto vertido nos artigos 22°, nºs 1 e 2, alíneas a) e b); artigo 40°; artigo 41°, n.º 1; artigo 43°; artigo 70°; artigo 71°; artigo 72°; artigo 73°; artigo 131°; artigo 132°; artigo 214°, todos do C.P.; artigo 412°, n.º 2, alínea a), do C.P.P.; artigo 13°, da C.R.P.; Isto é, tem que ser cumprido o disposto nessas normas jurídicas, e só depois se aplicará, com a devida vénia, a pena ou medida de segurança apropriada para o caso sub judice, devendo no caso em apreço ser reduzida a respectiva pena.
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(Para cumprimento da al. c), do n.º 2, do art. 412°, do C.P.P.) Assim, no nosso entender, com o devido respeito, houve erro na determinação da norma aplicável. Ou seja, devia ser aplicado...
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