Acórdão nº 0516301 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Dezembro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMANUEL BRAZ
Data da Resolução21 de Dezembro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: Os arguidos B........ e C........., tendo o Mº Pº contra eles deduzido acusação pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artºs 21º, nº 1 e 24º, alíneas b), c) e j), do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, em relação ao primeiro, e artºs 21º, nº 1, e 24º, alíneas b) e c), em relação ao segundo, requereram a abertura de instrução, alegando, além do mais, a nulidade de escutas telefónicas efectuadas no âmbito deste processo.

Essa pretensão foi indeferida, vindo os arguidos a ser pronunciados pelo crime imputado na acusação.

Interpuseram então recurso do despacho que assim decidiu, sustentando, em síntese, na sua motivação: o primeiro: - Foi violado o princípio da subsidiariedade e da necessidade, na medida em que o recurso às escutas não foi precedido de quaisquer outras diligências de prova com vista a averiguar da imprescindibilidade daquele meio de obtenção de prova.

- Não houve efectivo acompanhamento e controlo das escutas efectuadas, o que é gerador de nulidade, tempestivamente arguida.

- O juiz de instrução não procedeu à audição e selecção do material resultante das conversações telefónicas cuja validação e transcrição foi ordenada pelo despacho de fls. 1216, o que também redunda em nulidade.

- Acresce que esse despacho de fls. 1216 foi proferido por juiz diferente daquele que havia autorizado as escutas, em violação do artº 188º, nº 3, do CPP.

- O despacho que autoriza a intercepção e gravação das conversações de e para o telemóvel com o nº 969376147 é posterior ao período de efectiva intercepção e gravação das conversações.

- Em relação ao telemóvel com o nº 96......., não resultando autos a data em que se iniciaram as intercepções e gravações, não se pode saber da legalidade da operação.

o segundo: - Foi violado o princípio da subsidiariedade e da necessidade, porquanto se partiu para as escutas sem se averiguar, através de outras diligências, da sua necessidade.

- Não houve efectivo acompanhamento e controlo desse meio de obtenção de prova.

- Devem por isso as escutas ser declaradas nulas.

Os recursos foram admitidos.

Respondendo, o Mº Pº na 1ª instância pronunciou-se pelo não provimento dos recursos.

Nesta instância, o senhor procurador-geral-adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

Foi cumprido o artº 417º, nº 2, do CPP.

Correram os vistos legais.

Cumpre decidir.

Fundamentação: Recurso do arguido B..........: O recorrente começa por invocar a violação dos princípios da subsidiariedade e da necessidade, a que, em seu entender, se refere a última parte do nº 1 do artº 187º do CPP: "se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova". Deste segmento da norma resultaria que - o recurso às escutas telefónicas deve se precedido de outras diligências de prova, só podendo lançar-se mão daquelas perante o insucesso destas; - é necessário demonstrar em cada caso que a intercepção e a gravação das conversações ou comunicações telefónicas se vislumbram como meio idóneo e adequado de recolha de prova.

E, segundo o recorrente, o despacho que autoriza as intercepções e gravações inicialmente levadas a cabo limita-se a remeter para a promoção do Mº Pº que, por sua vez, remete para uma informação de órgão de policia criminal, da qual não resulta a imprescindibilidade do recurso às escutas, que foram propostas, sem antes se haver feito qualquer diligência no sentido de serem obtidos os resultados que se pretendia obter com aquelas.

O recorrente, ainda que refira genericamente todos os despachos que autorizaram escutas nos autos, apenas concretiza críticas ao "despacho que autorizou e ordenou as intercepções inicialmente levadas a cabo", percebendo-se, através da promoção que transcreve, que com essa referência visa o despacho de fls. 4. Não há, pois, fundamento para, nesta matéria, apreciar as operações de escuta e gravação autorizadas por outros despachos para além desse.

Nesse despacho foram autorizadas a intercepção e a gravação das comunicações telefónicas de e para os telemóveis nºs 96....... e 96....... .

Tal despacho foi precedido da promoção do Mº Pº de fls. 2, na qual se refere que se pretende investigar "uma situação de tráfico de estupefacientes, estruturada e organizada com evidente cuidado e com predominante utilização de comunicações telefónicas", impondo-se por isso o recurso "aos mais eficientes e seguros meios de prova". Diz-se mais nessa promoção que da situação descrita se teve conhecimento através de informação policial.

Não se encontra nos autos o teor dessa informação policial, mas o recorrente transcreve-a. E nela afirma-se haver conhecimento de que se está perante "um grupo de indivíduos, devidamente organizados, da zona de Amarante e Braga, que se dedicam ao tráfico de grandes quantidades de cocaína e heroína", tendo sido, no âmbito de outro processo, que se identifica, "possível confirmar que do referido grupo fazem parte os indivíduos D........ e E......", indicando-se depois os dois telemóveis acima mencionados. Os referidos dados, segundo a informação, vieram, pois, ao conhecimento do órgão de polícia criminal, através de outro processo, o que só pode representar a existência de diligências já realizadas.

Pode, assim, afirmar-se que a promoção do Mº Pº e a informação policial para que remete foram precedidas de diligências que permitiram dados de identificação de dois dos indivíduos que pertenceriam ao grupo de traficantes e de dois telemóveis que seriam usados no desenvolvimento da actividade de tráfico, tendo-se verificado que em relação a um desses telemóveis - o nº 96....... - foram interceptadas e gravadas conversações tidas como relevantes para a recolha de prova daquela actividade.

De qualquer modo, a lei não impõe que primeiramente tenha de se lançar mão de outras diligências de prova e só possa recorrer-se às escutas telefónicas se aquelas fracassarem. O que artº 187º, nº 1, parte final, exige é que haja "razões para crer" que a intercepção e a gravação das conversações telefónicas se revelarão "de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova". A exigência é, pois, a da existência de razões para acreditar que as escutas serão de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, o que remete para um critério de eficácia.

Como diz Germano Marques da Silva, "(...) a lei portuguesa apenas exige expressamente que haja razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, exigindo (...) que as informações pretendidas não possam ser obtidas por outros meios".

Para este autor, que cita Costa Andrade, só não será legítimo o recurso às escutas telefónicas se os resultados probatórios almejados puderem, "sem dificuldades particularmente acrescidas, ser alcançados por meio mais benigno de afronta aos direitos fundamentais" (Curso de Processo Penal, II, 1999, páginas 201 e 2029.

Também para André Leite, o recurso às escutas telefónicas é admissível mesmo se utilizado como primeiro meio de obtenção de prova, ou seja, sem ser precedido de outros meios que se tenham malogrado, se "houver razões objectiva e judicialmente controláveis que permitam concluir que é o mais eficaz, atendendo à natureza do crime e às suas circunstâncias" (Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2004, Ano I, página 26).

No caso, forneceram-se ao juiz de instrução dados suficientes para ele poder concluir que o recurso às escutas telefónicas era, não só o mais idóneo, mas também o mais eficaz para a investigação da apontada actividade de tráfico que estaria a ser desenvolvida pelo referido grupo de indivíduos, na medida em que estes, nomeadamente, combinariam as operações de tráfico através do telefone.

Não houve, em consequência, violação do artº 187º, nº 1, do CPP.

A referência genérica a outros despachos que autorizaram as escutas não permite perceber a quais despachos o recorrente se refere, nem, consequentemente, quais as operações de intercepção, gravação e transcrição a que dirige a sua crítica, pois há despachos e escutas que lhe poderão dizer respeito e outros não, não cabendo a este tribunal fazer a destrinça. Como quer que seja, sempre valerá aqui o entendimento expresso em relação às operações autorizadas pelo despacho de fls. 4, de que não é necessário que o recurso às escutas seja precedido de outros meios de obtenção de prova, podendo ser utilizado antes de qualquer outro, se...

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