Acórdão nº 0523821 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Dezembro de 2005
Magistrado Responsável | HENRIQUE ARAÚJO |
Data da Resolução | 13 de Dezembro de 2005 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: RELATÓRIO "B..........., Lda.", com sede em .... - ....., Arouca, instaurou contra C........., S.A., com sede na Rua ......, ...., Porto, a presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo que se declare resolvido o contrato celebrado entre ambos e que se condene a Ré a restituir-lhe a quantia de € 19.951,91, acrescida de juros vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento.
Alegou, para tanto, que: - em 28.02.2003, propôs-se adquirir à Ré um veículo da marca Audi, modelo A6, All Road 2.5 TDI, pelo preço de € 68.364,17, dando em pagamento o veículo automóvel da marca Opel, modelo Frontera 22 TDI 16 RS, com a matrícula ..-..--PM, avaliado em € 19.951,91; - a Ré aceitou essa proposta e, em 17.03.2003, a Autora entregou-lhe o citado veículo Opel, acompanhado dos respectivos documentos; - no dia 22 de Maio de 2003, a Autora deslocou-se às instalações da Ré para proceder ao levantamento do Audi, mas a Ré impôs-lhe, como condição para a entrega, que a Autora procedesse ao pagamento da quantia de € 1.000,00 ou que subscrevesse declaração em que assumia essa obrigação, sob a alegação de que o referido Opel tinha mais quilometragem do que a que constava do conta- -quilómetros; - perante a recusa da Autora, a Ré não lhe entregou o Audi; - após vária correspondência trocada entre as partes, a Autora, em 24.06.2003, declarou resolvido o contrato e solicitou a devolução do Opel; - por sua vez, a Ré, em 26.06.2003, comunicou à Autora que considerava definitivamente não cumprido o contrato informando-a ainda que já havia vendido o Opel; - a Autora, perante essa informação, solicitou à Ré que lhe pagasse o respectivo valor, o que esta não satisfez.
A Ré contestou.
No seu articulado sustenta que entre as partes foi celebrado um contrato promessa de compra e venda que não se chegou a concretizar por motivos única e exclusivamente imputáveis à Autora, pois que esta, sem qualquer motivo justificado, sempre se recusou a assinar a declaração de entrega da viatura Opel, donde constava a sua identificação, número de matrícula, número de quilómetros e valor pela qual havia sido avaliada, nunca a Ré tendo exigido à Autora, como condição para a celebração do negócio, o pagamento dos referidos € 1.000,00 ou a assinatura de qualquer declaração em que se obrigasse ao pagamento de tal quantia.
Por considerar que a Autora incorreu no incumprimento definitivo da promessa de compra, a Ré pede, em sede reconvencional, que se considere pertencer-lhe a quantia entregue por aquela a título de sinal e princípio de pagamento, no valor líquido de € 19.951,91.
Para o caso de se entender que entre as partes foi celebrado um verdadeiro e próprio contrato de compra e venda e porque considera que existe responsabilidade contratual da Autora, deduz ainda a Ré um outro pedido reconvencional subsidiário, em que pretende que a Autora seja condenada a pagar-lhe a quantia já liquidada de € 1.000,00, acrescida de juros de mora desde a notificação e até efectivo e integral pagamento e ainda o crédito ilíquido quanto aos prejuízos por si sofridos.
A Autora replicou, impugnando os factos alegados pela Ré e ampliando o seu pedido, deduzindo um outro, subsidiário do primeiro formulado, para o caso de se entender que o contrato celebrado foi um contrato promessa de compra e venda, qual seja, o da condenação da Ré a restituir-lhe a quantia de € 39.903,82, correspondente ao dobro do valor do bem que foi entregue a título de sinal e princípio de pagamento.
A Autora treplicou, impugnando os factos alegados na réplica e sustentando que a requerida "ampliação do pedido", na medida em que configura uma alteração simultânea do pedido e da causa de pedir, não é legalmente admissível.
A fls. 134/135 foi admitida a requerida ampliação.
Depois de proferido o despacho saneador, elencaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.
Houve reclamações de ambas as partes quanto à selecção da matéria de facto, que foram parcialmente atendidas.
Foi deduzido incidente de liquidação do pedido reconvencional formulado pela Ré a título subsidiário, que se cifrou em € 13.763,71.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, tendo-se respondido à matéria da base instrutória pela forma e com a fundamentação que consta de fls. 269 a 272, sem que surgisse qualquer reclamação das partes.
Por fim, foi lavrada a sentença na qual se decidiu a improcedência do pedido accional e a procedência do pedido reconvencional, considerando-se " … perdida pela Autora e em favor da Ré a coisa por aquela entregue a esta a título de sinal e princípio de pagamento - veículo de marca Opel, matrícula ..-..-PM".
A Autora não se conformou com o assim decidido e recorreu.
O recurso foi admitido como de apelação, com efeito meramente devolutivo - v. fls. 357.
Nas respectivas alegações de recurso, a Autora pede a revogação do julgado, formulando as seguintes conclusões: 1. A relação jurídica estabelecida entre Autora e Ré deve ser configurada como contrato de compra e venda e não promessa de compra e venda.
-
A violação dos deveres acessórios de conduta na formação dos contratos e no cumprimento das obrigações, genericamente consagrados nos arts. 227º, n.º 1 e 762º, n.º 2, do CC, salvo estipulação legal em contrário, geram a obrigação de indemnizar.
-
A violação de um dever acessório de conduta na formação de um contrato de compra e venda, não confere à vendedora o direito de resolver o contrato e apropriar-se do preço que entretanto já lhe havia sido pago.
-
Tendo as partes contratantes resolvido reciprocamente o contrato, mediante declarações que emitiram uma à outra, devem restituir tudo aquilo que receberam por via do contrato.
-
São obrigações típicas ou principais da compra e venda o pagamento do preço e a entrega da coisa vendida.
-
Recusando-se a Ré a entregar à Autora a coisa vendida, em duas datas que para tal foram designadas, culposamente não cumpriu a obrigação.
-
A entender-se que o contrato celebrado entre ambas, juridicamente, deve ser qualificado como contrato promessa de compra e venda, terá a Ré de restituir o dobro daquilo que lhe foi entregue por conta do preço.
-
A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
-
À excepção do prejuízo computado pela Ré em € 1.000,00 nenhum dos outros danos alegados tem qualquer nexo de causalidade com o facto ilícito imputado à Autora.
-
Foram violados os arts. 227º, n.º 1, 762º, n.º 2, 801º, 808º, n.º 1, 433º e 563º, todos do CC.
A apelada contra-alegou, batendo-se pela confirmação da sentença recorrida e pedindo que a apelante seja condenada como litigante de má fé em multa e numa indemnização à apelante em valor nunca inferior a € 2.000,00.
Foram colhidos os vistos legais.
* Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente - arts. 684º, n.º 3 e 690º do CPC - as questões que carecem de resolução são: a) o contrato celebrado entre Autora e Ré deve ser qualificado como de compra e venda? b) deve, por isso, a acção proceder? c) a Autora deve ser condenada como litigante de má fé? * II.
FUNDAMENTAÇÃO OS FACTO O Tribunal da 1ª instância considerou provados os seguintes factos: 1. Em Fevereiro de 2003, a Autora encetou negociações com a Ré, com vista à aquisição de um veículo automóvel, marca AUDI, modelo A6 All Road 2.5 TDI.
-
Na sequência de tais negociações, Autora e Ré assinaram o doc. 1, junto com a petição inicial - aqui dado por reproduzido -, intitulado "contrato / proposta de compra e venda".
-
O preço acordado para a aquisição de tal veículo - € 68.364,17 - seria pago pela entrega da Autora à Ré da viatura de sua propriedade de marca Opel Frontera 2.2 TDI 16 RS, com a matrícula ..-..-PM e a quilometragem marcada no conta quilómetros de 23.500 Km e a quantia de € 48.972,26 através de financiamento bancário prestado pelo BPI.
-
O veículo Opel foi valorizado em € 19.951,91.
-
Em 17 de Março de 2003, a Autora entregou à Ré o referido veículo de marca Opel, conjuntamente com todos os documentos (título de registo de propriedade, livrete, declaração de venda assinada pela Autora e livro de revisões do veículo), que esta recebeu.
-
Em 15 de Maio de 2003, a Ré emitiu a factura pró-forma, junta como doc. 4 com a petição inicial - aqui dada por reproduzida.
-
Em 16 de Maio de 2003, a Ré emitiu a declaração para efeitos de celebração do contrato de seguro, junta como doc. 5 com a petição inicial - aqui dada por reproduzida.
-
O financiamento referido em 3. foi aprovado pelo BPI.
-
... Após o que informou a Ré de que poderia entregar o veículo automóvel à Autora, emitindo para o efeito o termo de autorização de levantamento do veículo automóvel.
-
Em meados de Maio de 2003, a Ré contactou a Autora dizendo-lhe que fosse levantar o veículo.
-
No dia 22 de Maio de 2003, a Autora deslocou-se às instalações da Ré, a fim de proceder ao levantamento do veículo, tendo a Ré recusado a entrega do mesmo.
-
Em 13 de Maio de 2003, a Ré enviou à Autora a carta junta como doc. 2 com a contestação - aqui dada por reproduzida - na qual lhe dava conta de que havia constatado que a viatura Opel teria realizado muito mais do que 23.500 Km., de que não se responsabilizava por eventuais consequências resultantes desse facto e que se via prejudicada em €...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO