Acórdão nº 0532146 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Julho de 2005 (caso NULL)
Data | 07 Julho 2005 |
Órgão | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.
B.................. intentou esta acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra C............ - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A..
Pediu a condenação da ré a pagar-lhe: a) 570.000$00 a titulo de perda total do seu veículo; b) 375.750$00 a título de paralisação; c) 4.000.000$00 a titulo de I.P.P.; d) 1.400.000$00 pelo ano perdido; e) 110.000$00 a titulo de roupa, capacete e relógio danificados; f) 24.294$00 a titulo de despesas médicas, medicamentosas e meios complementares de diagnóstico; g) 2.000.000$00 a titulo de danos morais; h) 500.000$00 a titulo de dano estético; i) quantia a liquidar em sede de execução de sentença a título de operação cirúrgica futura; j) quantia a liquidar em execução de sentença a título de paralisação.
Como fundamento, alegou, em síntese, que: - no dia 06/10/1998, pelas 11,30 horas, ocorreu um acidente de viação na Avenida ...................., Matosinhos, em que intervieram os veículos de matricula ..-..-LS (motociclo), propriedade e conduzido pelo autor e ..-..-GP (automóvel) propriedade de D.......... - ............. e na ocasião conduzido no seu interesse e por sua conta e sob a sua direcção efectiva por E...............; a proprietária do GP havia transferido para a R a responsabilidade civil por danos causados a terceiros.
- o acidente consistiu no embate dos dois referidos veículos, ocasionado por culpa exclusiva do condutor do GP.
- deste acidente resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento pretende obter através desta acção.
A R. contestou, impugnando a versão do acidente apresentada pelo autor e os danos reclamados, concluindo pela sua irresponsabilidade.
Percorrida a tramitação normal, veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, tendo a R. sido absolvida do pedido.
Discordando desta decisão, dela interpôs recurso o A., de apelação, tendo apresentado as seguintes Conclusões: 1. O tribunal recorrido deu resposta à matéria de facto referente à dinâmica e circunstancialismo do acidente dos autos com base essencialmente no depoimento da testemunha F............. que reputou como sério e isento e no da testemunha G..........., mas este na estreita medida em que se apresenta coincidente com o daquela; 2. O depoimento prestado peja testemunha F........... que se encontra gravado em suporte magnético está em completa oposição com a resposta dada à matéria de facto designadamente no que concerne aos quesitos 2, 5, 6, 9, 50, 52, 53 e 54 todos da douta BI.
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Atenta a contradição entre a fundamentação e a resposta dada à matéria de facto e não se colocando aqui em causa o juízo de valor efectuado pelo tribunal a quo no que concerne à credibilidade da prova ora em causa, impõe-se alteração à matéria de facto dada como provada.
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Deve ser considerada como provada a matéria constante dos quesitos 2, 5, 6, 9 e, como não provada a matéria constante dos quesitos 52, 53 e 54, todos da BI., tanto mais que ao considerar que a linha de trânsito do autor foi cortada pelo veículo segurado da R (cfr. Ponto 27º da matéria dada como provada constante da douta sentença, mais precisamente a fls. 260) nunca pode, salvo melhor opinião, considerar-se como provado que o veículo segurado da R. estaria parado antes do semáforo a aguardar a mudança de cor na sinalização quando ocorreu o acidente.
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Vai assim inquinada a factualidade constante dos pontos 25º, 26º, 57º, 58º, 59º, 61º da matéria dada como provada e constante da douta sentença, mais precisamente a fls 259 e ss.
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Tendo em conta a alteração à matéria de facto e bem assim o facto da carrinha segurada da R. ter cortado a linha de trânsito ao A., deve a presente acção ser julgada provada e procedente, condenando-se a R. nas peticionadas quantias indemnizatórias.
Sem prescindir 7. Ainda que assim se não entenda, temos que foi dada credibilidade a meios probatórios que evidenciam versões diferentes do mesmo sinistro automóvel (o dos autos) o que levará, em último caso à aplicação do disposto no artigo 508º do CC, assim devendo ser julgada a questão da responsabilidade na produção do sinistro e, bem assim, arbitrada indemnização ao A..
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A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 653º, 655º, 659º, todos do CPC entre outros e, 483º, 503º, 508, todos do CC, entre outros.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente com as legais consequências.
A R. contra-alegou, concluindo pela improcedência da apelação.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II.
Questões a resolver: O Recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, no que respeita à forma como ocorreu o acidente.
Caso a mesma proceda, haverá que apreciar os pressupostos da responsabilidade civil e, sendo caso disso, decidir do pedido indemnizatório formulado pelo A. .
III.
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Impugnação da decisão sobre a matéria de facto O recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, no que se refere essencialmente à forma como ocorreu o acidente descrito nos autos, sustentando que a mesma deve ser alterada quanto às respostas aos quesitos 2º, 5º, 6º, 9º, 52º, 53º e 54º.
Como é sabido, uma das situações em que é admitida a alteração da decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto é a prevista no art. 712º nº 1 a), segunda parte, do CPC: ter ocorrido gravação dos depoimentos prestados e tiver sido impugnada, nos termos do art. 690ºA, a decisão com base neles proferida.
Neste caso, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido ... - art. 712º nº 2.
Todavia, como se afirma no Ac. da Rel. de Coimbra de 3.10.2000 [CJ XXV, 4, 27], a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz e na formação dessa convicção não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação áudio ou vídeo.
O tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.
Considerando os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve, em regra, visar os casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados [Ac. desta Relação de 19.9.2000, CJ XXV, 4, 186 e o recente Ac. do STJ de 10.3.2005, em www.dgsi.pt.].
No caso, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a Sra. Juíza afirmou que a convicção do tribunal se fundou nos documentos de fls. ... (fotografias do local e participação policial) e nos depoimentos das testemunhas: - F..............., que circulava a pé no passeio da mesma via e presenciou o embate, o qual o descreveu nos termos das respostas aos quesitos respectivos, reputando-se o seu depoimento de sério e isento; e E............, condutor do veículo segurado da Ré, cuja descrição do acidente, na parte em que coincide com a outra testemunha se reputa de séria, sendo normal que na parte não coincidente o descreva da forma mais conveniente à seguradora.
Pois bem, neste ponto tem de se reconhecer razão ao Recorrente, existindo manifesto equívoco na decisão (derivado porventura do longo período de tempo que mediou entre a audição das primeiras testemunhas e a decisão).
Com efeito, no que concerne à dinâmica do acidente, as respostas aos quesitos não reflectem o depoimento da testemunha F............, tido por sério e isento e no qual se diz que a convicção do tribunal assentou.
Subscreve-se o que se afirmou na referida motivação quanto à credibilidade e isenção desta testemunha. Pelo que relatou - caminhava no passeio no sentido em que seguiam os veículos e procurava oportunidade de atravessar a rua, sem ter de chegar à passadeira - pôde presenciar a aproximação dos veículos e o embate que a seguir ocorreu; depôs com à vontade e de forma aparentemente isenta, sem indício de qualquer ligação aos intervenientes na acção ou de interesse no desfecho desta.
O seu depoimento, porém, não corrobora o sentido da decisão.
Na verdade, essa testemunha afirmou, a instância do douto mandatário do A., no essencial, que: - A carrinha vinha a descer na faixa direita e, de repente, virou para a esquerda; - a velocidade seria normal; - passou-se tudo poucos metros antes do semáforo; tudo ali junto um pouco antes do cruzamento; - a faixa era dividida por linha tracejada e ao chegar à passadeira era contínua; - não posso precisar se a carrinha virou antes ou em cima da linha contínua; após insistência do douto mandatário do A.: acho que sim (que atravessou a linha contínua); - o sinal estava verde, porque não pôde atravessar; - foi tudo muito rápido; dá-me a ideia que (a carrinha) não deu pisca; - não tenho noção das distâncias; a carrinha desviou-se e foi logo o embate; - a mota vem na faixa esquerda e é tapada pela carrinha; - não me apercebi se a mota travou; parece que sim - bate do lado de lá; a carrinha empurra-o para o lado; - o rapaz (A.) derrubou o semáforo e a mota continuou; - o rapaz era forte; a mota era grande.
Depois a instância do douto mandatário da R. acrescentou: - não vi pisca; não sei se fez; - (depois do embate) o condutor da carrinha parou e endireitou-a; foi andando até ficar direita.
Perante este depoimento, em que declaradamente assentou a decisão de facto, o sentido desta não pode manter-se.
Mas analisemos cada uma das respostas impugnadas pelo Recorrente.
Quesito 2º No momento do acidente o...
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