Acórdão nº 0534892 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Janeiro de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelANA PAULA LOBO
Data da Resolução12 de Janeiro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B..........., S.A., pessoa colectiva nº 500960 046, com sede em Lisboa na ...., nº 63, reclamante do crédito global de 236.133.233$00, sendo 55.000.000$00 a título de capital mutuado (garantido por hipoteca sobre dois prédios e penhor mercantil), 181.039.967$00 de juros e 93.266$00 de despesas, (fls.214 e ss, Vol.1), no processo especial de recuperação de empresa que a Empresa C........, S.A., instaurou em 29 de Outubro de 1993, e, que culminou com a declaração da falência desta, por sentença proferida em 20 de Novembro de 1995, (cf. fls. 2336 a 2337, Vol.10 dos autos principais), interpôs o presente recurso de apelação da sentença proferida em 18 de Março de 2002, que fixou graduou os créditos da recorrente em segundo lugar a seguir aos créditos reclamados pelos trabalhadores da empresa falida, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões: 1- O Código Civil que entrou em vigor em 1 de Junho de 1967 apenas prevê a constituição de privilégios imobiliários especiais - nº 3 do artº 735º; 2- Assim, o privilégio imobiliário geral para garantia dos créditos laborais dos trabalhadores, previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, e no artigo 4º da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto, constitui uma derrogação ao principio geral consagrado no nº 3 do artigo 735º do C6digo Civil de que os privilégios imobiliários são sempre especiais; 3- A citada Lei nº 17/86 não estabelece expressamente que os privilégios imobiliários gerais que instituiu abarcam todos os bens existentes no património da devedora, concretamente, a entidade patronal, nem sequer regula o concurso de tal privilégio com outras garantias reais, in casu, a hipoteca, nem esclarece a sua relação com os direitos de terceiros; 4- Assim, aos privilégios imobiliários gerais de que beneficiam os créditos laborais por serem de natureza absolutamente excepcional, por não incidirem sobre bens certos e determinados, por derrogarem o principio geral estabelecido no nº 3 do artigo 735º do C6digo Civil, por nem sequer existirem na realidade jurídica à data da entrada em vigor daquele diploma legal, por afectarem gravemente os legítimos direitos de terceiros, designadamente os do credor cuja hipoteca se encontra devidamente registada, em virtude de não estarem sujeitos a registo -, é-lhes inaplicável o princípio previsto no artigo 75 1º do C6digo Civil; 5- A tais privilégios, pelo facto de serem gerais, deve ser aplicado o regime previsto nos artigos 749º e 686º do C6digo Civil, constituindo pois meras preferências de pagamento, só prevalecendo relativamente aos créditos comuns; 6- Consequentemente, face à lei ordinária, os direitos de crédito garantidos por privilégios imobiliários gerais, designadamente os créditos laborais reclamados pelos trabalhadores, cedem, na ordem de graduação, perante os créditos garantidos por hipoteca - artigo 686º do C6digo Civil.

7- Aliás, através do Acórdão nº 363/2002, publicado no DR, I-A Série, de 16 de Outubro de 2002, o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do artigo 11º do Decreto Lei no 103/80, de 9 de Maio, e do artigo 2º do Decreto Lei nº 512/76, de 3 Julho - créditos pelas Contribuições para a Segurança Social e respectivos juros e pelo Acórdão nº 362/2002, publicado no DR, I-A Série, de 16 de Outubro de 2002, o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante, na versão primitiva, do artigo 104º (hoje, artigo 111º) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares todas interpretadas no sentido de que os privilégios imobiliários gerais nelas contidos preferem à hipoteca nos termos do artigo 75 do Código Civil; 8- Tais declarações de inconstitucionalidade fundamentam-se no facto das referidas normas violaram o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa e, bem ainda, do princípio da proporcionalidade previsto no nº 1 do artigo 18º do mesmo normativo constitucional; 9- Os mesmos princípios e fundamentos aplicam-se, mutatis mutandis, aos privilégios imobiliários gerais instituídos pela al. b) do nº 1 do artigo 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho e pelo artigo 4º da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto, quanto aos créditos laborais; 10- Não obstante, a decisão recorrida interpretou os citados normativos - artigo 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, e artigo 4º da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto no sentido de que o privilégio imobiliário geral aí instituído prefere às hipotecas anteriormente registadas, graduando, consequentemente, os créditos dos trabalhadores com preferência aos créditos garantidos por hipoteca; 11- Ora, tal interpretação viola também os mencionados princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica; 12- Com efeito, tal privilégio é de índole geral, sem qualquer conexão com o prédio sobre que incide, e constitui um ónus "oculto" porquanto não é possível aos particulares indagarem sobre a existência desses créditos privilegiados e apurarem o seu montante; 13- Em consequência, os credores hipotecários são, no momento da graduação de créditos, confrontados e "surpreendidos" com uma realidade que não conheciam, nem podiam conhecer, podendo ver completamente prejudicado o pagamento dos seus créditos, apesar de tudo terem acautelado tendo em vista a certeza e segurança jurídicas; 14- A consagração constitucional dos direitos dos trabalhadores em nada favorece a conformidade da interpretação feita (pela douta decisão recorrida) com a Constituição, na medida em que esses direitos não podem anular ou sacrificar, pura e simplesmente, outros valores, em atenção aos princípios da unidade da Constituição e da concordância prática; 15- Tais princípios representam uma ideia de harmonização, de proporcionalidade e de igualdade; 16- Essa ideia não é seguida na decisão recorrida não só porque não houve, em concreto, a devida harmonização de valores, mas também porque a restrição do valor da segurança jurídica não era sequer necessária: está legalmente instituído um Fundo de Garantia Salarial que assegura aos trabalhadores o pagamento dos seus créditos, nas circunstâncias dos autos; 17- Esta solução legal evita a lesão de quaisquer valores, mormente dos particulares, ficando, na pior das hipóteses, apenas lesado o Fundo, ou seja, o Estado, a quem incumbe prioritariamente a protecção dos direitos dos trabalhadores; 18- Como tal, essa solução é a única respeitante da ideia de igualdade constitucional, dado que seriam todos os contribuintes a suportar um determinado encargo social e não apenas determinados particulares pelo que também foi violado pela douta decisão recorrida o princípio da igualdade previsto no artº 13ºda Constituição da República Portuguesa.

19- Em face do exposto e especialmente atentos os fundamentos ínsitos nos doutos Acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional as normas contidas na al. b) do nº 1 do artigo 12º da Lei no 17/86, de 14 de Junho, e no artigo 4º da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto, interpretadas no sentido de que o privilégio imobiliário geral nela conferido aos créditos dos trabalhadores prefere à hipoteca, é inconstitucional, por violação dos princípios da confiança e segurança, proporcionalidade e igualdade, previstos, respectivamente nos artigos 2º, 18º nº1 e 13ºda Constituição da República Portuguesa.

20- Decorre do disposto no artigo 666º do Código Civil que o penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca; 21-Os créditos dos trabalhadores fruem de privilégio mobiliário geral, conforme decorre do disposto no artigo 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, e no artigo 4º da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto; 22- Relativamente ao concurso entre créditos com privilégio mobiliário geral, dispõe o artigo 749ºdo mesmo diploma que o mesmo não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente; 23- Assim, de harmonia com o preceito legal vindo de citar, o privilégio mobiliário geral não pode efectivar-se com prejuízo dos direitos de terceiro sobre os bens atingidos pelo dito privilégio; 24- O concurso entre uma garantia geral (privilégios gerais) e uma garantia especial (penhor) terá de ser resolvido pela prevalência da garantia especial; 25 - As normas que criam privilégios gerais são necessariamente excepcionais, razão por que não podem sofrer aplicação por analogia; 26 - São inconstitucionais as normas contidas na al. a) do nº 1 do artigo 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, e na alínea a) do nº 1 do artigo 4º da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto, interpretadas no sentido de que o privilégio mobiliário geral nelas conferido aos créditos dos trabalhadores prefere ao penhor anteriormente constituído, por violação dos princípios da confiança e segurança, proporcionalidade e igualdade, previstos, respectivamente nos artigos 2º, 18º n. 1 e 13º da Constituição da República Portuguesa.

27 - Atenta a não sujeição do privilégio reconhecido aos créditos dos trabalhadores a qualquer limite temporal, atento o seu âmbito de privilégio geral e não existindo qualquer conexão entre os bens onerados por esse privilégio geral e o facto que gerou a dívida, contrariamente ao que sucede com o penhor que é uma garantia especial incidente sobre bens determinados do devedor, a preferência que lhe é reconhecida, arredando o penhor anteriormente constituído, lesa de forma desproporcionada o comércio jurídico.

28- A douta sentença recorrida, ao graduar, quanto aos bens imóveis com hipoteca, os créditos dos trabalhadores, com preferência sobre o crédito hipotecário da CGD, violou as normas constantes dos artigos9º, 686º, 749º e...

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