Acórdão nº 0536250 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Dezembro de 2005

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO: Por apenso aos autos de execução que corre termos no ..º Juízo, ..ª Secção, dos Juízos Cíveis da Comarca do Porto e instaurados por B........, S A, veio o executado C....... deduzir embargos à execução.

Alega, em resumo, que decidiu proceder à aquisição de uma viatura com recurso a crédito, após a sua assinaturas nos locais que lhe foram indicados, mas sem que tivesse sido informado do conteúdo dos documentos que assinou ou que lhe tivessem sido comunicadas as cláusulas, desconhecendo que teria subscrito um título de crédito, pelo que se devem ter por excluídas as cláusulas do contrato celebrado. Refere, ainda, que não lhe foi entregue uma cópia do contrato e que a livrança foi preenchida por valores superiores aos que poderiam ser exigidos.

A embargada veio contestar pugnando pela validade do contrato.

Foi proferido despacho saneador e dispensada a organização dos factos assentes e base instrutória.

Realizada a audiência de julgamento, respondeu o tribunal à matéria de facto controvertida pela forma que consta de fls. 69/70.

Foi, por fim, sentenciada a causa, julgando-se os embargos procedentes e extinta a execução quanto ao embargante C........ .

Inconformada com o sentenciado, veio a embargada interpor recurso, apresentando alegações que remata com as seguintes "CONCLUSÕES: 1 - A recorrente não se conforma com a douta sentença recorrida, que julgou os embargos de executado procedentes e, em consequência, determinou a extinção da execução quanto ao embargante C...... .

II - A sentença ora em crise, é nula por falta de pronúncia relativamente a questões sobre as quais se deveria ter pronunciado e não pronunciou, nos termos do art.º 660.º, n.º 2 e artº 668.º, n.º 1 d) do CPC III - Ao ter considerado nulas e excluídas as cláusulas do contrato de financiamento, teria a sentença de pronunciar-se quanto ao necessário dever de restituição do capital mutuado à recorrente e a eventual nulidade do contrato de financiamento dos autos ou a sua redução.

IV - A recorrente informou atempadamente os mutuários-embargantes de todas as condições e cláusulas do contrato de financiamento, onde consta uma declaração subscrita pelos mutuários sobre a epígrafe Declaração Final onde estes declaram expressamente conhecer e compreender todas as cláusulas do presente contrato, às quais dá(ão), o seu total acordo, por corresponderem à sua vontade. "(Cfr. cláusula 18.º do Contrato de Financiamento), tendo assim cumprido o dever de informação a que estava obrigada.

V - O dever de comunicação da recorrente deve ser interpretado no sentido de proporcionar à contraparte a razoável possibilidade de tomar conhecimento do contrato de financiamento e isso inequivocamente foi feito.

VI - A invocação da omissão do dever de informação das cláusulas que compõem o contrato de financiamento, depois de decorridos quase seis anos - Março de 1998/Fevereiro de 2004 -; o pagamento de 44 das 60 prestações acordadas; o uso e a fruição do bem financiado durante um largo período de vigência do financiamento, fazem com que a invocação da nulidade das cláusulas constitua um manifesto abuso de direito do embargante-recorrido, nos termos do artº 334.º do Cód. Civil.

VII - O princípio de boa-fé que preside à formação e ao desenvolvimento dos contratos impede os mutuários-embargantes de invocarem a violação do dever de comunicação das cláusulas do contrato de financiamento, o qual representa uma situação de abuso de direito violadora dos princípios de boa-fé.

VIII - É entendimento da jurisprudência e da doutrina que é inadmissível a impugnação da validade de um negócio jurídico por vícios formais por quem, apesar disso, o cumpre ou aceita o cumprimento realizado pela outra parte, como os embargantes-mutuários inequivocamente fizeram.

IX - A douta Sentença recorrida é nula por falta de pronúncia sobre as questões que se deveria ter pronunciado, além de que não valorou convenientemente os pressupostos do abuso de direito, dessa forma, violando o disposto nos art.ºs 660.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1 d) do CPC e Art. 334.º do C.C.

X - Como tal, deverá ser substituída por Douto Acórdão que a revogue e, em consequência, julgue os embargos de executado deduzidos pelo embargante C....... totalmente improcedentes.

Nestes termos, e nos mais de Direito, deve o presente Recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência, revogada a douta Sentença em crise, por douto Acórdão que declare sua nulidade por falta de pronúncia e, bem assim, julgue os embargos de executado deduzidos improcedentes, com todas as consequências legais." O recorrido contra-alegou, sustentando a manutenção da sentença.

Foram colhidos os vistos II. FUNDAMENTAÇÃO II. 1. AS QUESTÕES: Tendo presente que: - O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil); - Nos recursos se apreciam questões e não razões; - Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, As questões a apreciar são as seguintes: - Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (artº 668º, nº1, al. d) do CPC).

- Violação do dever de informação aos mutuários/embargantes das condições e cláusulas do contrato de financiamento e suas consequências.

- Se a invocação da nulidade das cláusulas do contrato de financiamento, por omissão do dever de informação das mesmas, constitui abuso de direito do embargante-recorrido.

  1. 2. FACTOS PROVADOS: No tribunal a quo deram-se como provados os seguintes factos 1)- A exequente/embargada é portadora de uma livrança subscrita pelos executado/embargante, na qual se encontra posto o valor de € 12.616.87 e a data de vencimento de 19.4.2003.

    2)- Apresentada a pagamento na data de vencimento, a referida livrança não foi paga.

    3)- O embargante e D...... celebraram com a embargada o contrato de crédito ao consumo com o n. 72362 em 3.2.1998 no valor de esc. 3.660.900$00 junto aos autos a fls. 7 e 8 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

    4)- O crédito destinava-se à aquisição do veículo automóvel de marca Seat, modelo Ibiza.

    5)- O embargante liquidou 28 prestações do contrato a que acrescem 16 prestações com a entrega do carro.

  2. O DIREITO: Não vem impugnada a matéria de facto. O que significa que, não se vislumbrando alteração da mesma por via da aplicação do artº 712º do CPC, é com a factualidade dada como assente no tribunal a quo que teremos de apreciar a questão suscitada nas conclusões da apelação (cfr. nº 6 do citado artº 712º).

    Apreciemos, então, as questões suscitadas nas conclusões das alegações de recurso.

    Primeira questão: nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (artº 668º, nº1, al. d) do CPC): Entende a apelante que se verifica tal nulidade da sentença uma vez que ao considerar nulas as cláusulas do contrato sub judice teria a sentença de pronunciar-se quanto ao dever de restituição do capital mutuado à apelante, em conformidade com o teor do Assento nº 4/95, do STJ, publicado no DR nº 114/95, de 17.05.95.

    Cremos que a apelante lavra em alguma confusão.

    Efectivamente, parece-nos que confunde a apelante a omissão de pronúncia integrante de nulidade da sentença com a errada subsunção jurídica dos factos provados.

    Como ensina o Cons. Rodrigues Bastos (in "NOTAS ao CPC , Vol. III, 3ª Ed., págs. 195), ""A nulidade prevista na al. d) do nº 1 está directamente relacionada com o comando que se contém no nº2 do artº 660º servindo de cominação ao seu desrespeito ... É a nulidade mais frequentemente invocada nos tribunais, pela confusão que constantemente se faz entre «questões» a decidir e «argumentos» produzidos na defesa das teses em presença".

    Efectivamente, como é sabido, a omissão de pronúncia existe apenas e quando o juiz não considere as questões postas ao tribunal e já não no referente aos fundamentos (argumentos) de facto e de direito produzidos pelas partes em sustentação do seu ponto de vista (ver., entre outros, os Acs. do STJ, Bol. M.J., 263º-187, 371º-374, 391º-565, 425º-450, e Rodrigues Bastos, "Notas", III, págs. 227-229).

    "Questões para efeito do disposto no nº 2 do artº 660º do CPC são, em primeiro lugar, as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, qualquer que seja a forma como são deduzidas (pedidos, excepções, reconvenção)"- Prof. Alberto dos Reis, in C.P.C. Anotado, V, 143.

    Ou, como ensina Rodrigues Bastos, ob. e vol, cits., a pág. 180 questões sobre o mérito a que se refere o nº 2 do artigo 660º serão as que suscitam a aplicação tanto da causa de pedir apresentada como do pedido formulado Ora, contrariamente ao sustentado pela apelante, a Mmª Juíza a quo, pese embora alguma deficiência na apreciação das questões suscitadas - como à frente demonstraremos--, acabou por emitir pronúncia sobre todas as "questões" suscitadas, nos sobreditos termos, "exceptuadas aquelas cuja decisão...

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