Acórdão nº 0536419 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelAMARAL FERREIRA
Data da Resolução26 de Janeiro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO.

  1. B........., por si e na qualidade de legal representante de seu filho menor, C........, e D........, com apoio judiciário na modalidade de dispensa total de taxas de justiça e demais encargos, instauraram no Tribunal da Comarca de Santo Tirso, contra "CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E.P.", a presente acção declarativa emergente de acidente ferroviário, com forma de processo ordinário, pedindo a condenação da R. a pagar-lhes, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, o montante global de 399.034 Euros, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

    Invocam, para tanto, em súmula, a ocorrência de um acidente, que descrevem e que consistiu no atropelamento mortal de E........., de quem são os únicos herdeiros, causado por um comboio propriedade da R., cuja responsabilidade atribuem ao respectivo maquinista, e em consequência do qual lhes advieram danos de natureza patrimonial e não patrimonial que descriminam.

  2. Também com apoio judiciário na mesma modalidade concedida aos AA., contestou a R. e, invocando a excepção dilatória da sua ilegitimidade, impugna motivadamente a versão do acidente alegada pelos AA., aduz que a morte se ficou a dever a comportamento da própria vítima, e conclui pela sua absolvição da instância ou do pedido.

  3. Os AA. apresentaram articulado de réplica no qual, pugnando embora pela legitimidade da R., deduziram o incidente de intervenção principal provocada de "Rede Ferroviária Nacional - Refer, E.P." que, citada em consequência da admissão do incidente, contestou e, tal como a R., atribui à vítima a culpa no acidente e conclui pela sua absolvição do pedido.

  4. Proferido despacho saneador que, desatendendo a excepção de ilegitimidade da R., declarando-a parte legítima, afirmou a validade e regularidade da instância, declarou a matéria assente e elaborou base instrutória, que se fixaram sem reclamações.

  5. Procedeu-se a julgamento com gravação e inspecção judicial ao local, e, sem que as respostas dadas à matéria de facto controvertida constante da base instrutória tenham sido objecto de censura, veio a ser prolatada sentença que, julgando a acção improcedente e absolvendo a R. e a interveniente do pedido, condenou as AA. B....... e D....... como litigantes de má fé, nas multas de, respectivamente, 250 e 200 Euros.

  6. Inconformados, apelaram os AA. e, concluindo pela revogação da sentença recorrida e pela procedência da acção, formulam, nas pertinentes alegações, as seguintes conclusões: 1ª: Não resulta da decisão de facto assente que o falecido tinha qualquer tipo de perturbação que o pudessem fazer ignorar a aproximação de um comboio.

    1. : O malogrado E....... era uma pessoa que estimava a sua vida e tinha alegria de viver.

    2. : No intuito de apanhar o comboio para ir trabalhar, atravessava mais uma vez uma passagem utilizada diariamente por milhares de pessoas com o mesmo propósito.

    3. : Agindo o falecido, como tantos outros milhares de pessoas, com a firme convicção de que tal conduta não era proibida.

    4. : Não obstante tal conduta ser ou não proibida, certo é que tal passagem se encontrava completamente degradada naquele local, e 6ª: Tinham as recorridas pleno conhecimento de tais situações e, mesmo assim, nada fizeram para as alterar.

    5. : Furtando-se ao cumprimento de todas as suas responsabilidades de forma culposa, ainda que tenham agido com negligência grosseira.

    6. : O falecido E........ circulava numa passagem de 60 cm, com piso e estrutura degradadas e irregulares, e ao apito de um comboio perdeu o equilíbrio e, com a rápida aproximação e imediata passagem do mesmo, foi colhido pelo comboio em circulação, que, ainda que apenas lhe tocasse de raspão, foi o suficiente para lhe custar a vida.

    7. : Entendem, assim, as recorrentes que fizeram o uso legítimo e próprio do processo para verem os seus direitos reconhecidos.

    8. : Não existindo, assim, factos nem alegados nem provados que permitam ao Tribunal concluir pela indemnização fixada.

  7. Contra-alegaram as apeladas no sentido da manutenção da decisão recorrida.

  8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    1. FUNDAMENTAÇÃO.

  9. Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos: A) A autora B....... é viúva de E....... (alínea A dos factos assentes).

    1. C....... é filho de E....... (B).

    2. A autora D...... é filha de E....... (C).

    3. Seus únicos herdeiros (D).

    4. No dia 20 de Maio de 2000, cerca das 7.30 horas, na estação de caminho de ferro da Trofa, sita na freguesia de São Martinho de Bougado, ocorreu um acidente ferroviário (E).

    5. Vítima desse acidente faleceu E...... de 47 anos de idade (F).

    6. O acidente traduziu-se no atropelamento do peão E...... por um comboio da CP que circulava no seu interesse e direcção (G), comboio esse que diariamente saía do Porto às 7.00 horas em direcção à Trofa (H).

    7. O acidente ocorreu quando o citado comboio e o E...... se dirigiam para a estação de Trofa (I).

    8. Ao aproximar-se da estação o maquinista do dito comboio proferiu, pelo menos uma vez, o sinal sonoro "apito" (J).

    9. O falecido E...... dirigia-se à estação para se fazer transportar no comboio das 8.00 horas (resposta ao artº 11 da base instrutória), como o faz diariamente a essa hora para o Porto, local de trabalho deste (resposta ao artº 2º).

    10. No dia 20/5/2000 o E...... entrou numa passagem de nível para peões que se segue à Rua Conde de São Bento e inflectiu, sensivelmente a meio dessa passagem, para a sua esquerda, passando a caminhar, em direcção à estação, no sentido Sul/Norte, pela passagem de serviço referida na resposta aos quesitos 37 e 48, com 60 centímetros de largura (resposta ao artº 3º).

    11. Foi colhido pelo comboio referido em H) (resposta ao artº 4º).

    12. O E...... foi embatido pelo lado direito do comboio, atento o sentido de marcha deste, tendo sido projectado pelo ar alguns metros (resposta ao artº 8º).

    13. O maquinista accionou várias vezes o sinal sonoro e no momento do embate já travava para parar na estação (resposta ao artº 9º).

    14. Pela passagem de serviço referida nas respostas aos quesitos 37 e 48 era muito frequente a circulação de passageiros a caminharem de e para a estação (resposta ao artº 17º).

    15. A ré e a chamada conheciam tal circulação frequente (resposta ao artº 18º).

    16. Em consequência do acidente o E...... foi projectado violentamente, tendo ficado caído no chão (resposta ao artº 19º).

    17. Tendo entrado no Hospital Conde São Bento já cadáver, cerca das 8.10 horas, para onde foi transportado (resposta ao artº 21º).

    18. O E…….. à data do falecimento não padecia de qualquer doença, sendo um homem saudável (resposta ao artº 24º).

    19. Na construção civil o E...... ganhava 750€ por mês (resposta ao...

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