Acórdão nº 0610399 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Junho de 2006 (caso NULL)
Magistrado Responsável | FERNANDA SOARES |
Data da Resolução | 26 de Junho de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação do Porto I B……….. instaurou no Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo acção de impugnação de despedimento contra C……….., S.A. pedindo seja declarado a ilicitude do despedimento da Autora e a Ré condenada a) a pagar-lhe a quantia de € 1.600,54, bem como as retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal; b) a pagar-lhe a quantia de € 25.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; c) a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho, se não optar, entretanto pela indemnização por antiguidade; d) a pagar a quantia de € 500,00 a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na reintegração da Autora; e) a pagar os juros à taxa legal, desde a citação.
Alega a Autora que no dia 22.6.87 foi admitida ao serviço da Ré para desempenhar as funções de secretária de direcção, sendo certo que até fins de Janeiro de 2002 o seu local de trabalho foi na sede da Ré, em Vila Nova de Gaia, e a partir de Fevereiro de 2002 em Viana do Castelo onde se manteve até Dezembro de 2003, data em que regressou à sede. Acontece que na sequência de processo disciplinar que a Ré instaurou foi a Autora despedida sem justa causa, a determinar a ilicitude do despedimento.
A Ré contestou alegando a justa causa para despedir a Autora concluindo pela improcedência da acção.
Elaborado o despacho saneador, procedeu-se a julgamento, consignou-se a matéria dada como provada e foi proferida sentença a julgar a acção procedente e a condenar a Ré a) a reconhecer a ilicitude do despedimento da Autora e em consequência a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade; b) a pagar-lhe a quantia de € 22.830,00 de remunerações vencidas até à presente data e as que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão; c) a pagar-lhe a quantia de € 25.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; d) a pagar-lhe a quantia de € 500,00 a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na reintegração da Autora, nos termos do art. 829º-A do CC..
A Ré veio recorrer pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por acordão que julgue a acção improcedente, e para tal formula as seguintes conclusões: 1. O regime dos direitos de personalidade consagrado no CT não tem por escopo a defesa incondicional dos direitos de personalidade do trabalhador a todo o custo e em qualquer circunstância. E muito menos ainda tal regime não visa, nem validar actuações ilícitas do trabalhador, nem sanar, em nome dos aludidos direitos de personalidade, eventuais infracções disciplinares cometidas pelos mesmos. O que se tem em vista é garantir um justo equilíbrio entre a manutenção na esfera jurídica do trabalhador dos direitos que lhe assistem como cidadão e o princípio da liberdade de gestão empresarial.
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O CT, sem prejuízo da manutenção do desiderato de tutela da parte mais fraca, enveredou, de forma actualista, pela afirmação da reciprocidade de direitos e deveres entre as partes contratantes e pela comunhão de interesses que existe no moderno direito do trabalho. A aplicação dos direitos de personalidade, consequentemente, deve ser feita com adequação axiológica e funcional: os direitos em causa servem para tutelar os direitos mais elementares dos trabalhadores e não para a cobertura a infracções disciplinares por estes cometidas.
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O CT importou para o domínio do direito do trabalho, de forma expressa, o instituto civil da boa fé, fazendo-o a três níveis: nos preliminares da formação contratual (art.93º); ao nível da execução do contrato de trabalho (art.119º); em sede de negociação colectiva (art.547º) e de resolução de conflitos colectivos (art.582º). O instituto civil da boa fé, bem como as figuras parcelares que o informam, o abuso do direito e a boa fé na execução dos contratos perpassa todo o regime instituído no CT, sendo determinante para a interpretação e aplicação do regime nele instituído.
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A invocação pelo trabalhador do direito à confidencialidade como forma de justificar o cumprimento defeituoso do contrato constitui uma hipótese típica de abuso do direito - art.334º do CC - enquanto figura parcelar concretizadora do instituto civil da boa fé, o qual se encontra positivado no art.119º do CT, no que tange à boa fé na execução dos contratos.
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Admitir a validação ou ocultação de um acto censurável em nome da suposta confidencialidade do mesmo, com a agravante de o acto em causa ser susceptível, ele mesmo, de violar as mesmas normas - o regime dos direitos de personalidade - que alegadamente lhe garantem confidencialidade não é razoável, é desproporcionado e é contrário à ideia de direito e aos valores que emanam do regime legal em apreço. Até porque, como resulta do art.16º nº1 do CT o trabalhador também tem de respeitar os direitos de personalidade do empregador.
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Existe justa causa de despedimento quando perante a ocorrência de uma determinada infracção disciplinar, dela resulte uma crise contratual de tal forma grave que deixe de ser exigível ao empregador a manutenção do trabalhador ao seu serviço, nomeadamente em casos de perda da relação de confiança. Nestes casos, justifica-se a aplicação da mais grave de todas as sanções disciplinares de que a entidade patronal pode dispor.
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A justa causa não se cinge a comportamentos ocorridos no local e tempo do trabalho, sendo admissível o seu apuramento mesmo quando estejam em causa comportamentos que integram a intimidade da vida privada do trabalhador: assim sucede perante factos que sejam susceptíveis de pôr em causa o bom nome ou a honorabilidade da empresa, quando a relação de confiança entre as partes seja defraudada e, em todo o caso, perante comportamentos ilícitos e culposos do trabalhador que, pela sua gravidade, sejam susceptíveis de tornar praticamente inviável a subsistência da relação laboral, pelos reflexos causados no serviço e no ambiente de trabalho.
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No caso vertente tendo ficado provado que a mensagem da Autora foi remetida para um endereço electrónico que não pertencia a ninguém em particular, mas sim à divisão de após venda da Toyota, e que não obstante ser necessária uma password para se ter acesso a tal endereço tal palavra passe podia ser utilizada por vários funcionários da referida divisão, maxime pelo respectivo Director, é legítimo concluir que o acesso a tal endereço e às mensagens para ele remetidas, em especial por parte do director da aludida divisão, era absolutamente livre, não necessitando do consentimento dos respectivos...
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