Acórdão nº 0632391 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Julho de 2006 (caso NULL)
Magistrado Responsável | DEOLINDA VARÃO |
Data da Resolução | 05 de Julho de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.
B……… instaurou acção com forma de processo ordinário contra C…….., LDª, D…….. e E…….. .
Formulou os seguintes pedidos:
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Serem todos os réus condenados a reconhecerem o autor como legítimo possuidor e proprietário, na proporção de uma terça parte indivisa, dos dois prédios identificados no artº 1º da petição inicial, e pois de aquele haver para si os mencionados prédios, e de lhe serem restituídos, com as emergentes consequências, incluindo o cancelamento dos registos efectuados; B) Declarar-se nulo o negócio jurídico subjacente à escritura de compra e venda outorgada em 03.03.00, entre todos os réus; C) Declarar-se nulos e sem qualquer efeito legal todos os actos de registo predial sobre os imóveis descritos no artº 1º da p.i.; D) Condenarem-se os réus a pagarem ao autor uma indemnização pelos prejuízos sofridos com a indisponibilidade dos seus bens, que se vier a liquidar em execução de sentença; E) Condenarem-se os réus como litigantes de má fé em multa e indemnização de 3 000 000$00.
Como fundamento, alegou, em síntese: G…… (pai do autor), E…… (irmão do primeiro e tio do autor) e F……. (cunhado daqueles e tio do autor), constituíram, em 17.02.65, a Sociedade "C…….., Ldª.", tendo por objecto a compra e venda de mobiliário.
Em 04.11.68 e 05.08.73, a sociedade comprou dois prédios rústicos; sobre cada um destes prédios rústicos, pelos três sócios foi edificado, em comum, um prédio urbano, que, por isso, ficou a pertencer aos três, uma terça parte a cada.
Em 30.12.83, foi feita, por aqueles três sócios, uma cessão de todas as suas quotas da referida sociedade, a H…….., empregado de escritório, D……. e E……..- estes filhos do ex-sócio F……... Nessa cessão, não incluíram, nem quiseram incluir, os ditos dois prédios urbanos, mas tão-só o "negócio", ficando aqueles "de fora", apesar de num deles instalada a indústria e comércio, bem como todas as máquinas, móveis e utensílios da sociedade. No dia seguinte (31.12.83), a sociedade (representada pelos novos sócios) prometeu vender aos antigos sócios (G……, E…… e F……) os dois prédios rústicos. Três dias depois (02.01.84), por um "Termo de responsabilidade", os novos sócios da Sociedade declararam que "alugavam" aos antigos sócios os imóveis bem como as máquinas e móveis e utensílios relativos à indústria e constantes de um inventário. Em 10.07.86, foi celebrada a escritura do arrendamento a que aludiam aqueles "termo de responsabilidade" e "aluguer", na qual intervierem os herdeiros de G……. e F……., entretanto já falecidos, tendo por objecto o prédio urbano destinado a comércio e indústria de estofos; E……., por testamento de 11.05.94, declarou legar a parte que possuía nos prédios da sociedade.
Abusivamente, a sociedade ré - tendo já como únicos sócios D……. e E……. - registou a seu favor os dois prédios urbanos e, depois, vendeu-os aos ditos dois sócios, que, por sua vez, os registaram em seu nome.
Os réus sempre souberam que o autor era comproprietário do prédio.
Este teve prejuízos por causa de estar impedido de dispor dele ou de o administrar.
Apenas contestaram os réus D……. e E…….., impugnando os factos alegados pelo autor e pedindo a condenação deste como litigante de má fé em multa e indemnização.
O autor apresentou réplica.
Percorrida a demais tramitação normal, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu os réus de todos os pedidos formulados pelo autor, e decidiu que não existe litigância de má fé.
Inconformado, o autor interpôs recurso, formulando as seguintes Conclusões 1ª - O douto acórdão recorrido violou o disposto no artº 653º do CPC.
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- Deve ser alterada a resposta aos quesitos 5º, 6º, 7º, 8º, 10º e 11º, o que se pede, em harmonia com o disposto nos artºs 712º e 515º do CPC.
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- Perante os factos provados, resulta certo e seguro que os terrenos a partir de determinado momento (pelo menos a partir da incorporação dos edifícios) deixaram de ser da ré sociedade e passaram a ser dos seus sócios fundadores.
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- As obras sobre os terrenos consistiram na construção de dois prédios urbanos, sendo um deles como se viu do contrato de arrendamento destinado a comércio e indústria. Segundo a definição da lei (2ª parte do nº 2 do artº 204 do CC), por prédio urbano entende-se não só o edifício propriamente dito, mas também o terreno que lhe serve de logradouro. Após a construção dos edifícios, os terrenos perderam autonomia, passando a construção e solo a formar uma nova unidade, ou seja, um prédio urbano.
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- Mesmo se assim se não entendesse, flui dos factos expostos que os sócios primitivos da sociedade, entre eles o falecido pai do autor, adquiriram os terrenos em causa porque a lei lhes atribui esse direito, como efeito automático da incorporação das obras por ele realizadas, dentro da previsão do artº 1340º do CC.
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- Perante a prova produzida deveria igualmente ter sido declarada a nulidade da escritura de compra de 03.03.00 e consequentemente dos registos.
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- Para a hipótese de assim se não entender, verificou-se ainda violação do disposto no artº 508º, nº 3 do CPC, o que acarreta a nulidade da sentença.
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- Houve portanto erro na qualificação e integração de iure dos factos apurados na decisão final, pelo que se impõe a revogação da sentença apelada.
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- Finalmente, e sem prescindir das restantes conclusões, e por mera cautela de patrocínio, poderão, no caso de não considerarem aquelas válidas, suscitar, no uso dos poderes que lhes são conferidos pelo artº 712º, nº 4 daquele diploma adjectivo, com vista ao apuramento, em audiência de julgamento, de toda a matéria de facto articulada que interessa à boa decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Não foram apresentadas contra alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*II.
A matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido foi a seguinte: O autor é o único herdeiro de G……. e I……., falecidos, respectivamente, em 06.07.85 e 03.03.95. (
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G……, pai do autor, foi sócio da Sociedade "C……., Ldª", ora ré, com sede no Lugar ….., freguesia de ….., concelho de Valongo. (B) A referida sociedade, cujo objecto era a compra e venda de mobiliário, foi constituída por escritura lavrada no dia 17.02.65, no Segundo Cartório Notarial de Oliveira de Azeméis, a fls. seis a oito do livro de notas para escrituras diversas B-vinte e sete. (C) Foram fundadores da sociedade, além de G…….., o seu irmão E……. e o seu cunhado F…….. . (D) No dia 04.11.68, mediante escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Paredes, a referida sociedade comprou a J…….. e mulher [L……..], o prédio rústico, sito no lugar de Vilar, freguesia de Sobrado, concelho de Valongo, a confinar do nascente com M……., do poente com N……. e outros, do norte com O……. e do sul com caminho público, descrito na Conservatória sob parte do número trezentos oitenta e um a folhas cento e noventa e um verso do Livro B-1 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo mil e doze. (E) No dia 08.05.73, mediante escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Valongo, a mesma sociedade comprou também a P……., o prédio: "terreno para construção urbana, com a área de oitocentos metros quadrados, sito no lugar ….. ou ….., em Sobrado, a confrontar do norte com estrada camarária e do sul, nascente e poente com os vendedores" [desanexado do prédio rústico inscrito na matriz sob os artigos 62, 63, 64, 66 e dois terços do artº 740, descrito na 1ª Sec. da 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número 12.317]. (F) e doc. de fls. 38) Sobre cada um daqueles terrenos foi erguido um edifício. (G) Após as aquisições referidas em E) e F), G……., E…… e F………, agindo em nome próprio, construíram, sobre os terrenos daqueles prédios, em comum e partes iguais, dois edifícios, que vieram a ser inscritos na matriz com o teor de fls. 16 e 17, respectivamente [artigos 1270 e 1490]. (1º a 4º) Tais edifícios foram construídos sobre terrenos que pertenciam à ré "C…….., Ldª". (5º) No dia 30.12.83, por escritura lavrada no Cartório Notarial de Paços de Ferreira, os sócios fundadores da Sociedade "C………., Ldª", entre eles, o pai do autor, G…….., cederam as suas quotas a H…….., D……. e E……. . (H) O D…… e E……. são filhos de F……., e o H…….., era, ao tempo, funcionário de escritório da ré. (I) Aquando da cessão de quotas referida em H), cedentes e cessionários acordaram que tal negócio não abrangia os dois edifícios referidos nas respostas aos quesitos anteriores. (6º) A cessão abrangeu os bens móveis, matérias-primas e viaturas identificadas no documento de fls. 46 e anexo de fls. 47 a 53. (7º) Aquando da cessão de quotas referida em H), os cessionários acordaram que a sociedade pagaria aos cedentes uma quantia de 70 000$00/mês. (25º) Na sequência da cessão de quotas, os cedentes e cessionários lavraram o contrato-promessa constante de fls. 44 e 45, bem como o termo de responsabilidade cuja cópia consta de fls. 46. (8º) Por escritura notarial de 10.07.86, Q…….., R…….., S…….., D……, E……., I…….. e B…….., dizendo que eram donos de um prédio urbano no lugar de ……, Sobrado, inscrito na matriz sob o artº 1490, declararam que o davam de arrendamento à Sociedade "C…….., Ldª.", de que o também outorgante H…….. juntamente com os ditos D…… e E…… se declararam sócios, pelo prazo de um ano renovável, para comércio e indústria de móveis e estofos, pela renda anual de 840.000$00. (J) A intervenção dos réus D……. e E……., no contrato a que se reporta a escritura aludida em J), foi feita quer na qualidade que declararam de proprietários (juntamente com outros) do prédio urbano inscrito na matriz sob o artº 1490º, referido na resposta ao quesito 1º, quer na qualidade de únicos sócios (juntamente com H…….) da sociedade "C………, Ldª". (9º) Quer a referida ré (sociedade), quer os réus E…….. e D………., sabiam que tais edifícios não pertenciam àquela sociedade. (13º) Por testamento público de 11.05.94, Q……. declarou legar em comum a parte que possuía nos dois...
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