Acórdão nº 0652133 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Junho de 2006 (caso NULL)

Data05 Junho 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - Relatório Entre o IGAPHE - Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado -, que sucedeu ao FFH (Fundo de Fomento da Habitação) e a ré B…….. - que, por sua vez, incorporou o Banco C……, foi celebrado, em 10-12-80, um contrato de garantia bancária, prestada como forma de caução de um contrato de empreitada de obras públicas, até ao montante de Esc: 3.222.603410 inerentes ao depósito definitivo referentes a 5% sobre o valor da adjudicação de Esc: 64.452.061$00.

Consta ainda de tal contrato que a sua validade é de um ano a partir da data da sua prestação, findo o qual será automaticamente considerada nula e de nenhum efeito.

Embora em 16 de Janeiro de 1984 fosse efectuada vistoria para efeitos de recepção provisória da obra, só em 6 de Abril de 1989 é que foi lavrado o auto de recepção definitiva da obra.

O adjudicatário da obra nunca procedeu às reparações das deficiências e que lhe foram solicitadas, tendo sido outra empresa a efectuá-las, sendo que o salvo credor a favor da autora é de Esc. 14.563.128$50.

Em consequência, foi solicitado à ré, em 26 de Junho de 1989, renovada em 27-07-89 e 14-08-02, o pagamento da quantia correspondente à garantia prestada.

A ré não pagou invocando que a garantia, à data da interpelação, se encontra cancelada, uma vez que foi emitida pelo prazo de um ano.

Termina, por isso, pedindo que seja declarado nulo o termo de um ano aposto ao contrato de garantia bancária celebrado entre as partes e condenada a ré no pagamento da quantia de € 50.651,81, com juros de mora desde 26-06-89 e até efectivo pagamento.

Contesta a ré e impugna a versão apresentada pela autor, excepcionando ainda a caducidade, o abuso do direito e a prescrição de juros.

Responde a autora às excepções invocadas.

Dispensando a audiência preliminar, analisa o tribunal a quo as excepções suscitadas pela ré e conclui que se está perante uma garantia acessória da obrigação do empreiteiro perante o dono da obra, declara nula a cláusula de um ano como validade do contrato que lhe foi aposta, considerou a mesma caduca por ter o seu termo num ano e que a autora abusa do seu direito, na modalidade de venire contra factum proprium, pelo que julgou a acção improcedente e absolveu a ré.

Inconformada recorre a autora.

Recebido o recurso, apresentam-se alegações e contra alegações.

Nestas, vem a ré ampliar o objecto do recurso com vista a ser apreciada a tese defendida de nulidade do termo final de um ano aposto na garantia bancária.

Há, então, resposta da autora.

Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso.

* II - Fundamentos dos recurso O âmbito dos recursos é-nos fornecido pelo teor das conclusões - artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC.

Deste modo, torna-se conveniente a sua transcrição que, atendendo ao recurso ampliado pela ré, será, para melhor entendimento, repartido.

Assim: II - I - Quanto ao recurso da autora 1º - A garantia bancária em causa deverá ser qualificada como garantia autónoma e não, como sustenta o Sr. Juiz a quo, mera garantia acessória.

2 - Na interpretação da declaração de vontade do Banco apelado, inserta no texto da garantia em causa, importa, desde logo, atender ao facto de que a referida garantia bancária foi prestada por força do estatuído no Decreto-Lei n.º 48871, de 19 de Fevereiro de 1969, tendo sido convencionada para garantir o cumprimento do contrato de empreitada de obras públicas celebrado entre o Apelante e a D…. .

3 - Contrariamente ao entendimento pugnado pela douta sentença recorrida, a circunstância de a garantia em causa ter sido prestada no âmbito de uma empreitada de obras públicas e, portanto ao abrigo do Decreto-Lei n.º 48871, de 19 de Fevereiro de 1969, confere-lhe uma peculiaridade essencial para efeitos da sua qualificação jurídica como garantia autónoma e não como mera garantia acessória.

4 - No regime imposto pelo Decreto-Lei n.º 48871 não pode deixar de se ter em conta o modo de prestação da caução; a função da caução (que é a de garantir quer a celebração, quer o cumprimento do contrato ponto por ponto), bem assim como o facto de a caução permanecer no caso de falência ou morte do empreiteiro.

5 - Assim, em face de tais disposições legais, um declaratário normal, na posição do apelante, não poderia interpretar a declaração de vontade do Banco apelado, inserta no texto da garantia sub judicie, senão no sentido de a mesma garantir a boa execução do contrato de empreitada, assumindo o Banco apelado uma obrigação própria (e não meramente acessória da do empreiteiro), expressa em certa quantia, exigível pelo apelante logo que a garantia bancária deixasse de exercer a sua função: a de boa execução do contrato.

6 - Também o título "garantia" inserto no texto do documento junto aos autos com a petição inicial como documento n.º 1, repetido por mais que uma vez no texto, aponta para a natureza autónoma da garantia em discussão.

7 - Tanto mais que, não obstante ser um conhecedor habitual do comércio de prestação de garantias bancária, no âmbito da actividade bancária que exerce, o Banco Apelado não fez inserir no texto das garantias qualquer expressão do tipo "constitui-se fiador de....", ou outra equivalente.

8 - Outro dos elementos literais que apontam no sentido de a garantia bancária ser autónoma, e não acessória como defende a sentença recorrida, reside no facto de a mesma ter sido prestada na sequência da celebração de um contrato de empreitada, sendo a percentagem da garantia quanto ao valor da adjudicação da empreitada um elemento claro no sentido da natureza autónoma da garantia bancária.

9 - A circunstância de na garantia em causa constar o nome do cliente do Banco apelado a favor de quem foi emitida, pode ser apontada como outro argumento a favor do seu carácter autónomo.

10 - Os termos da garantia prestada apontam decisivamente para a ideia, não de garantia acessória, mas sim de garantia autónoma, já que através da mesma o Banco apelado assumiu a obrigação de cobrir de imediato os pagamentos não efectuados, sem hipótese de discutir a validade e possibilidade da obrigação garantida e sem poder opor a prévia excussão de bens do beneficiário.

11 - O ora apelante não pode concordar com o entendimento vertido na douta sentença recorrida segundo o qual, tendo a ora apelante aceite o termo de um ano aposto na garantia e não podendo desconhecer que a cláusula em causa não era admissível, não poderia agora vir invocar a sua nulidade.

12- É certo que o apelante aceitou a garantia nos termos em que esta foi emitida pelo Banco apelado, mas certo é também que este último não poderia deixar de ter consciência da nulidade do termo final aposto na garantia e da obrigatoriedade de a garantia prevalecer até à data da recepção definitiva da obra pelo apelante, uma vez que estava a prestá-la nos termos e para os efeitos previstos no D.L. n.º 48871, de19/02/69.

13 - Não pode a sentença recorrida "fechar os olhos" à conduta do Banco apelado, o qual, sendo um perfeito conhecedor do comércio da prestação de garantias bancárias no âmbito de contratos de empreitadas de obras públicas, conhecia ou deveria conhecer as disposições legais imperativas que obstavam a que fosse aposto na garantia em causa o termo final de um ano.

14 - Tal como refere o prof. Menezes Cordeiro, a propósito das inalegabilidades formais, a evidência da falta de forma ou a negligência grosseira, prejudicam sempre a possibilidade de ser invocada a inalegabilidade formal. Na verdade, havendo conhecimento do vício, é razoável que o contratante corra o risco de ver declarado nulo o seu contrato.

15 - Ora, o Banco apelado não poderia desconhecer a nulidade da cláusula aposta no texto da garantia sub judicie, motivo pelo qual, não poderia deixar de correr o risco de vir a ser accionada a referida garantia para além do prazo (invalidamente) convencionado.

16 - Donde, não poderia a actuação do Apelante, aceitando a aposição do referido termo final, ter criado no Banco apelado qualquer confiança legítima de que o apelante não exigiria a prestação da garantia até à data da entrega definitiva da obra, a qual poderia ser posterior à data aposta na garantia.

17 - A actuação do apelante não configura, contrariamente ao entendimento sustentado pela douta sentença recorrida, qualquer situação de abuso de direito, não excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (cfr. art. 334° do C.C.).

18 - É certo que o apelante aceitou a garantia nos termos em que esta foi emitida pelo Banco apelado, no entanto, atendendo à função que subjaz à caução prestada (garantir as obrigações assumidas pelo empreiteiro) e à natureza imperativa da norma que impõe a sua extinção após a recepção definitiva da obra, o exercício do direito de o apelante accionar a garantia bancária de que era beneficiário ainda que para além do prazo que ela própria aceitou não extravasa a finalidade que...

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