Acórdão nº 0652/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução19 de Outubro de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 – O INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, IP, interpôs para este Supremo Tribunal Administrativo o presente recurso excepcional de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17-6-2010, que negou provimento ao recurso que o mesmo Instituto interpusera da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que anulou o acto de adjudicação praticado no âmbito do concurso público para «Aquisição de serviços para o Desenvolvimento e Implementação do Sistema de Monitorização da Satisfação dos Utentes».

A anulação do acto impugnado baseou-se em violação do preceituado no n.º 4 do art. 139.º do Código dos Contratos Públicos.

A formação prevista no art. 150.º, n.º 3, do CPTA admitiu o recurso, por entender, em suma que importa: «a fixação do sentido e alcance do questionado n.º 4, do artigo 139.º, interessando apurar, designadamente, se tal preceito consagra ou não a garantia da “isolabilidade das propostas”, vedando a utilização de quaisquer dados que dependessem, directa ou indirectamente, dos atributos das propostas aposentadas pelos candidatos, com excepção dos da proposta a avaliar, ou seja, proibindo que a entidade adjudicante estabeleça critérios, factores ou sub-factores de avaliação que não sejam independentes entre si e, em especial, que estabeleçam comparações entre atributos que não sejam colhidos exclusivamente da proposta em avaliação».

O Recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões, na parte relativa ao mérito do recurso: 10.ª Salvo o devido e elevado respeito, não é sufragável a consideração do douto Acórdão ora recorrido no sentido de que a fórmula de avaliação das propostas contida no n.º 10 do art. 6.º do Programa do Concurso viola efectivamente o disposto no art. 139.º, n.º 4 do CCP e, também, nem sequer se pode acolher a interpretação deste preceito que lhe está subjacente.

  1. A fórmula de avaliação do preço das propostas estabelecida no art. 6.º, n.º 10 do Programa do Concurso [Pontuação (%) = € 300 000,00 - Preço da Proposta x 30 / € 300 000,00] não utiliza quaisquer características ou atributos de qualquer outra proposta que não seja da proposta a avaliar.

  2. O n.º 4 do art. 139.º do CCP não contém nenhum elemento que permita concluir que também proíbe que a fórmula matemática definida para a avaliação e pontuação do preço das propostas utilize como valor de referência o preço base indicado no concurso, sob pena de impossibilidade elaboração daquela fórmula para o fim em causa.

  3. Como se pode facilmente constatar na fórmula enunciada no Concurso e ao contrário do que referido no douto Acórdão recorrido, é indubitável que a atribuição da pontuação a cada uma das propostas, neste caso expressa em termos percentuais, apenas tem como referência o preço base fixado no Concurso, não entrando em linha de conta com qualquer característica ou atributo de qualquer das restantes propostas.

  4. Nem sequer é a menção descritiva/explicativa constante do art. 6.º, n.º 10 do Programa do Concurso (“sendo 30% o valor atribuído à proposta de preço mais baixo”), porventura incorrecta, que anula aquela constatação de que na aplicação da fórmula para a pontuação das propostas no factor preço não é considerado nenhum dado da proposta de preço.

  5. Qualquer concorrente poderia, na preparação da sua proposta, conhecer antecipadamente qual a pontuação que lhe seria atribuída em concreto, no que respeita ao factor preço, bastando, para tanto, aplicar a referida fórmula ou expressão matemática e sem que tivesse de entrar em linha de conta com qualquer atributo das propostas concorrentes.

  6. Tal como o douto Acórdão recorrido refere como princípio a observar na elaboração daquela fórmula de avaliação das propostas, todos os elementos que determinam a pontuação do factor preço encontram-se pré-definidos, de tal forma que permite aos concorrentes adaptar as suas propostas ao interesse da entidade adjudicante, maximizando dessa forma as hipóteses da sua proposta virem a ser escolhida.

  7. Por isso, ao contrário do que é considerado no douto Acórdão ora recorrido, aquele princípio não foi minimamente postergado, pois aquela fórmula de avaliação não inclui, directa ou indirectamente, qualquer valor que seja obtido pelos atributos das outras propostas apresentadas a concurso, atendendo apenas e só aos da própria proposta a avaliar, não se vislumbrando, também assim, qualquer violação do disposto no art. 139.º, n.º 4 do CCP.

  8. Não subsistem, pois, quaisquer dúvidas de que a fórmula de avaliação das propostas quanto ao factor preço prevista no Concurso dos autos não define as pontuações a atribuir a cada uma das propostas em função das características ou atributos de qualquer uma das outras.

  9. Sendo assim, então só resta considerar que para o douto Acórdão recorrido também constitui violação do n.º 4 do art. 139.º do CCP a utilização naquela fórmula do preço base do Concurso como valor referência da expressão matemática que calcula a pontuação a atribuir a cada proposta, baseando-se, para tanto, no supra mencionado excerto da opinião doutrinária que cita.

  10. Contudo, não se afigura que na definição da regra do n.º 4 do art. 139.º do CCP tenha cabimento incluir como dados proibidos na elaboração do modelo de avaliação, no que ao factor preço diz respeito, o preço base fixado no concurso, pois tal entendimento não tem nem a mínima correspondência na letra daquela disposição legal, nem sequer se enquadra no fim visado pela norma.

  11. Por conseguinte, a interpretação do n.º 4 do art. 139º do CCP no sentido de que, na elaboração do modelo de avaliação das propostas, não é permitida a utilização do preço base do concurso como elemento da fórmula/expressão matemática de cuja aplicação resultará a pontuação atribuída a cada uma das propostas, revela-se manifestamente inválida e contrária ao estabelecido no n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.

  12. Afirmando o legislador que “não podem ser utilizados quaisquer dados que dependam, directa ou indirectamente, dos atributos das propostas a apresentar”, nada, nem nenhum outro elemento interpretativo, permite extrapolar ou estender tal proibição ao preço base indicado no concurso, como se faz no excerto doutrinário citado no douto Acórdão recorrido, embora tal conclusão nem sequer seja objecto de qualquer demonstração.

  13. Aliás, se fosse aceitável a proibição de tal fórmula utilizar o preço base do concurso, então a elaboração da mesma mostrar-se-ia inviável, já que a expressão matemática em que a mesma se traduz carece de um factor de referência para poder ser operacional.

  14. Enfim, da aplicação da fórmula de avaliação das proposta definida no Programa do Concurso resulta, inequivocamente, que o factor preço é pontuado em relação a cada proposta a avaliar de forma independente e isolada de quaisquer elementos das restantes propostas, não ocorrendo, pois, qualquer violação do disposto no n.º 4 do art. 139.º do CCP, nem de qualquer dos princípios que lhe estão subjacentes.

  15. Acresce que o disposto no n.º 4 do art. 139º do CCP não comporta a interpretação de que veda a utilização do preço base fixado no concurso na elaboração da fórmula de avaliação das propostas quanto ao factor preço.

  16. Assim, ao contrário do equívoco em que incorre o douto Acórdão recorrido, do teor da fórmula de avaliação das propostas contida no n.º 10 do art. 6.º do Programa do Concurso não resulta, de forma alguma, qualquer violação do disposto no n.º 4 do art. 139º do CCP, pelo que, ao não ter entendido assim, o douto Acórdão violou não só as referidas norma concursal e disposição legal, como também o disposto no n.º 2 do art. 90 do Código Civil.

  17. Deste modo, sob pena de nefastas consequências em termos de incerteza e segurança jurídicas em sede de direito da contratação pública e de contencioso pré-contratual, urge revogar o douto Acórdão ora recorrido, julgando-se improcedente o invocado vício de violação de lei, por pretensa ofensa do art. 139.º, n.º 4 do CCP.

ESTES TERMOS, como nos demais e melhores de Direito, e sempre com o douto suprimento de V. Ex.as, Venerandos Conselheiros, deverá o presente recurso de revista ser admitido, nos termos previstos do art. 150.º, n.º 1 do CPTA, e, em sequência, também deverá ser concedido provimento ao mesmo e revogar o douto Acórdão ora recorrido, por se revelar improcedente o invocado vício de violação de lei, por alegada violação do disposto no n.º 4 do art. 139.º do CCP, mantendo-se, em consequência, incólume na ordem...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT