Acórdão nº 2773/04.2TJVNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução16 de Setembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA.

Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO Área Temática: .

Sumário: I – O crédito documentário irrevogável consiste em o banco emitente subscrever, perante o beneficiário, o compromisso firme, insusceptível de alteração ou cancelamento sem o acordo de todos os interessados, de realizar a prestação constante da abertura do crédito, desde que dentro do prazo de validade sejam entregues os documentos estipulados e respeitados os termos e condições do crédito.

II – Do crédito irrevogável nasce uma obrigação autónoma e independente que o banco deve cumprir mesmo que o ordenante entre em estado de impotência económica ou haja incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato principal, salva a hipótese de fraude do beneficiário, a qual constitui remédio excepcional e de carácter residual, a utilizar com extrema reserva.

III – Para além da ocorrência de fraude documental (respeitante aos próprios documentos apresentados pelo beneficiário e objecto de falsificação) e da aplicabilidade dos princípios gerais – como a boa fé, a proibição do abuso do direito, a regra “fraus omnia corrumpit” e a “exceptio doli“ – é, em geral, aceite que a realização do crédito documentário pode ser paralisada em duas situações: o envio de mercadoria sem qualquer valor económico ou a pura e simples não expedição de mercadoria alguma.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. nº 2773/04.2TJVNF.P1 – .º Juízo Cível de Vila Nova de Famalicão Rel. F. Pinto de Almeida (R. 1226) Adj. Des. Teles de Menezes; Des. Mário Fernandes Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.

B………., Limitada veio intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra C………. e D……….

, S.A.

.

Pediu que: a) seja a primeira ré condenada a reconhecer a existência, na mercadoria por si fornecida à autora, dos defeitos descritos em II (art. 18º a 49º) e III (arts. 50º a 54º) da petição inicial: b) seja a primeira ré condenada a reconhecer que, face a tais defeitos, está a autora impossibilitada de utilizar a mercadoria adquirida nos termos e para os fins que foram negociados; c) seja a primeira ré condenada a reconhecer que, por virtude dos defeitos da mercadoria por si fornecida, teve a autora os prejuízos elencados em IV (arts. 55º a 72º) da petição inicial e os demais que se apurarão em sede de liquidação de sentença; d) seja a primeira ré condenada no pagamento à autora da quantia de € 67.390,00, correspondente aos prejuízos referidos na al. c) deste pedido, e no pagamento das quantias correspondentes aos prejuízos que se vierem a apurar em sede de liquidação de sentença; e) seja o segundo réu, condenado a pôr termo, definitivamente, a todas as operações de pagamento relativas à carta de crédito documentário irrevogável nº LIC …/……, no valor de USD 31.459,53, ordenada pela autora e em benefício da 1ª ré, relativa à factura MTM/EXP/..-….-…..; f) ser a autora, em consequência, autorizada a proceder ao levantamento da caução bancária por si prestada conforme ordenado nos autos de providência cautelar; g) ser a primeira ré, em qualquer dos casos, condenada no pagamento à autora dos juros devidos, à taxa legal, e desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, contabilizados sobre as quantias peticionadas nas als. c) e d) deste pedido.

Alegou para tal factos, que em seu entender, a serem julgados provados, levariam à procedência dos pedidos deduzidos.

O Banco réu contestou, impugnando na sua generalidade, por desconhecimento, os factos alegados pela autora, e pedindo a sua absolvição do pedido.

Igualmente contestou a ré C………., impugnando na generalidade a matéria alegada, e deduzindo pedido reconvencional, no qual pediu a condenação da autora no pagamento à 1ª ré a quantia de USD 34.592,22, quantia a que devem acrescer juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.

A autora veio replicar, mantendo a posição assumida na petição inicial, e pugnando pela improcedência do pedido reconvencional deduzido.

Realizou-se o julgamento com observância do formalismo legal, no decurso do qual veio a autora ampliar o pedido, nos termos do disposto pelo art. 273º do CPC, requerendo o seguinte: - a ampliação do pedido constante das al.s c) e d) a final da petição inicial, no que se reporta ao alegado nos nºs 58º, 59º, 60º e 61º da petição inicial e ora constante dos quesitos 41º, 42º, 43º e 44º da base instrutória, de modo a que seja a primeira ré condenada no pagamento à autora de todas as indemnizações que esta efectuou aos seus clientes, face aos defeitos apresentados pela mercadoria vendida pela 1ª ré e para evitar a total devolução da mercadoria expedida àqueles, no montante de € 8.493,40 (e não somente € 5.000,00, como antes peticionado e alegado); - a ampliação do pedido constante das al.s c) e d) a final da petição inicial, no que se reporta ao alegado no nº 64º da petição inicial e ora constante do quesito 47º da base instrutória, de modo a que seja a primeira ré condenada no pagamento à autora da quantia que esta teve de despender para a vistoria exaustiva da tela adquirida à 2ª ré, no montante de € 8.059,92 (e não somente € 6.750,00, como antes peticionado e alegado); - a ampliação do pedido constante das al.s c) e d) a final da petição inicial, no que se reporta ao alegado no nº 71º da petição inicial e ora constante do quesito 52º da base instrutória, de modo a que seja a primeira ré condenada no pagamento à autora de todos os encargos que esta tem de assumir pela prestação de caução bancária, tal como ordenado por este tribunal, e que totaliza neste momento, a quantia de € 1.074,50, bem como no pagamento dos demais encargos que entretanto se vierem a vencer até ao levantamento da caução em causa (e não somente € 640,00, como antes peticionado e alegado).

A final foi proferida sentença em que se decidiu:

  1. Condenar a ré C………. a pagar à autora a quantia de € 42.936,51, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data da citação e até integral pagamento.

  2. absolver esta ré do restante contra si peticionado.

  3. absolver o réu D………., S.A., dos pedidos contra si deduzidos.

  4. absolver a autora do pedido reconvencional contra si deduzido.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso a autora, tendo apresentado as seguintes Conclusões: …………………………………… …………………………………… …………………………………… A 1ª R. contra-alegou, concluindo pela improcedência da apelação.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questões a resolver: Assente que o pagamento do preço da compra e venda celebrada entre a autora e a 1ª ré seria feito através de crédito documentário irrevogável e que essa ré (vendedora) cumpriu defeituosamente a sua prestação contratual, discute-se no recurso se este cumprimento é susceptível de integrar fraude por parte desta (beneficiária) e de obstar a que a 2ª ré (banco emitente) proceda ao pagamento a que se obrigou no âmbito daquela operação de crédito.

III.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos: 1) O pagamento mediante carta de crédito assume uma dupla vantagem para as partes contratantes pois que: - garante que o vendedor (1ª ré) recebe o pagamento do preço dos bens que vendeu em quaisquer circunstâncias; - garante ao comprador (autora) que o banco não paga a quantia devida enquanto o vendedor não apresentar os documentos exigidos na respectiva carta de crédito.

2) Assim, por solicitação da requerente, o 2º réu D………., S.A., no dia 22 de Março de 2004, emitiu a carta de crédito documentário irrevogável nº LIC …/……, a favor da 1ª ré, no valor de USD 73.200,00, com as demais condições específicas constantes do respectivo documento, nomeadamente o pagamento a 150 dias da data de embarque.

3) As facturas referidas no art. 9º da p.i. correspondem respectivamente...

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