Acórdão nº 023/09 de Tribunal dos Conflitos, 28 de Setembro de 2010

Data28 Setembro 2010

Acordam os juízes do Tribunal de Conflitos: I- RELATÓRIO 1. A FREGUESIA DE CAFEDE, pessoa colectiva nº 507081927, com sede na Rua da Bela Vista, em Cafede, Castelo Branco, instaurou, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, contra A… e mulher B…, residentes na Rua … na freguesia de Cafede, Castelo Branco, a presente acção popular, sob a forma declarativa, com processo comum ordinário, pedindo, a final, que a acção fosse declarada procedente, por provada e, em consequência, «I- Deve ser declarada a nulidade da escritura pública lavrada a fls. 38 do livro 282-F do Primeiro Cartório Notarial de Castelo Branco e, consequentemente, serem os Réus condenados, à sua custa, a procederem à correcção da descrição do prédio descrito sob o nº368 da freguesia de Cafede, concelho de Castelo Branco, dela retirando a parcela de terreno referida nos artº3º a 7º da petição inicial, sito na freguesia de Cafede, com cerca de 36 metros de comprimento e cerca de 5 metros de largura no ponto mais largo.

II- Ordenado o cancelamento de qualquer registo a favor dos Réus sobre a parcela referida anteriormente.

III- Deve ser julgado que a rua (…) referida nos artigos 3º a 7º da petição inicial, sito na freguesia de Cafede, com cerca de 36 metros de comprimento e 5 metros de largura no ponto mais largo, pertence ao domínio público e os Réus condenados a reconhecer isso mesmo.

IV- Devem os Réus ser condenados a absterem-se de, por qualquer forma realizar construções ou obras na referida rua, designadamente aquelas que se destinam à apropriação da mesma.

V- Devem os Réus ser condenados a absterem-se de, por qualquer meio, obstar ou dificultar o uso público da referida rua, bem como a demolir quaisquer obras que entretanto tenham ou venham a fazer.» 2. Por despacho liminar de 09.10.2007, o Mmo juiz do TAF de Castelo Branco, decidiu «declinar jurisdição sobre a causa», por, em síntese, não se tratar de um litígio emergente de relações jurídicas administrativas.

A autora interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul, sustentando a competência do TAF de Castelo Branco.

Por acórdão desse Tribunal, proferido em 25.06.09, foi negado provimento ao recurso e confirmada a decisão do TAF de Castelo Branco.

  1. A autora vem agora interpor recurso, para este Tribunal de Conflitos, do referido acórdão do TCAS, ao abrigo dos artº42º, nº1 do CPTA e 107º, nº2 do CPC ex vi artº 1º do CPTA.

    Termina as alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1. Em 01 de Junho de 2007, a ora recorrente intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, uma Acção Popular na qual, entre outros pedidos requeria que a Rua denominada “…”, sita na freguesia de Cafede, fosse declarada pertença do domínio público.

  2. Por sentença de 9 de Outubro de 2007, o TAF de Castelo Branco “declinou jurisdição sobre a causa”, por se considerar incompetente para conhecer da mencionada acção.

  3. Inconformada com esta decisão, a ora Recorrente interpôs recurso da mesma para o Tribunal Central Administrativo Sul.

  4. Tendo esse Venerando Tribunal proferido douto acórdão, no qual se negou provimento ao recurso e se confirmou a sentença recorrida, sendo tal douto acórdão insusceptível de recurso ordinário, nos termos do artº150º, a contrario, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos.

  5. Sucede que, anteriormente, a ora recorrente havia já intentado uma acção popular no Tribunal Judicial da comarca de Castelo Branco, com o mesmo pedido e causa de pedir da acção de que posteriormente deu entrada no TAF de Castelo Branco.

  6. No entanto, por douta sentença de 26.03.2007, aquele Tribunal julgou procedente a excepção de incompetência em razão da matéria dos Tribunais Comuns para decidir daquela acção e, em consequência, absolveu os Réus da instância.

  7. Está-se, assim, perante um conflito negativo de jurisdição, de acordo com o disposto no artº115º, nº1 do CPC, o qual nos termos do artº42º, nº1 do CPA e do artº107º, nº2 do CPC ex vi artº 1º do CPTA e do artº59º, nº1 do Decreto nº 19243 de 16.01.1931, deve ser decidido pelo Tribunal de Conflitos.

  8. A questão que a Recorrente pretende ver dirimida consiste em saber se, para apreciação da acção de onde o presente conflito emana, é competente a jurisdição comum ou a jurisdição administrativa.

  9. Tal como defende Manuel de Andrade, a competência material afere-se pelo pedido do Autor e pelos fundamentos que invoca (causa de pedir), pelo que a questão da competência material e logo da jurisdição competente apenas terá que ser analisada à luz da pretensão dos AA.

  10. O artº213º, nº3 da CRP estatui “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas ou fiscais.

  11. A qualificação das relações jurídicas como administrativas comporta duas dimensões caracterizadoras: o facto de se tratar de relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público e o facto de se tratar de relações reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo.

  12. Ora, in casu, a Recorrente é uma pessoa colectiva de direito público, pertencente à organização democrática do Estado, cujas atribuições, organização, bem como a competência dos seus órgãos, são reguladas por normas de direito administrativo, conforme o disposto nos artº235º e segs. da CRP.

  13. Por outro lado, o que se discute na acção popular sub judice é a pertença ou não de determinado bem ao domínio público, sendo certo que a definição de quais os bens que integram o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites, provém de normas de direito administrativo.

  14. Acresce que a pretensão da Recorrente visa a defesa de um interesse autárquico, mediante o exercício do direito de acção popular, a qual está conexionada com a defesa dos interesses públicos e difusos.

  15. Está-se, assim, perante uma relação jurídica substancialmente administrativa, quer quanto aos sujeitos, quer quanto ao objecto, e ainda atenta a conexão que existe com o interesse público e a defesa de interesses que a acção postula.

  16. Do ponto de vista processual, o estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais estabelece no artº1º, nº1, que: “Os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais.” 17. Com a entrada em vigor do ETAF, as questões relativas à delimitação do domínio público passaram a ser da competência dos Tribunais Administrativos.

  17. Isto porque deixaram de estar excluídos da jurisdição administrativa os litígios referentes à “qualificação dos bens como pertencentes ao domínio público e actos de delimitação destes com bens de outra natureza” (artº4º, nº1 e) do ETAF).

  18. Assim, a acção popular em causa nos autos, na medida em que visa a defesa de direitos difusos relacionados com o domínio público, confere, a par com a qualificação da Recorrente como pessoa colectiva de direito público, natureza administrativa à relação jurídica em litígio.

  19. Pelo que, face à causa de pedir e ao pedido formulado pela ora Recorrente, se...

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