Acórdão nº 03629/09 de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelGOMES CORREIA
Data da Resolução06 de Outubro de 2010
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acorda-se, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Central Administrativo: A)– O Relatório 1. -“A...–Empreendimentos Imobiliários, LDA, com os sinais dos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmº Juiz do TAF de Sintra que, julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional do IRC, do exercício do ano de 2003, no montante de €193.724,39, mantendo o acto impugnado, dela recorreu formulando as conclusões seguintes: “1. A acção inspectiva, iniciada em 8 de Novembro de 2007 e concluída em 29 de Fevereiro de 2008, desenvolveu-se por uma análise contabilística prévia, sem qualquer efeito prático, e por um acréscimo de proveitos, previamente determinada após audição dos adquirentes de 11 das 12 fracções do referido prédio da Quinta do Minote, inscrito na matriz predial urbana de Carnaxide sob o artigo 10929.

  1. Ao exame da escrita da empresa, não foram detectados quaisquer recebimentos para além dos que foram efectivamente registados na contabilidade pela venda das fracções e nem sequer se procedeu a qualquer correcção sobre «mútuos duvidosos».

  2. Os valores apurados já se encontravam na posse da administração tributária antes do início do procedimento inspectivo e antes do termo do exercício da actividade do ano de 2003.

  3. Os procedimentos informais de pré inspecção configuram a realização de uma verdadeira acção inspectiva, "ad-hoc", sem qualquer ordem de serviço que a ordenasse e sem qualquer respeito pelos direitos do sujeito passivo.

  4. A determinação da acção inspectiva foi unicamente um um -expediente para evitar a caducidade da liquidação.

  5. Nos termos do disposto no art. 39°, n° 2 da LGT, a tributação do negócio jurídico real constante de documento autêntico depende de decisão judicial que declare a sua nulidade 7. Sem prejuízo da douta jurisprudência invocada pelo Tribunal "a quo", a verdade é que a lei faz expressamente depender a tributação do negócio real da nulidade judicial do negócio dissimulado.

  6. Os compradores foram notificados e ouvidos, em 14.03.07, em 27.08.2007, em 28.08.2007, em 28.12.2007 e em 07.01.2008 ou em 7.01.2007 (pois a data do ano encontra-se rasurada), fora de qualquer procedimento de acção inspectiva.

  7. Os referidos procedimentos prévios consistiram na verdadeira acção inspecção que só teve início em data muito posterior ao arrepio do princípio da legalidade a que está obrigada a Administração Pública - art. 266° da CRP.

  8. O DL 431/98 de 31 de Dezembro que aprovou o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) tem justamente por base impedir arbitrariedades na condução da Inspecção Tributária, e tutelar também as garantias dos contribuintes durante esse procedimento - art. 69° da LGT.

  9. Os actos praticados ao abrigo dos poderes constitucionalmente conferidos à Administração Fiscal para proceder à Inspecção dos contribuintes, ao abrigo do princípio da legalidade (art. 266° da CRP e art. 3° do Código de Procedimento Administrativo), só podem ser conduzidos num processo inspectivo e não aleatoriamente em qualquer procedimento informal, como sucedeu com as declarações dos contribuintes adquirentes.

  10. Consequentemente, os actos praticados pela Administração Fiscal, em que são recolhidos os únicos indícios de prova que sustentam a correcção da matéria colectável, fora de qualquer acção inspectiva, são nulos nos termos dos arts. 133, n° 2, d) e 134° do CP A, ex vi os arts. 266° da CRP; art 3° do CPA e art. 69° da LGT.

    - Nulidade essa que expressamente se invoca e que determina a inexistência de todo o procedimento inspectivo que ora se impugna.

  11. Não pode esta conduta da Administração Fiscal ser sancionada jurisdicionalmente, pois tal significaria a negação do Estado de Direito Democrático que obriga a Administração a actuar no estrito cumprimento da Lei.

  12. Desde 14.03.2007 (data das primeiras declarações) que a Administração Fiscal teve a notícia dos alegados negócios simulados, pelo que a partir daquela data que constituía uma obrigação da Administração Fiscal iniciar de imediato uma acção inspectiva, com vista a apurar a verdade material dos factos.

  13. Só em 23.10.2007 é que a Administração Fiscal emitiu a Ordem de Serviço que veio a desencadear a acção inspectiva, ou seja, cerca de 7 meses após o conhecimento da informação, tendo o procedimento tido início em 8.11.2007.

  14. O último dia para a Administração Fiscal proceder às correcções de IRC de 2003 seria o dia 31.12.2007.

  15. Na data do início da acção inspectiva a Administração Fiscal já dispunha de todos os alegados elementos de prova que vieram a sustentar a sua decisão de liquidação adicional - ou sejam as declarações dos compradores.

  16. Pelo que o aproveitamento de tal prova na inspecção, ainda que se considere a mesma como legal, determina a nulidade da mesma pelos fundamentos expostos.

  17. A acção inspectiva iniciada não foi uma acção inspectiva, mas sim um mero expediente para alargar o prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no art. 46° da LGT.

  18. A Administração Fiscal, está obrigada ao respeito pelo princípio da boa fé nos termos do art. 6°-A do CPA. A conduta da administração fiscal violou inequivocamente o principio da boa fé, na medida em que a utilização de um expediente legal, com o único objectivo e propósito de evitar a caducidade do direito à liquidação, consiste num manifesto abuso de direito - art. 334° do Código Civil.

  19. A Administração Fiscal valeu-se do seu ius imperi de poder determinar a abertura de um procedimento inspectivo, com o único propósito de violar o direito do contribuinte a ver-lhe reconhecido o seu direito à caducidade da liquidação (art. 46° da LGT), e não para prosseguir o fim público de inspeccionar e apurar a prova que a habilitasse a conhecer da regularidade da situação contributiva do contribuinte.

  20. Consequentemente, também por este motivo, a inspecção fiscal e todos os actos administrativos decorrentes deste procedimento são nulos por violação do principio da boa fé a que está obrigada a Administração Fiscal - arts. 133, n° 2, d) e 134° do CP A, ex vi os arts. 266° da CRP; art. 3° do CPA e art. 69° da LGT.

  21. Daí que, a correcção aritmética do acréscimo de proveitos no valor auto-denunciado pelos adquirentes das fracções antes do início da acção inspectiva, como efectivamente foi, o expediente utilizado pela administração tributária e manifestamente ilegal, por iludir a disposição contida no n.° 1 do art. 46° da Lei Geral Tributária.

  22. O IRC é um imposto periódico, cujo prazo de caducidade se conta a partir da data em que o facto tributário ocorreu, e porque a Liquidação não foi validamente notificada ao sujeito passivo no prazo de quatro anos, verifica-se a caducidade do direito de liquidar o IRC do ano de 2003, nos termos do art. 88°, n.°1 do Código do IRC e 45°, números 1 e 4 do Lei Geral Tributária.

  23. Deverá ainda ser valorada a cooperação do sujeito passivo com a Administração Fiscal, que forneceu todos os dados e elementos requisitados.

  24. Inclusivamente, em virtude grande e forte pressão da Administração Fiscal, junto do sujeito passivo, e sob a ameaça de execuções fiscais e processos crimes, o sujeito passivo viu-se forçado a apresentar um quadro com diferenças de valores de vendas e que não foi de todo valorado nem comprovado.

  25. É à Administração Fiscal que compete o ónus de provar o montante a que deve estar sujeita qualquer correcção - art. 74° da LGT, o que não se confunde com qualquer palpite ou intuição dos inspectores.

  26. A prova dos montantes dos preços simulados só poderia ter sido determinado pela Administração Fiscal com recurso à movimentação bancária dos pagamentos e recebimentos, o que não sucedeu apesar de os contribuintes terem autorizado o levantamento do sigilo fiscal; 29. Em caso de dúvida na quantificação do acto tributário o acto tributário tem de ser anulado - art. 100° do CPPT.

    TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EXASV A REVOGAÇÃO DA DOUTA SENTENÇA ORA EM CRISE PELOS MOTIVOS SUPRA EXPOSTOS, COM A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA LIQUIDAÇÃO ORA IMPUGNADA, E AINDA QUE ASSIM NÃO SE ENTENDA A ANULAÇÃO DA MESMA POR DÚVIDA NA SUA QUANTIFICAÇÃO.

    VOSSAS EXCELÊNCIAS FARÃO ASSIM A ACOSTUMADA JUSTIÇA.

    Não houve contra -alegações.

    O EPGA emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, pelos fundamentos a que infra se fará alusão.

    Com os vistos dos senhores juízes adjuntos cumpre decidir.

    * B – A fundamentação 2.1. - DOS FACTOS: Na sentença fixou-se o seguinte probatório com base nos elementos junto aos autos: A. A impugnante exerce como actividade principal a compra e venda de bens imobiliários, a que corresponde o CAE 68100, e secundária a construção de edifícios (residenciais e não residenciais), a que corresponde o CAE 41200 (Doc. de fls. 56/63 do processo administrativo tributário).

    1. Está enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC, e no regime normal com periodicidade trimestral relativamente à actividade sujeita a IVA (Doc. de fls. 56/63 do processo administrativo tributário).

    2. No decurso do ano de 2003, a impugnante vendeu as seguintes fracções autónomas do prédio correspondente ao lote 5 da Quinta do Minote, Portela de Carnaxide, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Carnaxide, concelho de Oeiras, sob o artigo 10929.°: FRACÇÃO ADQUIRENTES VALOR DA ESCRITURA B B... € 124.699,47 C...

      C D... €124.699,47 E...

      D F... €139.663,41 G...

      E H... €139.663,41 I...

      F J...

      K...

      G L... €139.699,47 H M...

      l N... €139.663,41 O...

      J P... €139.663,41 Q...

      L R... €139.663,41 M S... €139.663,41 T...

      (Doc. de fls. 56/63 do processo administrativo tributário).

    3. No dia 27/08/2007, o adquirente C...

      declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma B foi de €165.000,00 (Doc. de fls. 77/78 do PAT).

    4. No dia 27/08/2007, o adquirente D...

      declarou aos serviços de inspecção tributária da...

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