Acórdão nº 203/99.9TBVRL.P1.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelHENRIQUES GASPAR
Data da Resolução14 de Julho de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Decisão: INUTILIDADE / IMPOSSIBILIDADE DA LIDE Sumário : I - A competência dos tribunais em razão da matéria constitui competência de primeiro grau, gerando a violação das regras sobre a competência material a incompetência absoluta do tribunal, de conhecimento oficioso – arts. 101.º, 102.º e 105.º do CPC, aplicável ao processo penal (art. 4.º do CPP). A competência material e funcional, em matéria penal como em matéria civil, são definidas pelas leis de organização judiciária e pelos códigos de processo – arts. 10.º do CPP e 66º e ss. do CPC.

II - No caso em apreço, o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência com fundamento em oposição de acórdãos foi interposto pela recorrente, com invocação do art. 437.º, de um acórdão proferido num processo penal. No entanto, a matéria sobre que decidiu, que constituía o objecto único do recurso ordinário interposto e sobre o qual o acórdão recorrido decidiu, no contexto processual determinado pelo princípio da adesão, respeitava exclusivamente a matéria civil, sobre questões exclusivas do pedido de reparação civil deduzido em processo penal, por demandante civil e contra demandado civil. O acórdão invocado como acórdão fundamento do recurso extraordinário foi proferido pelo STJ, por uma secção cível, num recurso em processo civil.

III -Aderindo ao processo penal – por força do princípio da adesão, consagrado no art. 71.º do CPP – o pedido («a acção») para indemnização civil mantém, no entanto, relativa autonomia funcional, quer por efeito das regras procedimentais próprias a que está vinculada (arts. 73.º e ss. do CPP), quer pela possibilidade de intervenção dos responsáveis meramente civis que, enquanto tais, seriam extraneus no processo penal.

IV - A obrigatoriedade, como regra, da adesão (que só nos casos excepcionais do art. 72.º do CPP cede) determina, porém, para respeitar a finalidade funcional do princípio, que a autonomia qualitativa dos pressupostos se sobreponha e exija a continuidade instrumental do processo para apreciação do pedido de indemnização sempre que, cedendo por circunstâncias próprias a acção penal, se mantenham, ainda assim, em aberto, as possibilidades de verificação dos pressupostos da reparação civil.

V - Os fundamentos da acção que, aderindo ao processo penal, ficam interdependentes, sendo qualitativamente diversos, têm, no entanto, que revelar uma unidade material que constitui a base relevante para a verificação, positiva ou negativa, dos respectivos pressupostos. A reparação fundada na prática de crime reverte, na base, às correlações factuais e ao complexo de factos que constituem, ou são processualmente identificados como constituindo um crime: tipicidade dos factos, ilicitude, imputação ao agente, dignidade penal. A dimensão penal é, porém, apenas uma parte (porventura uma parte qualificada) das possíveis relações de uma identificada unidade factual com a ordem jurídica.

VI -Consistindo, pois, a ilicitude penal numa «ilicitude qualificada», não está excluído que uma base factual, com autonomia e identidade próprias, que não atinja a dimensão «qualificada» do nível de ilicitude, não possa suportar ou exigir uma valoração de outro nível segundo uma outra fonte de antinormatividade, nomeadamente no plano dos pressupostos da responsabilidade civil. Deste modo, se o arguido for absolvido de um crime, e se subsistir, apesar da absolvição, uma base factual com autonomia que suscite, ou permita suscitar, outros níveis de apreciação da normatividade como pressuposto ou fonte de indemnização civil (autonomia qualitativa dos pressupostos), haverá que considerar o pedido de reparação civil (dependência ou adesão especificamente processual) que se possa fundamentar nos mesmos factos – seja responsabilidade por facto ilícito, seja responsabilidade pelo risco.

VII - Estas considerações são inteiramente transponíveis para a matéria dos recursos, onde se mantêm, quer a autonomia substancial das duas distintas dimensões, quer a autonomia e independência em matéria de recurso, no sentido em que pode existir recurso por iniciativa dos exclusivos intervenientes civis, e o recurso restrito à matéria civil pode ser admissível mesmo não havendo recurso da matéria penal, seguindo, então, regras de admissibilidade (alçada e sucumbência) próprias do processo civil (art. 400.º, n.º 2, do CPP). Deste modo, considerando o objecto sobre que decidiram e o conteúdo material das decisões, tanto o acórdão recorrido como o acórdão fundamento incidem e decidem exclusivamente sobre questão de natureza (matéria) civil.

VIII - A jurisdição do STJ é exercida segundo as modalidades de repartição de competência entre as diversas formações estabelecidas pelas leis de organização judiciária. A forma base da organização judicial interna do STJ relativamente à competência material (em razão da matéria) são as secções, que detêm competência própria, com formações de julgamento segundo a composição determinada nas leis de processo, mas também podem funcionar em formação de Pleno das secções – art. 35.º, n.ºs 1 e 3, da Lei 58/2008, de 28-08, e art. 28.º, n.ºs 2 e 3 da Lei 3/99, de 13-01.

IX -A dimensão organizatória das secções do STJ parte de um modelo de competência em razão da matéria – secções cíveis; secções criminais e secção social (além da especificidade da formação e competência da secção de contencioso) – arts. 42.º da Lei 58/2008, e 34.º da Lei 3/99. A organização segundo um modelo de competência material (em razão da matéria) distribui as competências por especialidade, com enunciação da competência das secções por tipos e espécies de matérias – as secções criminais julgam as causas de natureza penal; as secções sociais julgam as causas de natureza cível da competência material dos tribunais de trabalho; e as secções cíveis julgam as causas que não estejam atribuídas a outras secções (art. 34.º da...

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