Acórdão nº 05424/09 de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Setembro de 2010
Magistrado Responsável | CRISTINA DOS SANTOS |
Data da Resolução | 14 de Setembro de 2010 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
QUERCUS – Associação Nacional de Conservação da Natureza, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. As construções previstas no PPVRZOS I, designadamente, os loteamentos urbanos, os prédios de habitação colectiva, a Unidade Comercial de Dimensão Relevante, bem como as mais diversas infra-estruturas públicas cuja execução decorre do regime de cedências do Regime Jurídico da urbanização e Construção, não são construções de imprescindível interesse público.
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Neste sentido, milita a circunstância da imprescindibilidade destas construções não ter sido requerida pelo Município de Setúbal ou pela A...nem declarada pelos membros do Governo autores do Despacho Conjunto 1051/2001, de 3 de Dezembro.
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O abate dos sobreiros, bem como das restantes espécies existentes no local irá causar, inevitável e irreversivelmente, alterações no ecossistema montado - situação esta aceite pela Sentença recorrida quando aceita, a fls. 28, que " o abate dos sobreiros se apresenta como facto consumado e de recuperação remota" 4. Os danos para o ambiente e qualidade de vida resultantes do seu abate e consequente destruição irreversível do ecossistema não foram objecto de AIA.
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O procedimento de AIA, o estudo e avaliação de alternativas e a consulta pública constituem formalidades essenciais do procedimento autorizativo em discussão nos autos prévias à emissão da autorização de abate pretendida.
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Do requerimento da A..., nada é referido quanto à necessidade imperiosa das aludidas operações urbanísticas serem executadas naquele específico local, o que corresponde a dizer que não se sabe se há ou não alternativas válidas à implantação no local em questão.
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Não se argumente, como se faz na Sentença recorrida que, "a declaração de utilidade pública do empreendimento a que se refere o despacho conjunto de 12 de Dezembro de 2001 implica (...) naturalmente o loteamento da Contra-Interessada", pois se o PPVRZOS apenas foi aprovado e publicado no ano de 2008 - facto 7 da matéria de facto provada - e se, apenas, em 06.06.2008, a Contra-Interessada requereu à CM de Setúbal o licenciamento de 4 operações de loteamento urbano -facto 18 - como é que em Dezembro de 2001 se poderia ter declarado a imprescindível utilidade pública de um loteamento inexistente? 8. Ora, e atendendo ao relevante e notório interesse público, legal e objectivamente reconhecido dos bens pretendidos sacrificar de forma irreversível em prol das operações urbanísticas projectadas executar pela Contra-Interessada, impunha-se que o acto autorizador do abate dos sobreiros não fosse executado sem que estivesse demonstrada a inexistência de alternativas válidas quanto à localização daquelas operações urbanísticas.
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No sentido do entendimento de que a avaliação de impacte ambiental constitui um pressuposto legal essencial à tomada de decisão, numa situação de desflorestação cuja área a afectar seja superior a 50 hectares,o Despacho Conjunto n.° 309/2005, de 28 de Março, publicado no DR, IIa Série, de 19.04.2005, subscrito pelo Ministro do Ambiente e Ordenamento do Território, Ministro da Agricultura Pesca e Desenvolvimento Rural e Ministro da Economia e Inovação.
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No sentido da necessidade da Avaliação de Impacte Ambiental, o ofício subscrito pelo Director da Circunscrição Florestal do Sul - facto 3, mediante o qual se procedeu à notificação da A...para proceder ao "...envio dos documentos que comprovem a não obrigatoriedade do AIA".
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O Município de Setúbal quando requereu aos Ministros acima mencionados que fosse reconhecido que o "empreendimento" PPVRZOS constituía um "empreendimento" de imprescindível utilidade pública a fim de viabilizar o abate de 700 sobreiros, não requereu "a dispensa de AIA" através de requerimento "devidamente fundamentado no qual se descrevesse o projecto e indicasse os seus efeitos no ambiente" (art.° 3° do DL n.° 69/2000).
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Por seu turno, a Contra-Interessada aquando da apresentação do pedido de abate dos sobreiros em questão também não (a) requereu, nos termos acima mencionados no precedente artigo, a dispensa de AIA; (b) instruiu este pedido com o despacho de dispensa de AIA referido no aludido art.° 3° n.°1.
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O Despacho Conjunto n°1051/2001 declarou a imprescindibilidade pública do "empreendimento" do Plano de Pormenor do Vale da Rosa e Zona Oriental de Setúbal 1 e não das operações urbanísticas pretendidas executar pela Contra-Interessada.
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Consequentemente, não tendo sido declarada a imprescindível utilidade pública das referidas operações urbanísticas projectadas pela A..., não pode esta escudar-se naquele para se furtar ao cumprimento do preceituado no DL n.° 69/2000 e DL n.° 169/2001.
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O Despacho ministerial a isentar o abate dos sobreiros em causa de prévia AIA constituía formalidade essencial prévia à Autorização de abate impugnada, cuja preterição fere de nulidade insanável a autorização suspendenda.
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Contrariamente a tudo o anteriormente alegado, a Sentença recorrida, perfilhou sem qualquer apoio legal que "é somente em relação ao povoamento e não a sobreiros dispersos que a lei exige um especial cuidado", e que, " não só não se mostra exigível a prévia AIA em razão da área de intervenção de abate de sobreiros que, no caso concreto é muito inferior a 50 hectares, como existe, validamente e com eficácia, uma declaração de utilidade pública do PPVRZOS".
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A Sentença recorrida ao decidir desta forma violou, por erro de julgamento, o preceituado no n.°s 2 e 3 al. b) do art.° 1°, art.° 2°, art.° 3°, art° 4°, n.º 3° do art.° 12°, art.° I4°e n.° 3 do art.° 20° todos do DL n.° 69/2000, de 3 de Maio, bem como os art.°s 2°, 9°, al. d), 66°, n.° 2 e 109° da CRP, art.° 6 do DL n.° 169/2001 e al. a) do n.° 1 do art.° 120° do CPTA.
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Não obstante a Sentença recorrida ter considerado que o "abate dos sobreiros se apresenta como um facto consumado e de recuperação remota", ou seja, que a requerente demonstrou nos autos "os factos constitutivos" considerou também que o princípio da proporcionalidade impede o decretamento da providência pois a convicção do Tribunal vai no sentido de que "o prejuízo derivado excede consideravelmente o dano que se pretende evitar", pois, a "valoração não só do interesse público consubstanciado nos instrumentos de planeamento do desenvolvimento do território nacional - o alargamento do perímetro urbano tendente à satisfação da procura habitacional constitui opção que encerra em si mesma um inquestionável interesse público - como os próprios interesses da Contra-Interessada - a própria subsistência/viabilidade económica da sociedade - mostram-se superiores aos interesses que a Requerente defende nos autos, pois que estes são redutores face à solução integrada que foi gizada para minorar/ compensar o abate dos sobreiros em montado" 19. Resulta dos factos alegados que autorização de abate suspendenda foi prolatada sem prévia avaliação de impacte ambiental, sem avaliação de alternativas e sem prévia consulta pública.
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A autorização de abate viola, por todas as razões antecedentemente expostas, de uma forma grave e irreversível, o direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida.
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Neste sentido, a Sentença recorrida que a fim de efectuar a ponderação dos interesses em causa nos autos traz à colação a "análise da extensão do dano ambiental ocasionado pelo abate." 22. O direito ao ambiente é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias (art.° 17° da CRP).
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A conservação da "extensa área de montado de sobro, tutelado pelo ordenamento jurídico nos termos do Decreto-Lei n.° 169/2001 (...)" ( Despacho Conjunto n° 1051/2001) é, de acordo com o preâmbulo deste diploma legal, de grande importância para a ".....conservação da natureza, desempenhando, pela sua adaptação às condições edafo-climáticas do Sul do País, uma importante Junção na conservação do solo, na regularização do ciclo hidrológico e na qualidade da água.".
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O ecossistema montado em questão nos presentes autos faz parte de um património ambiental natural que ao Estado cumpre preservar (ai. e) do art.° 9° e art.° 66° da CRP).
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A autorização de abate viola o art.° 66° n.° i e 17° da Constituição, razão pela qual é ilegal e inconstitucional.
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O abate e destruição de sobreiros adultos em bom estado vegetativo, é insusceptível de ser compensado pela plantação de novas árvores.
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Nada nos autos nos garante que o projecto de compensação em execução compensa os sobreiros ora abatidos.
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Nada nos autos nos garante que os 20.000 sobreiros vingarão e crescerão contribuindo para a melhoria do ambiente e qualidade de vida. Antes pelo contrário.
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Estando eles sujeitos a todo o tipo de intempéries agravadas pelo aquecimento global - fenómeno público e notório que a Sentença em absoluto ignora -, nada garante que eles virão a cumprir a sua missão, ou seja, de compensação dos sobreiros ora abatidos.
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Actualmente, ainda é possível reverter a situação, pois ainda há sobreiros por abater, outros a regenerar e outros que não serão abatidos, razão pela qual o decretamento da providência requerida revestir, ainda, toda a utilidade para a defesa do ambiente e qualidade de vida.
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O não decretamento da providência inviabilizará a obtenção da tutela jurisdicional efectiva que a Requerente pretende em nome do interesse geral que é o da protecção do ambiente e dos recursos naturais.
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Os interesses aqui defendidos pela Requerente são interesses públicos com dignidade constitucional: (a) o direito ao ambiente e à qualidade de vida; (b) o direito à conservação e defesa dos recursos naturais.
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Estes interesses são de longe superiores ao eventual direito - que só como mera hipótese académica se pondera - de construir no montado de sobro por parte da Contra-Interessada.
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O abate dos sobreiros e as obras pretendidas construir pela Contra-Interessada irão destruir irremediavelmente e irreversivelmente todo o...
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