Acórdão nº 4625/06.2TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Setembro de 2010

Data09 Setembro 2010
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1.É lícito aos tribunais, para determinarem se estava incluído em certo contrato de arrendamento, - celebrado em 1959 , quando vigorava ainda a Lei 2030 e a regra da consensualidade dos arrendamentos para habitação – o logradouro anexo e individualizado ao locado, interpretar a vontade das partes através da produção em audiência de quaisquer provas, livremente valoradas pelo julgador, e tendo em consideração o modo como tal logradouro foi fruído pela locatária ao longo dos anos – podendo considerar, face às provas produzidas, tal logradouro incluído no objecto do contrato apesar de o documento particular que o corporizava o não referir expressamente.

  1. Face ao estatuído no art. 361º do CC, o reconhecimento pelo depoente de factos desfavoráveis que não possa valer como confissão – por se não verificarem os pressupostos de que depende o respectivo valor probatório pleno – vale como elemento sujeito à livre apreciação do tribunal.

  2. Por força do preceituado no art. 1037º, nº2 , do CC, ao locatário é consentido defender o poder de facto que exerce sobre a coisa locada, ainda que no quadro de um direito pessoal de gozo, - e, portanto, como possuidor em nome alheio - através dos meios possessórios.

  3. Verificam-se os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual , relativamente aos danos não patrimoniais alegados pelo locatário e que são consequência adequada de facto ilícito e culposo cometido por outro locatário, - traduzido na realização de obras e inovações construtivas no logradouro incluído na relação locatícia de que o lesado era titular, contra a sua vontade, bem como pela emissão de ruídos e cheiros que este passou a ter de suportar, em consequência dos sistemas de ventilação e exaustão instalados no estabelecimento do lesante -, lesiva dos seus direitos de personalidade, sendo o valor indemnizatório a arbitrar determinado por um juízo de equidade.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.AA intentou acção condenatória, na forma ordinária, contra a sociedade Restaurante AA, Lda, pedindo a condenação da R. a restituir-lhe a posse do terraço que faz parte integrante do andar de que é arrendatária desde 1959,repondo a situação anteriormente existente às inovações a que procedeu abusivamente no logradouro do local arrendado, bem como a pagar-lhe indemnização pelos danos sofridos, incluindo os não patrimoniais, no valor de €25.000,00 e dos demais que se liquidem em execução de sentença, estabelecendo-se ainda sanção pecuniária compulsória até reposição da anterior situação.

    A R. contestou, por excepção e impugnação, deduzindo ainda reconvenção, sendo, na réplica, requerida a intervenção na lide de todos os comproprietários do prédio, com fundamento na autorização que estes teriam concedido para a realização das obras questionadas – tendo os chamados contestado, dizendo que a A. sempre usou e fruiu o terraço em causa e que apenas autorizaram obras que não a prejudicassem.

    Após saneamento e condensação da matéria litigiosa e dedução pela A. de articulado superveniente, procedeu-se a julgamento, sendo proferida sentença a condenar a R.: - a restituir à A. a posse do terraço na sua plenitude, eliminando as infiltrações, com a sua impermeabilização, colocando as clarabóias ao mesmo nível das existentes, procedendo à reconstituição do terraço tal como existia anteriormente às obras ilegitimamente realizadas , com eliminação das construções e inovações realizadas pela R.; - a pagar à A. uma indemnização pelos danos morais sofridos no montante de €11.000,00.

    Inconformada, a R. apelou da sentença, questionando o decidido quanto à matéria de facto, invocando amplo estendal de pretensas nulidades - das quais apenas se considerou procedente a omissão de pronúncia quanto ao pedido reconvencional, oportunamente suprida – e pondo em causa os fundamentos jurídicos do decidido.

    A Relação julgou a apelação improcedente, confirmando inteiramente a decisão recorrida.

    Novamente inconformada, a sociedade R. interpôs recurso de revista, que encerra com 139 conclusões, em manifesta desconsideração do ónus de concisão que decorre do estatuído no art. 690º, nº1, do CPC, complementadas por um extensíssimo estendal de pretensas nulidades do acórdão recorrido e de incontáveis «violações de lei», substantiva e processual.

    Também aqui – cumpre salientar – a argumentação da sociedade recorrente se não compagina inteiramente com a peculiar fisionomia do recurso de revista: sendo o seu específico fundamento a «violação de lei substantiva», não é legítimo e adequado confundir ou misturar com questões de interpretação e aplicação da lei substantiva pretensas violações da lei de processo, que apenas poderão constituir objecto acessório daquele tipo recursório dominante - e, portanto, carecendo de ser claramente destacadas e autonomizadas das questões substantivas ou materiais a que prioritariamente se dirige a revista.

    Entende-se, porém, que as deficiências da peça processual apresentada não justificam a prolação de convite ao aperfeiçoamento, com a consequente e inevitável quebra da linearidade da tramitação do recurso e da celeridade na respectiva apreciação jurisdicional : na verdade, apesar da injustificada e artificial «complexização» da matéria em litígio, decorrente da estratégia processual seguida pela recorrente na produção da sua alegação, entende-se que são perfeitamente inteligíveis as questões jurídicas «nucleares» e relevantes suscitadas, pelo que se passará de imediato à respectiva apreciação – não pela ordem com que a recorrente entendeu formulá-las, mas pela sequência lógico-jurídica com que se entende que as mesmas devem ser apreciadas – e tendo naturalmente em conta que os tribunais apenas estão vinculados a apreciar as questões que relevam efectivamente para a solução normativa do litígio, e já não sobre as que apenas incidem sobre matérias totalmente desfocadas e irrelevantes para a solução do caso ou sobre questões, colocadas pelo recorrente, mas manifestamente prejudicadas pela solução jurídica dada ao pleito.

    2 As instâncias fizeram assentar a solução do litígio na seguinte matéria de facto: 1 - Por contrato de arrendamento celebrado em 4 de Abril de 1959, os então proprietários deram de arrendamento à Autora o 1° andar esquerdo do n.º 7 do prédio sito na Rua .............., em Lisboa, pela renda mensal de 1.110$00, com destino à habitação ( conforme cópia do acordo escrito de 4 de Abril de 1959, junto a fls. 17 e 18 e cujo teor se dá por reproduzido ); 2 - O prédio em causa não está constituído em propriedade horizontal, e é composto de lojas, cinco andares e cobertura de telha, existindo um logradouro ao nível do 1° andar, sendo actualmente comproprietários do mesmo os intervenientes; 3 - O 1º andar do prédio é composto por andar esquerdo e direito, abrangendo o logradouro todo o 1° andar, o qual constitui um terraço; 4- Os intervenientes na qualidade de comproprietários do prédio referido e por contrato celebrado no dia 3 de Novembro de 2003, deram de arrendamento à Ré as lojas com entrada pelos nºs 7-A e 7-C do mesmo prédio, e além do mais na cláusula VI do contrato autorizaram a Ré a realizar obras de adaptação ao fim a que o contrato se destina – exercício da indústria de hotelaria, como restaurante, bar ou similares e armazém ( cfr. contrato junto aos autos de providencia cautelar a fls. e cujo teor se dá por reproduzido); 5 - E nas obras autorizadas incluía-se «(...)as respeitantes a condutas de fumo, ventilação, renovação de ar e instalação das respectivas maquinarias (podendo a segunda outorgante, ora Ré, utilizar o corredor e terraço para colocação das mesmas e suas manutenção ) e ainda as necessárias à remodelação e arranjo da cave da loja com entrada pelo n° 7- C, bem como a abertura de porta para o corredor de emergência e serviço de construção de uma cave com entrada pelo n.º 7-A»; 6 - Nos termos da clausula X do contrato aludido, a R. ficava obrigada a «executar as obras necessárias à correcta impermeabilização dos terraços do prédio, assumindo também total responsabilidade por eventuais reparações que possam vir a tornar-se necessárias, durante um período de dez anos após a respectiva conclusão» ( cfr. contrato junto à Prov. Cautelar ); 7 - No âmbito do locado a A. sempre usou e fruiu do terraço, que constitui o logradouro do 1 ° andar esquerdo (art° 1º da BI ); 8 - Os terraços existentes nas traseiras do prédio ao nível do 1º andar (esquerdo e direito), estão individualizados e delimitados cada um deles por um muro; 9 - O acesso ao terraço do 1º andar esquerdo é efectuado pelas portadas da sala de estar da cozinha do 1º andar esquerdo; 10 - E pode ainda ser feito por um portão de ferro situado na continuidade do muro, junto a escada de emergência, cuja chave está na posse da Autora; 11 - E a escada de emergência referida, corre ao longo de todos os andares, até à...

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