Acórdão nº 1047/06-9TVPTR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2010

Data13 Julho 2010
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I-Quando estão em causa apenas os interesses dos próprios cônjuges, a falta da declaração referida em prevista na alínea c) do artº 1723º do CC pode ser substituída por qualquer meio de prova que demonstre que o pagamento foi feito apenas com dinheiro de um deles, ou com bens próprios de um deles.

II-O artigo 1723º, c) do Código Civil, ao determinar que os bens adquiridos com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges conservam a qualidade de bens próprios desde que a proveniência do dinheiro ou dos valores seja devidamente mencionada no documento da aquisição, ou em documento equivalente exige a intervenção de ambos os cônjuges.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça: 1-Relatório AA intentou acção declarativa de simples apreciação, com processo ordinário, contra BB, pedindo que se declare que as fracções autónomas identificadas nos autos são bens próprios da Autora, com todas as consequências legais.

Como fundamento, alegou que casou com o Réu, em 04/06/1988, sob o regime da comunhão de adquiridos, encontrando-se o casal separado desde 18/11/2002,tendo a Autora instaurado contra o Réu uma acção de divórcio litigioso, que corre termos no Tribunal de Família e de Menores do Porto.

Em 27/12/1988, através de escritura pública em que só o Réu interveio, à revelia da Autora, aquele declarou comprar as fracções autónomas em causa, não tendo declarado, como lhe competia, que as fracções autónomas estavam a ser adquiridas com dinheiro próprio da Autora.

De facto, tais fracções autónomas foram adquiridas, a pronto pagamento, com dinheiro próprio da Autora, concretamente, dinheiro proveniente de um prémio do totoloto que a Autora recebeu, sem qualquer participação financeira do Réu, sendo certo que, na relação entre Autora e Réu, não releva o facto daquela não intervir na escritura pública e o facto de aí não estar mencionada a proveniência do dinheiro.

O Réu contestou, alegando que as fracções autónomas foram escolhidas pela Autora, que também participou nas negociações preliminares à escritura e acompanhou o Réu ao Cartório Notarial no dia da celebração da escritura pública de compra e venda.

O preço real de aquisição das referidas fracções foi de 43.500.000$00, tendo sido pago da seguinte forma: na data da escritura, a Autora e o Réu entregaram aos vendedores o montante de 21.000.000$00, através de três cheques e uma quantia em numerário; nessa mesma data, a Autora e o Réu entregaram aos vendedores duas letras, ambas com vencimento em 28/06/1989, titulando as quantias de, respectivamente, 637.500$00 e 3.862.500$00, as quais foram apresentadas a desconto pelos vendedores; em 29/06/1989, a Autora e o Réu entregaram aos vendedores a quantia de 18.000.000$00, através de cheque, o qual foi apresentado a pagamento e obtido boa cobrança.

Em Dezembro de 1988, a Autora já só dispunha de parte da quantia resultante do prémio de totoloto que lhe foi atribuído, que foi utilizado para pagamento da primeira prestação do preço das fracções autónomas, no montante de 21.000.000$00, tendo o pagamento da quantia de 22.500.000$00, correspondente ao montante total pago aos vendedores após a celebração da escritura pública, resultado do esforço financeiro de ambos os cônjuges, mormente, do produto dos seus rendimentos provenientes do trabalho e, bem assim, do produto da venda de uma outra casa, em 1989.

A Autora replicou alegando que, após o casamento, passou a confiar ao Réu toda a gestão do seu património, tendo o Réu negociado directamente a aquisição do imóvel em causa nos autos. Reafirmou que as fracções autónomas em causa nos autos foram adquiridas com bens próprios seus, não tendo o Réu à data qualquer património que lhe permitisse pagar o preço sem recurso a empréstimo bancário, como efectivamente aconteceu.

Elaborados os despacho saneador e a base instrutória procedeu-se a julgamento, vindo a ser proferida sentença na qual se decidiu julgar a acção improcedente, absolvendo-se o réu do pedido.

Inconformada, a autora apelou para o Tribunal da Relação e aí por acórdão se julgou a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida, embora com fundamentos diferentes.

Deste acórdão veio a autora Interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal, onde formula as seguintes conclusões que delimitam o objecto do recurso: I. O quesito único, que consistia em saber se a totalidade do preço da escritura foi liquidado com dinheiro da Recorrente, foi dado como provado pelo Meritíssimo Juiz a quo.

  1. Para chegar à conclusão deste facto, o Meritíssimo Juiz a quo teve em conta os documentos juntos aos autos e os depoimentos das testemunhas arroladas.

  2. De tais depoimentos pode ler-se, na fundamentação à resposta à matéria de facto, o seguinte: - A testemunha CC "referiu ainda como o réu sempre assumiu a liderança dos negócios do casal, bem como os problemas e sarilhos que isso acarretou, alguns dos quais ajudou a resolver"; e - "o tribunal ficou convencido que o réu, antes e depois de casar com a autora, tomou a liderança das decisões patrimoniais do casal, e assim se justificando compras de imóveis em seu nome e movimentações de capitais em seu nome, sendo certo que, apesar disso, o dinheiro não era seu, antes provindo do património hereditário da Autora, bem como do prémio que a mesma ganhou no totoloto".

  3. Sendo o Recorrido quem mandava e desmandava nos dinheiros da Recorrente, foi-lhe fácil outorgar sozinho a escritura de compra e omitir a declaração, a que estava obrigado, de que se tratava de uma aquisição com dinheiro própria da Recorrente.

  4. Acresce que o Recorrido nunca pôs em causa, como o Venerando Tribunal da Relação veio agora a fazer, que a ausência da Recorrente da escritura a impossibilitaria de alegar e provar que o bem é próprio dela. Pois, se o Recorrido o tivesse alegado, a Recorrente teria certamente feito prova de que efectivamente esteve presente na escritura apesar de não a ter assinado, fazendo cair o argumento de que o Recorrido não podia intervir sozinho para adquirir bem próprio da Autora.

  5. Veja-se, aliás, que o próprio Recorrido, em todo o articulado da sua contestação, se refere ao plural, como tendo sempre tratado tudo juntamente com a Recorrente.

  6. Dispõe a alínea c) do artº 1723.° do Código Civil, que conservam a qualidade de bens próprios os bens adquiridos com dinheiro próprio de um dos cônjuges, desde que a proveniência desse dinheiro seja devidamente mencionada no documento de aquisição ou em documento equivalente.

  7. Se seguirmos o argumento por nós defendido e acolhido também pelo Tribunal da Relação, desde que seja demonstrado que um bem foi adquirido com dinheiro próprio de uma das partes, mesmo sem a existência de tal menção na escritura, o bem é próprio.

  8. Não há nada que nos leve a entender, como o fez o Venerando Tribunal da Relação, que o facto de o cônjuge detentor do capital não ter intervindo na escritura o impede de invocar tal argumento mais tarde.

  9. Sendo o regime de casamento do Autor e Ré o da comunhão de adquiridos, não era necessário, nos termos do Código Civil, a intervenção de ambos os cônjuges para a aquisição de bens imóveis.

  10. Seguindo o Venerando Tribunal da Relação do Porto a tese de que existe apenas uma presunção iurus tantum quanto à propriedade comum dos bens, que poderá ser ilidida nas relações internas entre os cônjuges após a dissolução do casamento, tal tese não é minimamente beliscada pelo facto de apenas o Recorrido ter tido intervenção na escritura pública.

  11. A verdade é que, não resulta da tese doutrinal...

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