Acórdão nº 323/09 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Junho de 2009

Magistrado ResponsávelCons. V
Data da Resolução29 de Junho de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 323/09

Processo n.º 316/09

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC):

    “1. A Alta Autoridade para a Comunicação Social aplicou à A. SA uma coima de € 50.000,00, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho (Lei da Televisão).

    A A. impugnou este acto sancionatório, tendo o Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras julgado o recurso improcedente. A A. recorreu desta sentença. Por acórdão de 4 de Março de 2009 o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso.

    A A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC).

    Neste Tribunal, o relator proferiu despacho, nos termos dos n.ºs 5, 6 e 7 do artigo 75.º-A da LTC, a convidar a recorrente a indicar, de modo preciso, o sentido normativo do n.º 1 do artigo 21.º da “Lei da Televisão” cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada.

    A recorrente respondeu nos seguintes termos

    “A., S.A., recorrente nos autos à margem referenciados e neles devidamente identificada, tendo sido notificado do despacho proferido pelo Exmo. Juiz Conselheiro Relator, no qual se convidava a recorrente a “indicar, de modo preciso, o sentido normativo do n.º 1, do art. 21.º da «Lei da Televisão» cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada pelo Tribunal”, nos termos do n.º 5, 6 e 7 do artigo 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, vem, cumprindo o referido convite, dizer simplesmente o seguinte:

    A recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, al. b), da Lei do Tribunal Constitucional, por entender que no presente processo foi aplicada norma – art. 21.º, n.º 1 da Lei nº 31-A/98, de 14 de Julho – cuja interpretação e consequente aplicação ao caso concreto se revela flagrantemente inconstitucional, inconstitucionalidade essa que foi levantada ao longo do presente processo conforme, aliás, pressupõe o artigo ao abrigo do qual a recorrente apresentou o seu recurso.

    Entende a recorrente que o artigo 21.º, da Lei nº 31-A/98, de 14 de Julho, é inconstitucional, nomeadamente, quando interpretado em termos de limitar e restringir, de modo absoluto e sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, a liberdade de expressão e o direito/dever de informar, vendo num caso como este um atentado a algum direito fundamental — e então pergunta-se: qual-

    Dispõe o art. 21.º, n.º 1, da Lei da Televisão, que “não é permitida qualquer emissão [televisiva] que viole os direitos, liberdades e garantias fundamentais, atente contra a dignidade da pessoa humana ou incite à prática de crimes”.

    Pois bem, emitir a reportagem que se emitiu (e que consta dos autos), onde simplesmente se entrevistam duas crianças sobre factos que as mesmas presenciaram, não viola de modo algum “direitos, liberdades e garantias fundamentais” ou sequer se atenta “contra a dignidade da pessoa humana” e muito menos se incita “à prática de crimes”.

    Menos ainda quando a referida reportagem foi consentida por quem exerce o poder paternal, foi prestada de livre e espontânea vontade, tendo os jornalistas previamente verificado a aptidão física e mental das crianças para prestarem o aludido depoimento, as quais manifestaram tranquilidade, serenidade e discernimento. Se os próprios visados – as crianças e os responsáveis pelo poder paternal – consentiram na feitura da reportagem, quem mais e melhor pode aferir se houve ou não atentado a algum seu direito fundamental-

    A interpretação preconizada pelo Tribunal de Primeira Instância, bem como pelo Tribunal da Relação (que concluiu pela inadmissibilidade e ilegalidade da entrevista às crianças) é inconstitucional pois viola de forma directa e escandalosa o preceituado no artigo 37.º, n.º 1 e 2 da CRP “Todos têm direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações” (n.º 1); “o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura (n.º 2)” e no artigo 38.º n.º 1 e 2 alínea a) também da CRP “É garantida a liberdade de imprensa” (n.º 1); “A liberdade de imprensa implica: a) a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional” (n.º 2, al. a)).

    Viola ainda o preceituado no art. 18.º, n.º 2 e 3 e 27.º, n.º 1 e 2 todos da CRP, pois o referido artigo 21.º, n.º 1, interpretado como foi, restringe direitos, liberdades e garantias, sem que essa restrição esteja constitucionalmente prevista e faz diminuir o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais, designadamente os que prevêem o direito à liberdade de expressão, informação e imprensa (art. 37.º e 38.º CRP). Tal interpretação restringe, pois, em geral, a liberdade (em várias das suas vertentes) cf. art. 27.º CRP.

    Ora, a interpretação genérica e abstracta preconizada pelos dois tribunais que apreciaram a questão – a de que o art. 21.º, n.º 1, da Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, impede que seja levada a cabo qualquer entrevista a menor, mesmo quando obtida a autorização de quem, no momento da recolha de sons e imagens, tinha a seu cargo a guarda dos menores e ainda a posterior autorização expressa e escrita da sua mãe, titular do poder paternal sobre os mesmos – é inconstitucional pois conflitua com a liberdade de expressão e informação e ainda com a liberdade de imprensa, direitos fundamentais, constitucionalmente garantidos. Não pode vir uma qualquer interpretação normativa sobre um qualquer preceito meramente legal arredar direitos constitucionalmente consagrados como são os supra referidos. Não foi, pois, no presente caso posto em causa qualquer direito ou interesse das crianças, ou será que as crianças não podem ser entrevistadas na televisão sobre factos que presenciaram, se as próprias e os seus pais o aceitam-

    Foi no presente caso feita uma interpretação extremamente restritiva do referido artigo 21.º, n.º 1, da Lei da Televisão, interpretação essa que não se coaduna com os direitos e princípios fundamentais subjacentes ao Estado de Direito Democrático onde, todos, ainda, julgamos viver!

    Termos em que, por ter sido aplicada uma norma (art. 21.º, n.º 1, da Lei n.º 31.º-A/98 de 14 de Julho), cuja interpretação normativa é patentemente inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 3, 27.º n.ºs 1 e 2, 37.º, n.ºs 1 e 2 e 38.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade essa que foi suscitada no recurso pela ora Recorrente interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, sendo esta parte legítima e o recurso ora interposto legal e tempestivo, se requer a sua admissão, seguindo-se os demais termos até final.”

  2. No sistema português de fiscalização concreta de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputadas a normas jurídicas (incluindo neste conceito as interpretações normativas que tenham sido adoptadas como critério da decisão, hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional). Não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.

    Por outro lado, a admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos específicos: (i) a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC); (ii) a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.

    Constitui ónus do recorrente indicar o objecto (em sentido material) do recurso. Quando...

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