Acórdão nº 301/09 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Junho de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Joaquim de Sousa Ribeiro
Data da Resolução22 de Junho de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 301/2009

Processo n.º 75/09

  1. Secção

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos da 9.ª Vara Cível de Lisboa, em que é recorrente o MINISTÉRIO PÚBLICO e recorrido A., S.A., foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal de 10.09.2008, nos seguintes termos:

    O Magistrado do Ministério Público neste Tribunal, fazendo uso da faculdade conferida pelo art.° 145.° n.º 5 do C.P.C., vem, em obediência e nos termos do disposto pelos arts 280.° n.° 1 al. a) e n.° 3 da Constituição da República Portuguesa, 69.°, 70.° al. a) e 72.° n.° 1 al. a) da Lei do Tribunal Constitucional - Lei n.° 28/82 de 15/11 -, interpor recurso para o Tribunal Constitucional da parte da decisão de fls. 3478 a 3490 que recusou a aplicação da norma resultante da conjugação dos art.ºs 13.°, n.°1, 15.° n.°1, al. o), 18.°, n.°2 e tabela anexa ao C.C.J. na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.° 224-A/96 de 26 de Novembro por considerar aquela norma ferida de inconstitucionalidade material e violadora do direito de acesso aos tribunais consagrado pelo art. 20.° da C.R.P., conjugado com o princípio da proibição do excesso decorrente do art.° 2.° da C.R.P.

  2. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional apresentou alegações, tendo concluído o seguinte:

    A norma resultante dos artigos 13.º n.º 1, 15.º, n.º1, alínea o) e 18.º, n.º 2 do Código das Custas Judiciais, na versão emergente do Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro, conjugada com a tabela anexa, interpretada em termos de o montante das custas decorrente do decaimento numa acção com o valor tributário de € 3.854.261,23 e respectivos apensos, incidentes e recursos (incluindo duas providências cautelares do arresto) – ser calculado em função de tal valor, sem que se preveja a aplicação de qualquer limite máximo, originando um valor global de €253.033,92 de custas, não pode considerar-se, em si mesma, violadora do direito de acesso à justiça e do princípio da proporcionalidade.

    Na verdade, essa tributação uma acção de valor consideravelmente elevado não implica quebra da estrutura bilateral ou sinalagmática das taxas, representando a ponderação – não apenas do valor de custo do serviço em causa – mas também do valor presumivelmente resultante da utilidade alcançável através do recurso ao tribunal e da complexidade que esteve subjacente à tramitação da causa e respectivos apensos que – no caso dos autos – envolveu processado de particular complexidade e extensão (expresso em 15 volumes e 6 apensos), em que forem esgotados pelos interessados os meios impugnatórios possíveis.

    Não funcionando o princípio da igualdade em termos diacrónicos, não é possível realizar uma comparação entre tal regime, decorrente da versão de 1996 do Código das Custas Judiciais, e o actualmente estabelecido no artigo 27.º, não aplicável ao caso dos autos, representando uma ponderação inovatória e constitutiva do legislador que não pressupõe a inconstitucionalidade da solução que constava da lei anteriormente vigente.

    Termos em que deverá proceder o presente recurso.

  3. A recorrida não contra-alegou.

  4. O despacho recorrido tem o seguinte teor, na parte que agora releva:

    (…)Na presente acção, que tinha o valor tributário de €3.854.261,23, foram contadas à Autora custas no montante total de € 253.033,092, respeitando €173.383,53 a taxas, correspondendo € 9.684,44 à taxa do incidente de apoio judiciário, reduzida a ¼, nos termos do art.° 15.°, n.° 1, do C.C.J., na redacção do D.L. n.° 224-A/96, de 26 de Novembro, €19.368,88 de taxa de justiça em cada um de três recursos, €25.105,22 noutra taxa de justiça de recurso, €12.552,61 noutra taxa de justiça de recurso , todas reduzidas a ½, nos termos do art.° 18.°, n.° 2, do C.C.J., na redacção do D.L. n.° 224-A/96, de 26 de Novembro, €45.748,60 de procuradoria com natureza de taxa e, finalmente, €45.453,04 a título de custas de parte.

    A acção comportou designadamente:

    I- ACÇÃO PRINCIPAL:

    - Base Instrutória com 45 quesitos (fls. 367 a 376);

    - dezasseis sessões de julgamento : fls. 627 ( 5.11.98), fls. 635 (11.11.98), fls. 726 (2.12.98), fls. 737 ( 7.1.99), fls. 931 ( 26.1.99), fls. 1066 (11.2.99), fls. 1478 ( 15.4.99), fls. 1507 ( 20.4.99), fls. 1563 ( 21.4.99), fls. 1633 (13.5.99), fls. 1651 ( 17.6.99), fls. 1749 ( 23.6.99), fls. 1752 ( 26.9.99), fls. 1764 ( 6.7.99), fls. 2313 ( 9.11.2001), fls. 2319(30.11.2001);

    - inspecção ao local (fls. 737-738);

    - realização de prova pericial (cfr. fls. 1856, 1878 e ss.);

    - despacho de revogação do beneficio de apoio judiciário concedido à Autora (fls.2380 a 2383);

    - sentença a fls. 2384 a 2397;

    - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 2532 a 2545;

    - junção de pareceres de professores universitários a fls. 2704 e ss.;

    - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a fls . 2816 a 2823;

    II — APENSO A (Arresto intentado pela Autora contra a Ré em 26.5.98):

    - julgamento em 8.7.98 (fls. 36);

    - julgamento na oposição a fls. 316 ( 2.12.98), fls. 337 ( 26.1.99), fls. 419 ( 11.2.99), fls. 652 (14.1.2000);

    - sentença final a fls. 653 a 660 (4.2.2000);

    - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 1041 a 1048 (23.1.2002);

    III — APENSO B ( agravo do despacho que revogou o benefício de apoio judiciário):

    - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.12.2002 (fis. 150 a 155);

    IV- APENSO C (procedimento cautelar de arresto intentado pela Autora contra a Ré em 25.7.2002):

    - indeferimento liminar a fls. 93 (8.8.2002);

    - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 1431-1432( 12.12.2002);

    -julgamento e sentença a fls. 203 a 209 (21.5.2003);

    -julgamento em oposição a fls. 1333 (19.1.2004);

    - sentença de revogação do arresto a fls. 1520 a 1522 (27.2.2004);

    - despacho a declarar deserto o agravo a fls. 1720 (31.5.2004);

    - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 1860 a 1862 (4.8.2004);

    V- APENSO D (agravo interposto pela ré do despacho de fls. 3372 a 3375):

    - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 392 a 405 (19.1.2006);

    VI- APENSO E ( agravo interposto pela ré do despacho de fls. 2531 a 2536 que decidiu reclamação à conta):

    - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 765 a 779 (13.10.05);

    VII- APENSO F (recurso de agravo interposto pela Autora do despacho que indeferiu o pedido de reforma da conta de custas elaborada no arresto):

    - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 218 a 223 (27.3.2007’);

    - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a fls. 295 a 297 ( 6.11.2007).

    Resulta do arrazoado que antecede que a acção e seus apensos teve um processado que, de forma alguma, se pode classificar de breve e singelo. A dificuldade do apuramento dos factos materiais e forte litigiosidade que a acompanhou justificam, em grande parte, a extensão e complexidade do processado.

    Apesar do que fica dito, cremos que a complexidade demonstrada não justifica os valores agora apurados, os quais se afiguram desproporcionais e injustificadamente inibidores da utilização dos serviços públicos de justiça.

    Para a fixação desses valores contribuiu a ausência de previsão de um limite máximo ou da possibilidade da intervenção moderadora do juiz na fixação do valor das taxas devidas pela tramitação ocorrida.

    Pelo que, também aqui, concluímos que essa desproporção flagrante e o exagero daquela quantia viola não só o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
  • Acórdão nº 2949/15.7TDLSB-D.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-02-02
    • Portugal
    • Tribunal da Relação de Lisboa
    • 1 Enero 2022
    ...reforma do processo civil», Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, pp. 745 e 747; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 353/2008, 301/2009, 286/2011, 350/2012, 90/2013, 778/2014, 510/2015, 193/2016, 251/2017 e 675/2018, in A fórmula do nº 1 do art. 32º da Constituição «é, sobretu......
  • Acórdão nº 196/23.3JAPDL-A.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-09-27
    • Portugal
    • Tribunal da Relação de Lisboa
    • 1 Enero 2023
    ...reforma do processo civil», Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol. i, pp. 745 e 747; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 353/2008, 301/2009, 286/2011, 350/2012, 90/2013, 778/2014, 510/2015, 193/2016, 251/2017 e 675/2018, in «Não é inteiramente líquido o âmbito normativo-constituci......
  • Acórdão nº 2553/21.0T8GMR.G3 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-03-16
    • Portugal
    • Tribunal da Relação de Guimarães
    • 1 Enero 2023
    ...dos particulares. [11] Neste sentido, por todos, Ac. do TC, n.º 227/2007, de 28.03.2007, Paulo Mota Pinto. Reiterando-o, Ac. do TC, n.º 301/2009, de 22.07.2009, Joaquim de Sousa Ribeiro; ou Ac. do TC, n.º 421/2013, de 15.07.2013, Carlos Fernandes [12] O princípio da proporcionalidade desdob......
3 sentencias
  • Acórdão nº 2949/15.7TDLSB-D.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-02-02
    • Portugal
    • Tribunal da Relação de Lisboa
    • 1 Enero 2022
    ...reforma do processo civil», Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, pp. 745 e 747; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 353/2008, 301/2009, 286/2011, 350/2012, 90/2013, 778/2014, 510/2015, 193/2016, 251/2017 e 675/2018, in A fórmula do nº 1 do art. 32º da Constituição «é, sobretu......
  • Acórdão nº 196/23.3JAPDL-A.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-09-27
    • Portugal
    • Tribunal da Relação de Lisboa
    • 1 Enero 2023
    ...reforma do processo civil», Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol. i, pp. 745 e 747; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 353/2008, 301/2009, 286/2011, 350/2012, 90/2013, 778/2014, 510/2015, 193/2016, 251/2017 e 675/2018, in «Não é inteiramente líquido o âmbito normativo-constituci......
  • Acórdão nº 2553/21.0T8GMR.G3 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-03-16
    • Portugal
    • Tribunal da Relação de Guimarães
    • 1 Enero 2023
    ...dos particulares. [11] Neste sentido, por todos, Ac. do TC, n.º 227/2007, de 28.03.2007, Paulo Mota Pinto. Reiterando-o, Ac. do TC, n.º 301/2009, de 22.07.2009, Joaquim de Sousa Ribeiro; ou Ac. do TC, n.º 421/2013, de 15.07.2013, Carlos Fernandes [12] O princípio da proporcionalidade desdob......

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT