Acórdão nº 263/09 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução26 de Maio de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 263/2009

Processo n.º 240/09

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira

ACORDAM NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

  1. Relatório

    1. A. pretendeu recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de Lisboa que, negando provimento ao recurso interposto, confirmou integralmente a decisão da 1.ª instância que a condenara pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos e 9 meses de prisão.

      O recurso, todavia, não foi admitido na Relação de Lisboa, com fundamento no disposto nos artigos 400.º n.º 1 alínea f) e 414.º n.º 2 ambos do Código do Processo Penal. A. reclamou então para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, sustentando que o acórdão da Relação de Lisboa seria recorrível ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código do Processo Penal, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, regime que lhe deveria ser aplicado por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do mesmo Código, por ser aquele que vigorava à data da prática dos factos e à data em que fora constituída arguida. Alegou, ainda, que a interpretação do disposto no artigo 5.º e no artigo 400.º do Código do Processo Penal no sentido de que a lei aplicável é a vigente no momento da prolação da decisão em 1.ª instância seria inconstitucional, por limitar um direito constitucionalmente consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição.

      A reclamação foi indeferida essencialmente pelos seguintes fundamentos:

      “ […]

      No domínio dos recursos, e das normas que disciplinam a competência em razão da hierarquia, a nova redacção do artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, dispõe que há recurso para o Supremo Tribunal das decisões que não sejam irrecorríveis proferidas em recurso pelas relações nos termos do artigo 400.º.

      E o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), na nova redacção após a Lei n.º 48/2007, determina a irrecorribilidade de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos. Na redacção anterior, o critério da recorribilidade em caso de idêntica decisão nas instâncias (“dupla conforme”) partia da pena aplicável ao crime e não da pena concretamente aplicada.

      A influência das modificações da lei de processo penal nos processos pendentes – nos pressupostos, nos actos, na regulação sobre a prática e sobre as condições de validade dos actos – pode ter consequências mais ou menos intensas, requerendo fórmulas de resolução que permitam definir a lei aplicável.

      O CPP contém norma – o artigo 5.º – que dispõe a este respeito que a nova lei se aplica imediatamente (isto é, também aos processos iniciados anteriormente à sua vigência), sem prejuízo, naturalmente, da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior – artigo 5º, n.º 1, tudo na decorrência do princípio processual tempus regit actum.

      Todavia, no respeito por princípios materiais ligados à posição do arguido, ou por exigências de coerência sistemática e harmonia intra-processual, a lei nova não se aplicará aos processos iniciados anteriormente quando da aplicabilidade imediata possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido ou quebra de harmonia e unidade dos vários actos do processo.

      Nesta confluência de princípios e de compatibilidade entre a regra tempus regit actum e a posição processual de arguido, vista esta na perspectiva processual material das garantias de defesa, a modificação do sistema de recursos, ou das regras sobre a admissibilidade do recurso podem suscitar problemas específicos.

      A instância (a fase) de recurso tem autonomia relativa, mas processualmente relevante, na estrutura e na dinâmica do processo, tanto nos pressupostos em que o recurso é admissível, como nas sequências estritamente procedimentais de desenvolvimento e julgamento.

      Estando, por isso, em causa o exercício de direitos processuais de um sujeito processual, que são inerentes e se confundem com a própria fase de recurso, o momento relevante a ter em conta para verificar a existência dos respectivos pressupostos de exercício será aquele (ou a prática do acto) que primeiramente define no processo a situação do sujeito interessado e que seja susceptível de ser questionada como objecto do recurso com a abertura da respectiva fase.

      No que respeita à arguida, o momento relevante do ponto de vista do titular do direito ao recurso é coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer, pois é esta que contém e fixa os elementos determinantes para a formulação do juízo de interessado sobre o direito e o exercício do direito de recorrer.

      Deste modo, a lei reguladora da admissibilidade do recurso – e, por consequência, da definição do tribunal de recurso – será a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso, isto é, no momento em que for primeiramente proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a decisão da primeira instância.

      No caso, a decisão que primeiro se pronunciou foi proferida, como se referiu, já na vigência do regime de recursos após a entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007.

      Anteriormente a este acto não existia no processo situação processual definida no que respeita aos pressupostos de direito de recorrer, seja na integração do interesse em agir, legitimidade, seja nas condições objectivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime, pena aplicada.

      Os pressupostos de recorribilidade são, pois, os definidos nesse momento, sem campo de intervenção do artigo 5º, n.º 1, do CPP, por se não contemplar um caso de confluência de regimes.

      Esta solução resulta também da argumentação e decisão do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.02.09 – Proc. n.º 1957/08–3.ª, que apenas considerou aplicável a anterior redacção da alínea f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, aos casos em que a decisão de 1.ª instância tivesse sido proferida anteriormente ao início da vigência da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto: “nos termos dos artigos 432º, n.º 1, alínea b), e 400º, n.º 1, alínea f) do CPP, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, é recorrível o acórdão condenatório proferido, em recurso, pela relação, após a entrada em vigor da referida Lei, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a oito anos, que confirme decisão de 1.ª instância anterior àquela data”.

      E não se coloca, manifestamente, qualquer questão de constitucionalidade, porque o direito ao recurso, garantido como direito de defesa no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, se bastar com um grau de recurso, ou segundo grau de jurisdição, que a reclamante já utilizou ao recorrer para o tribunal da Relação.

      O recurso não é, assim, admissível (artigos 432º, alínea b), e 400º, n.º 1, alínea f) do CPP).

      […]”

    2. Inconformada, A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), “pretendendo com o mesmo ver apreciada a inconstitucionalidade da norma contida na al. f) do n.º 1 do art. 410.º do Cod. Proc. Penal, quando interpretada no sentido com que foi aplicada na decisão recorrida, ou seja, que, nos termos dos art.ºs 432º, n.º 1, alínea b) e 400º, n.º 1, alínea f) do CPP, na redacção...

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